amauri_edit.jpgNascido em Barretos, uma pequena cidade do interior de São Paulo, Amauri Jardim de Paula viveu uma infância tranquila e sem grandes aspirações pela ciência. Ele conta que ficou fascinado pelo ambiente de laboratório na universidade, a organização, os equipamentos de alta tecnologia e a possibilidade de ganhar uma bolsa de iniciação científica. “O interesse em trabalhar em laboratórios de pesquisa do Instituto de Química da Unesp/Araraquara [Universidade Estadual Paulista] surgiu no segundo ano de graduação. Fui refletir em profundidade sobre o conceito de ciência só mais tarde”, conta ele, recém-diplomado membro afiliado da regional Nordeste e Espírito Santo da ABC.
Químico de formação, Amauri é hoje professor adjunto do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC). Ele coordena o Solid-Biological Interface Group (SolBIN), um grupo de estudos que desenvolve atividades de pesquisa científica e tecnológica baseada no paradigma de físico-química, aplicada ao entendimento e à exploração das propriedades de superfícies sólidas no contexto da biologia.
O pesquisador explica que ele e a equipe dedicam-se a gerar superfícies inteligentes de metais e polímeros que impeçam a colonização de microrganismos e, assim, contribuam para reduzir as infecções hospitalares. O grupo também usa os mesmos paradigmas científicos para produzir nanopartículas sólidas capazes de entregar medicamentos em pontos específicos do corpo, gerar sensores bioquímicos para reconhecer doenças e muitas outras aplicações típicas de interfaces sólido-biológicas.
Mesmo tendo iniciado na química, Amauri conta que sua aproximação com a física se deu ainda na graduação. Em função de suas boas notas na disciplina, ele foi convidado a fazer iniciação científica com o professor José Arana Varela e, assim, começou a trabalhar com cerâmicas para aplicação em eletrônica. Ele também atuou ao lado da professora Maria Aparecida Zaghete Bertochi. D
urante três anos, trabalhou com cerâmicas piezoelétricas [corpos maciços semelhantes aos utilizados em isoladores elétricos e formados por inúmeros cristais microscópicos]. Em função de um longo processo de iniciação científica e da liberdade que os professores Varela e Zaghete lhe deram, Amauri de Paula pôde escolher problemas e projetos para trabalhar. Assim, bem cedo, ganhou independência nas atividades de pesquisa, que envolviam prospecção de problemas científicos ou tecnológicos, escrita de projetos de pesquisa, e escrita de artigos e patentes.
A iniciação científica o levou a um amadurecimento muito rápido na prática de pesquisa, o que lhe permitiu, já no mestrado, escolher os problemas científicos e tecnológicos com os quais se identificava. Foi assim que decidiu aprofundar os estudos na área de cerâmicas livres de chumbo e contou, para isso, com a orientação da professora Zaghete.
Segundo Amauri de Paula, o projeto envolvia o desenvolvimento de novas composições cerâmicas que fossem tão boas em propriedades eletrônicas quanto aquelas que continham chumbo. “A necessidade de substituir o chumbo se dá pela sua toxicidade. Durante o mestrado, fiz também o bacharelado em química tecnológica. Depois da defesa da dissertação, fui trabalhar na cidade de São Paulo com química de petróleo em uma empresa privada. Enquanto trabalhava, escolhia onde faria o doutorado e pensava sobre o projeto de pesquisa”, conta ele, que foi atraído para a nanobiotecnologia.
“Essa corrente me levou a reconhecer que os conhecimentos de engenharia de materiais que eu utilizava poderiam ser usados para gerar materiais que seriam úteis para a medicina, e especialmente para o combate ao câncer”, diz Paula. Ao fazer uma busca sobre os locais no Brasil que lhe permitiriam executar um projeto de pesquisa em nanobiotecnologia aplicada no combate ao câncer, ele conheceu os professores Oswaldo Luiz Alves (vice-presidente da regional São Paulo da ABC) e Nelson Duran, ambos do Instituto de Química da Universidade de Campinas (Unicamp).
Oswaldo Luiz Alves deu toda a liberdade para que Amauri seguisse com seus planos. Foi assim que o jovem afiliado deu entrada no doutorado na Unicamp, sob a orientação do professor Alves e colaboração de Duran. Seu projeto envolveu a produção de nanopartículas de sílicas porosas para uso em quimioterapias.
Muito além da titulação, o doutorado permitiu também a Amauri de Paula contato com o biólogo e colega Diego Stefani Martinez. A aproximação fez com que ele desse um passo rumo à biologia. Já o contato com o físico e hoje professor do Departamento de Física da UFC Antônio Gomes Souza-Filho, ex-membro afiliado da ABC, fez com que Amauri se aproximasse novamente da física. “A partir desse caldo intelectual do doutorado, pude começar a vislumbrar a interface da bio-físico-química, que reúne conhecimentos de termodinâmica, cinética química, modelagem computacional, biologia celular, microbiologia, nanotecnologia e outras temáticas”, explica.
O doutorado foi um período de muito trabalho, alta produtividade e de muitas descobertas com sistemas à base de sílica, diz Amauri. “Fizemos artigos e patentes de alto impacto, e que tiveram muita divulgação (ver www.sobin.com.br, seção highlights). Foi o período de maior aprendizagem em minha vida, quando pude de fato ter uma noção das potencialidades da prática científica quando bem medida e realizada”, conta.
Para quem vê a ciência como um agente modificador de culturas e práticas, Amauri diz que ela é o caminho para gerar a riqueza necessária para o Brasil diminuir suas desigualdades. “Em um país marcado por heterogeneidade cultural, baixa escolaridade e um frágil tecido moral, fazer ciência é muito difícil e também uma atividade de muita responsabilidade para o praticante”, avalia ele, que na Universidade Federal do Ceará coordena um grupo de pesquisa com químicos, físicos, biotecnologistas, dentistas e engenheiros.
“É muito prazeroso trabalhar nesse ambiente multidisciplinar”, afirma Amauri de Paula, que se diz orgulhoso em ser escolhido como membro afiliado da ABC. “O título é um enorme privilégio, considerando o prestígio da instituição e a competência de seus membros. A ABC representa a linha de frente na defesa da ciência brasileira e na promoção da prática científica no país”.