A primeira sessão plenária da Reunião Magna da ABC 2018 foi conduzida pelo diretor-científico da Fapesp e Acadêmico Carlos Henrique de Brito Cruz e contou com apresentações do polonês Andrzej Jajszczyk, presente ao evento, e do coreano Jang Moo Lee, por Skype.

polones.jpg O Conselho Europeu de Pesquisa como bloco de construção da política europeia de pesquisa

Presidente do setor da Cracóvia na Academia Polonesa de Ciências e professor da Universidade de Ciência e Tecnologia AGH, o especialista em redes de telecomunicações Andrzej Jajszczyk é membro do conselho científico do Conselho Europeu de Pesquisa (ERC, na sigla em inglês).

Ele abordou, de início, as prioridades da Comissão Europeia (CE) em pesquisa e inovação. Jajszczyk listou a criação de empregos, crescimento e investimento; o mercado digital; as questões climáticas, energéticas e o mercado interno. Destacou que a CE tem concentrado sua atenção, ainda, numa união monetária e econômica mais profunda e mais justa; numa política de mercado balanceada e progressiva, de modo a contemplar a globalização; em justiça e direitos fundamentais; na migração; numa atuação global forte e em mudanças democráticas.

Sobre as oportunidades de financiamento em pesquisa e inovação, explicou que a UE tem programas e editais abertos regularmente, com diversos tipos de bolsas de pesquisa, prêmios, concurso para jovens cientistas, além de um selo de excelência para projetos que os qualifica para obter outros financiamentos.

O maior programa de pesquisa e inovação da União Europeia é o Horizonte 2020, que envolve em torno de 80 bilhões de euros distribuídos ao longo de sete anos (2014-2020), além dos investimentos privados que estes recursos atraem. O foco é em ideias originais e descobertas de fronteira, levadas dos laboratórios para o mercado. Os requisitos são ciência de excelência, liderança industrial, desafios sociais, ampliação da participação. O foco é o desenvolvimento de ciência com e para a sociedade.

A missão do ERC, que foi criado em 2007, é aumentar o dinamismo e a criatividade de todo o sistema europeu de pesquisa. Esta meta deve ser atingida por meio do apoio aos cientistas europeus que atuam em papeis de liderança, que sejam capazes de abrir novos caminhos nas suas áreas de pesquisa e possam treinar e inspirar outros pesquisadores. O investimento do ERC nas carreiras de jovens pesquisadores busca reduzir a fuga de cérebros e promover mudanças institucionais, criando uma referência para todas as instituições de pesquisa. A ideia é encorajar esforços, reformas e investimentos, sustentando reformas estruturais por toda a Europa.

O Conselho apoia pesquisas de fronteira, transdisciplinares e que contribuam com ideias pioneiras em campos emergentes, introduzindo abordagens inovadoras e não convencionais, não havendo prioridades pré-determinadas. O processo seletivo é altamente competitivo, baseado unicamente no conceito de excelência. Os financiamentos são de longo prazo, generosos e oferecidos apenas a instituições que garantam ao premiado condições de gerenciar os recursos de forma independente.

O orçamento do ERC é alocado por demanda, dividido proporcionalmente pelo número de propostas recebidas de cada área. Pesquisadores de qualquer lugar do mundo podem aplicar para o ERC, desde que a pesquisa seja desenvolvida em país membro ou associado da União Europeia. Em 2016 foi assinado um Acordo de Implementação entre o ERC e o Conselho de Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap), cuja presidente, Maria Zaira Turchi estava presente na sessão. Até agora, 11 cientistas brasileiros foram selecionados. Que venham outros.

brito.jpg Desafios em determinar prioridades de investimentos em P&D

Além de coordenar a sessão, o diretor-científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), professor titular na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro titular da ABC, o físico Carlos Henrique de Brito Cruz também apresentou palestra.

Tratando do estabelecimento de prioridades para pesquisa e desenvolvimento, Brito Cruz mostrou artigo da Nature, publicado em 2017, que aponta que as necessidades de milhões de pessoas nos EUA não estão sendo atendidas pelas agendas e interesses que dominam grande parte da ciência moderna.

Já a Universidade de Oxford, no Reino Unido, tem uma página dedicada aos impactos da pesquisa realizada naquela instituição ao longo dos anos, especialmente os impactos na cultura e nos negócios e os subsídios para políticas ambientais e de saúde.

Brito explicou que os sistemas de ciência e tecnologia (C&T) envolvem vários componentes, como universidades, institutos de pesquisa, empresas e governo. A seleção de projetos ou programas interessantes é feita com base em descobertas de alto impacto, ampliação do conhecimento e descobertas com aplicação evidente, com impacto econômico ou social. Ele ressaltou que é importante definir um balanço adequado entre ampliação do conhecimento e aplicabilidade para maximizar os benefícios sociais.

