Ter nojo de varejeiras (Chrysomya megacephala) é humano, demasiado humano, e desconfio que esse asco só aumenta se eu disser que elas costumem fazer bolhinhas de cuspe repetidas vezes. Mas encaremos a coisa por outro ângulo, como a ciência nos ajuda a fazer, e descobriremos, como demonstraram pesquisadores da USP de São Carlos e da Unesp de Rio Claro, que esse comportamento é praticamente a mesma coisa que aquela fofice dos cachorrinhos ofegantes, dos leõezinhos de língua de fora na savana africana. As moscas fazem isso para resfriar o organismo, dissipando calor, assim como os cães (ou eu e você quando suamos).
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A pesquisa, que pode ser lida gratuitamente no original da revista especializada “Scientific Reports“, usou imagens de infravermelho (que medem calor) para saber exatamente o que acontecia no organismo dos insetos durante o processo de produzir e engolir vez após outra a tal bolha de cuspe. “Cuspe” é, confesso, licença poética: o que temos nas gotículas é um fluido que consiste numa mistura complexa de líquidos dos alimentos ingeridos pelo bicho, enzimas (substâncias orgânicas que aceleram reações químicas) de suas glândulas salivares e compostos microbianos da porção superior do sistema digestivo da mosquinha.

Seja como for, o que acontece é o seguinte: enquanto a bolha de líquido é colocada boca afora, o calor faz com que parte da água ali evapore, o que acaba resfriando o que sobrou da baba de mosca. O bicho engole de novo o negócio e, logo depois, faz a bolhinha de novo. Repetindo esse processo, a varejeira consegue esfriar várias partes do corpo a diferentes taxas, perdendo de 3 graus Celsius (no caso da cabeça) a 0,8 graus Celsius (caso do abdômen).

Lembre-se de que o bicho é pequenininho e não controla sozinho a sua temperatura corporal, ao contrário de nós, mamíferos. Por isso, as varejeiras modulam cuidadosamente o processo dependendo da temperatura ambiente e do seu nível de atividade (já que voar esquenta muito o corpo).

Os autores da pesquisa são Guilherme Gomes e o Acadêmico Roland Köberle, da USP, e Claudio Zuben e Denis Andrade, da Unesp.

E, se você me permite o bairrismo científico, o qual já virou marca registrada deste blog, é claro que uma descoberta tão sensacional quanto essa só poderia ter vindo de São Carlos, a Atenas Paulista, o município com maior proporção de pessoas com doutorado por habitante na América Latina e, vejam só que coincidência, minha cidade natal e onde moro hoje, com a graça de Deus e de Darwin.