antartica_edit.jpgCientistas brasileiros temem que as pesquisas do país na Antártica possam ter um fim próximo devido à falta de recursos para o Programa Antártico Brasileiro (Proantar). A situação, de acordo com o grupo de pesquisadores que pede posicionamentos às autoridades, pode fazer, por exemplo, com que nova Estação Comandante Ferraz, construída depois que a antiga sede foi destruída por um incêndio em 2012, venha a ser inaugurada em março de 2019 sem ninguém para conduzir estudos no local. Interrompe, ainda, pesquisas que influenciam diretamente nas mudanças climáticas e eventos severos no Rio Grande do Sul. Um novo edital de recursos, conforme o governo federal, está previsto, mas já é considerado insuficiente.

A principal preocupação da comunidade científica é sobre a disparidade entre investimentos. De acordo com criador do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) [o membro titular da ABC], Jefferson Cardia Simões, os cerca de R$ 330 milhões para a construção da nova estação são destinados através do Ministério da Defesa e, portanto, representam recurso para logística e não para a ciência, que não tem edital aberto desde 2013, quando foram viabilizados R$ 14 milhões via Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC).

A verba, que deveria ter sido repassada de imediato para 18 projetos, foi diluída até o final de 2017. Por isso, diversas iniciativas não tiveram seguimento e, as que conseguiram se manter, estão encerrando suas atividades no segundo semestre deste ano.

Conforme Simões, o único grupo que ainda pode continuar, pelo menos, até o final do ano, é o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera (INCT) da Ufrgs, que tem R$ 700 mil oriundos de edital do MCTIC e do CNPQ. Porém, conforme Jefferson, que coordena as pesquisas, a equipe é ligada ao Proantar apenas indiretamente, já que atua também nos Andes.

O professor, considerado o “pai da glaciologia no Brasil”, explica que a crítica não é à estação em si, mas em mostrar que há uma falha inclusive no Tratado Antártico, que afirma ser necessário haver continuidade da pesquisa. “O Brasil falha em um dos lados. A parte do Ministério da defesa é a presença e a do MCTIC é a ciência”, explica Simões.

Comenta também que apenas de 20% a 25% das pesquisas são feitas na estação e que a maior parte – cerca de 40% – ocorre no Navio Polar Almirante Maximiano. O restante ocorre em acampamentos e no módulo científico Criosfera 1, localizado a 2,5 quilômetros do local.

Novos investimentos

A preocupação com o fim de recursos fez com que Jefferson e outros pesquisadores enviassem carta ao ministro Gilberto Kassab e outras autoridades solicitando posicionamento. O documento, ainda não respondido oficialmente, foi obtido pelo Correio do Povo e informa a preocupação de não se conseguir enviar cientistas à Antártica no próximo ano, precisar dispensar pessoal – de bolsistas a pós-doutores – e desativar o Criosfera 1. O módulo já não conta com expedições desde 2015 e vem recebendo apenas manutenção básica, o que, sem novos investimentos, também pode parar.

Em nota, o MCTIC explicou que o orçamento tem sido modificado devido à reorganização fiscal do governo, mas que tem atuado para maior disponibilização de recursos, tendo aprovado recentemente, no Conselho Diretor do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, R$ 7 milhões para o Proantar nos próximos três anos, operacionalizados pelo CNPq. Informou, ainda, que o Ministério apoiou com R$ 4 milhões as obras e aquisição de material para pesquisas no continente nos navios e, em 2017, participou da alocação de R$ 1,5 milhão para continuidade de pesquisas.

Apesar da nova sinalização, o professor da Ufrgs, que é também vice-presidente do Comitê Científico sobre Pesquisa Antártica, disse que seria necessário o triplo desse valor para manter as atividades por mais três anos, já que cerca de 20 universidades, 250 doutores e 200 bolsistas em todo o Brasil estão envolvidos no Proantar.

“É um valor irrisório, pífio. É ínfimo o custo, comparado com o logístico”, comenta. O Ministério afirmou que, apesar de garantir R$ 7 milhões, o edital deve ser reforçado com outras fontes de recursos, como emendas parlamentares.

A Marinha do Brasil, uma das entidades a quem a carta foi enviada, esclareceu que realiza a manutenção dos navios polares, helicópteros e treina o pessoal que vai para a Antártica atrabés do Programa, além de conduzir as obras de reconstrução da Estação Comandante Ferraz com recursos orçamentários próprios.

“Tem cumprido, com muito esforço, a tarefa de coordenar a execução das Operações Antárticas, por meio do apoio logístico e da infraestrutura necessária à presença brasileira naquele continente, não cabendo à Marinha promover as ações no sentido de viabilizar os recursos financeiros necessários ao financiamento de bolsas de pesquisas e outras despesas ligadas diretamente aos projetos científicos naquele continente”, comunicou em nota.

Impactos no Estado

Um possível fim do Programa afeta também o Rio Grande do Sul. Chefe do departamento de Geografia da Ufrgs, Francisco Aquino explica que, em um cenário de mudanças climáticas, o tempo e o clima com eventos severos que ocorrem no sul do Brasil têm relação direta com a Antártica, pois, em vários casos, já foi identificada componente da circulação atmosférica induzida pelo continente.

Um exemplo disso, segundo ele, foi o temporal de 29 de janeiro de 2016 em Porto Alegre, que foi precedido por uma onda de calor, depois por um sistema frontal e, na sua aproximação, uma tempestade forte. Aquino continua estudando o caso e já percebeu uma “assinatura” da Antártica como região fria tentando modular a situação atmosférica e contrastando com o calor do Estado. “Entender e até melhorar a previsão de eventos severos e seus impactos no sul do Brasil depende do melhor entendimento da circulação atmosférica e conexão climática com a Antártica.”

Valorização do Programa Antártico Brasileiro

Em sua nota, o Ministério ressaltou que tem consideração pela ciência antártica e pela comunidade acadêmica envolvida no Proantar. “São anos em que, apesar das restrições fiscais, o Proantar tem se mantido ininterrupto. São as pesquisas na Antártica que nos permitem fazer melhores previsões de tempo e clima, que impactam diretamente a agricultura no Brasil, devido à ligação da variabilidade climática da Antártica e do Sul do País”, informou.

O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, se manifestou sobre a situação do Proantar ao dizer que se trata de um programa de excelência e que tem grande importância estratégica para o Brasil e seu protagonismo na região antártica.

“É lamentável que esse programa esteja agora ameaçado. Este é mais um exemplo da insensibilidade das autoridades das áreas de economia e planejamento com relação à importância da ciência e da inovação tecnológica para o desenvolvimento nacional”, comentou ao citar a redução de orçamento do MCTIC para 2018 em 23% em relação a 2017.

“Estamos agora com um orçamento que representa cerca de 40% do de 2010, corrigido pela inflação. E que ainda pode ser contingenciado”, disse.

REPERCUSSÃO NA MÍDIA

Jornal O Estado de S. Paulo faz editorial sobre o Proantar

O Estado de S. Paulo: Crise ameaça pesquisa do País na Antártida