“Nas universidades são geradas ideias, conhecimento e educação. Nas empresas e governo também há criação de ideias e principalmente aplicação”, apontou Brito Cruz. Afirmou, ainda, que não existe ciência a qual se possa dar o nome de “ciência aplicada”. O que existe, em sua visão, é ciência e aplicações da ciência, “unidas como o fruto e a árvore onde ele teve origem”, citando Louis Pasteur.

Ele defende que gestores da área devem ser parte da comunidade científica. “Para realmente entender e usar pesquisa a pessoa tem que ter feito pesquisa”, reforçou, acrescentando que tem que haver cientistas também nas empresas e no governo. E destacou que os padrões têm que ser internacionais e não local, em seu ponto de vista.

Falando do Brasil, Brito-Cruz ressaltou que já existe um sistema de ciência e tecnologia no Brasil, complexo e multidimensional, que envolve universidades, negócios, institutos, agências e instrumentos de financiamento. Há diversos resultados de alto impacto, em três dimensões: intelectual, sociais e econômicas.

“O impacto social envolve ideias para subsidiar e apoiar políticas públicas, assim como ideias diretamente aplicadas a benefícios sociais. Já o impacto econômico é relativo a ideias que geram empresas e as que incrementam a competitividade de negócios. O impacto intelectual se refere a ideias que geram mais e melhores ideias, as que tornam a humanidade mais sábia e as que estão citadas na literatura”, explicou o físico.

Os pontos fracos deste sistema, em sua perspectiva, envolvem pouco planejamento, pouco acompanhamento, instabilidade e falta de coerência entre os atores. “É preciso balancear excelência e amplitude, pois temos que ter uma orientação econômica dirigida para inovação. Precisamos, também, ampliar a comunicação com a sociedade e seus representantes”, afirmou Brito.

O diretor científico da Fapesp mostrou um exemplo concreto, relativo ao impacto econômico da C&T na agricultura paulista. Brito apresentou dados que mostram que para cada real investido em pesquisa houve um incremento no valor da produção da ordem de R$ 10 a R$12. Na citricultura, especificamente, este valor chegou a R$ 13,67.

Ele propõe prioridades para as ações nacionais em C&T, que envolvem treinamento de pesquisadores; manutenção de grupos de pesquisa ativos, especialmente os projetos de pesquisa avançada; pesquisa orientada por demanda, apoiada por empresas e governo; e prioridade para pesquisa orientada por oportunidades, relativas a problemas estratégicos.
“O grande desafio é definir percentuais para cada uma destas linhas de pesquisa”, apontou.

moo_lee.jpg Políticas nacionais de ciência e tecnologia e crescimento econômico na Coreia do Sul

O engenheiro mecânico Jang Moo Lee, professor emérito da Universidade Nacional de Seul, fez sua apresentação pelo Skype, devido a problemas de saúde que o impediram de vir ao Brasil.

Ele presidiu o Conselho Coreano para Educação Superior, a Sociedade Coreana de Novas Energias Renováveis, a Sociedade Coreana de Engenharia Mecânica e o Instituto de Avaliação de Tecnologia Industrial. Também foi membro do Comitê Nacional para Inovação em C&T.

Lee apresentou números que comprovam o rápido crescimento da Coreia nos últimos anos, e que este crescimento esteve diretamente relacionado à ciência, tecnologia e inovação. O alto nível de educação da população foi um elemento fundamental nesse processo.
Entre 1995 e 2007, o PIB per capita se manteve em torno de 10 mil dólares. Passou para 20 mil dólares, apesar da crise mundial em 2010, para em seguida crescer para mais de 30 mil dólares anuais, alcançando padrão de país avançado.

Historicamente, Lee mostrou que todo esse crescimento foi planejado e desenhado em planos de cinco anos, que se transformavam de acordo com as necessidades de cada etapa da industrialização do país. Estes planos quinquenais foram baseados fundamentalmente em educação, ciência e tecnologia.

O processo começou nos anos 60, com a instalação de institutos de pesquisa de ponta, que construíram a base para a independência tecnológica. A indústria de base, como a do aço, foi estimulada. Ao sistema de pesquisa e desenvolvimento, então, foram aplicadas políticas dirigidas para o desenvolvimento tecnológico e eficiência no mercado globalizado. Nos anos 2000, as políticas voltaram-se para o estabelecimento de uma liderança global em determinados mercados, com estímulo à inovação e a ciência e tecnologia criativas.

Hoje a Coreia é um país industrializado, com uma economia pujante baseada na construção naval, automobilística e na tecnologia. Investe em torno de 4% do seu PIB em pesquisa e desenvolvimento, enquanto aqui no Brasil mal conseguimos atingir 1%. Ou seja, é a prova de que crescimento vem de investimento em ciência, tecnologia, inovação e vontade política.