kellner1.jpg O Acadêmico Alexander Kellner, recém-empossado diretor do Museu Nacional da UFRJ, enviou o artigo abaixo para as Notícias da ABC.

“Querendo propagar os conhecimentos e estudos das ciências naturais no reino do Brasil, que encerra em si milhares de objetos dignos de observação e exame, e que podem ser empregados em benefício do comércio, da indústria e das artes, que muito desejo favorecer como grandes mananciais de riqueza: hei por bem que nesta corte se estabeleça um Museu Real, para onde passem, quanto antes, os instrumentos, máquinas e gabinetes que já existem dispersos por outros lugares.”

Esses foram os dizeres do decreto de D. João VI quando foi criado o Museu Real (atual Museu Nacional) em 6 de junho de 1818. Era um tempo curioso, aquela época, com muitas incertezas no ar. Em guerra com a França de Napoleão, alguns anos antes, mais precisamente em 1808, a corte de Portugal veio se refugiar no Brasil. O que, pelo menos em termos teóricos, fazem do nosso país o único da América do Sul a “reger” um país europeu.

Na esteira da vinda da corte portuguesa para a então colônia, vieram diversos naturalistas e cientistas a explorar o mundo novo! Isso se acentuou com o fato do matrimônio de D. Pedro, filho de D. João VI, com a austríaca Maria Leopoldina – uma “habsburga”. Ambos, muito jovens, ela aos 25 e ele aos 23 anos, apoiados pela sociedade da época, foram determinantes na independência do nosso país em 1822.

E o Museu Nacional floresceu! As coleções cresceram já com a Imperatriz que, criada na corte europeia, tinha a exata noção da importância da ciência para o desenvolvimento de uma nação. Aliás, ela mesma realizou diversos estudos e coletas de minerais do novo reino – alguns dos quais encontram-se nas coleções do museu. D. Pedro I, que, bem assessorado, adquiriu por diversas maneiras, material importantíssimo, como, por exemplo, as múmias que enriquecem as salas e exposições do nosso Museu Nacional. Hoje, um verdadeiro orgulho nacional!

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Depois veio D. Pedro II – esse grande brasileiro, que com a sua esposa Tereza Cristina, patrocinaram escavações arqueológicas na Itália, tendo parte do material sido trazido para o Brasil e depositado nesse museu. O Imperador investiu pessoalmente nas diferentes áreas de conhecimento do Museu Nacional na segunda metade do século XIX. Tiveram vários filhos, com destaque para a Princesa Isabel, que acabou assinando a lei áurea (13 de maio de 1888), último ato para a libertação dos escravos. Esse princesa que tanto brincou no chamado jardim das princesas, que existe no palácio de São Cristóvão! Era a idade de ouro do Museu, sob a direção do botânico Ladislau Netto (gestão 1874-1893). Naquela época a instituição ainda estava situado no Campo de Santana e houve uma reestruturação administrativa com a criação de cursos públicos no museu. Sem contar com a organização da primeira revista científica do nosso país – os Arquivos do Museu Nacional (1876).

Depois veio a república. Com o exílio forçado da família imperial em 1889, esse palácio abrigou a primeira Assembleia Constituinte Republicana (1889-1891). Em 1892, passada essa fase política, o palácio passou a abrigar o museu propriamente dito. Novos desafios foram enfrentados com as adaptações no palácio para sediar a instituição. Novamente, o museu floresceu – coleções cresceram, jovens profissionais vieram, e a pesquisa se intensificou.

Nessa ocasião, é importante mencionar a atuação de Bertha Lutz, herpetóloga e ativista do feminismo no Brasil, que também foi a primeira deputada federal (suplente) do país. Além disso, o museu teve a sua primeira diretora: a antropóloga Heloisa Alberto Torres (gestão 1937-1955).

Então, em 1946, o Museu Nacional foi transferido para a Universidade do Brasil, atual UFRJ. Também nesse período houve um relevante desenvolvimento institucional do museu, quando teve como diretor o entomólogo José Cândido de Mello Carvalho (gestão 1955-1961). Com um fundamental incentivo por parte da Reitoria, que tinha Dr. Pedro Calmon a frente, houve a criação de novos cargos e uma reformulação das exposições abrangendo quase 80% das salas. Já naquela época a visitação do museu chegava em torno de 700 pessoas ao dia, um novo momento áureo da instituição. Com em torno de 350 mil visitantes anuais há mais de 60 anos, quando o país tinha uma população de pouco mais de 72 milhões de habitantes. Tal fato sugere um potencial de visitação anual do Museu Nacional superior a um milhão de visitantes seria uma meta viável.

Ao longo dos anos passaram por essa instituição grandes pesquisadores e figuras distintas. O número é muito grande, mas cabe destaque para pelo menos alguns como Albert Einstein que visitou o museu em maio de 1925, há mais de 90 anos, Santos Dumont e a Madame Curie, importante pesquisadora – única mulher que ganhou dois prêmios Nobel. Sem falar em Roquete Pinto – esse grande divulgador e educador, singelamente homenageado pela designação de um auditório no museu. Alias, foi no Museu Nacional que se estabeleceu a primeira seção de assistência ao ensino do Brasil – que acaba de completar 90 anos de existência. Roquette Pinto junto com outros pesquisadores do museu como o ictiólogo Alípio Miranda Ribeiro, atuou na criação da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Sem contar com o ornitólogo Augusto Roschi, muito atuante na ABC na defesa e conservação da fauna e flora brasileira, temas bastantes atuais. Era o museu ocupando um grande destaque na sociedade brasileira.

Mas, em algum momento as coisas pararam. O mundo foi se modificando e o museu, por motivos diversos, talvez até um tanto incompreensíveis, não continuou a sua trajetória de crescimento da forma como poderia e, sinceramente, deveria.

Agora nos encontramos às vésperas de completar 200 anos, o que ocorrerá no dia 6 de junho próximo. Isso nos faz a instituição científica mais antiga do país, na esteira da qual muitas outras se espelharam ao longo dos anos. Não é por acaso que o IBRAM – Instituto Brasileiro de Museus, quer consagrar o bicentenário do Museu Nacional e organizar um seminário sobre 200 anos de museus no Brasil. Uma bela iniciativa!

Caprichosamente, como no tempo da criação do Museu Nacional por D. João VI, também vivemos tempos curiosos e inquietantes. E como o são, particularmente nesses últimos anos: inquéritos; prisões semanais de agentes públicos e empresários ou pessoas ligadas a eles; condução coercitiva; impeachment; fechamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; restrições orçamentárias de todo tipo levando ao estrangulamento financeiro de instituições diversas, com terríveis consequências sobretudo para as universidades.

E o nosso estado? Ex-governadores presos, sucateamento da UERJ, intervenção federal, absurdo assassinato de vereadora e seu motorista. A situação mundial, também em fase de mudanças fortes de política de países que influenciam o mundo como os estados Unidos, a franca ascensão econômica e política da China, a situação da Rússia – apenas para citar alguns.

Sem contar que nesse ano temos a copa mundial de futebol e, voltando ao Brasil, estamos em um ano de eleições que, por tudo o que está acontecendo, traz mais incertezas até do que esperanças, gerando um sentimento de insegurança generalizado que se reflete na economia e no ânimo geral das pessoas.

No meio disso tudo, vem os 200 anos do Museu Nacional.

Pessoalmente, apesar do cenário geral, vejo essa data histórica com um grande otimismo. É um verdadeiro convite para repensar a instituição e os desafios que ela terá que enfrentar nesses tempos modernos.

Dentro da UFRJ, muitos se referem ao Museu Nacional como uma verdadeira joia da coroa. Mas, como gosto de falar, está na hora dessa joia voltar a brilhar! Isso demandará esforços de todos: da casa, da UFRJ e da sociedade com um todo. O Museu Nacional é um projeto vencedor! Existem convênios e acordos que se encontram fechados ou em vias de fechar. A ideia é que a parte administrativa do museu mude do palácio para um terreno próximo, tornando possível uma grande renovação e restauração do prédio para novas exposições. O mais difícil – e caro – já se tem, que é o acervo. Agora necessita-se apenas da vontade política de fazer com que o país tenha um museu de história natural com qualidade, como existem em países da Europa, América do Norte e da Ásia. Como foi apontado em uma reportagem recente da revista Veja, o museu tem mais de 22% de votos quando o assunto é museu – nada desprezível, se levamos em conta a falta de investimentos substanciais que assolam a instituição nas últimas décadas.

Todos, começando pelo poder público, as empresas particulares e estatais e as pessoas em geral podem ajudar fazendo com que o museu retome o seu lugar de destaque no cenário da cidade, do estado e do país, para além dos 200 anos!