A segunda sessão do I Seminário Internacional Scientific American Brasil: Ciência e Sociedade já trazia a polêmica no título. Os convidados foram a diretora-executiva do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB) Adriana Brondani e os Acadêmicos Helena Nader, presidente de honra da SBPC e professora da Unifesp; Jefferson Cardia Simões, líder do Programa Antártico Brasileiro e professor da UFRGS; e Fernando de Castro Reinach, biólogo, ex-professor da USP e colunista do jornal O Estado de S. Paulo.
Visão arcaica do próprio cientista sobre seu papel social
Jefferson Simões foi o primeiro a falar e perguntou: por que a comunicação científica não é mais ativa na sua defesa e na sua afirmação? E ele mesmo começou a responder: um dos motivos principais é a concepção arcaica do papel do cientista na sociedade, que não se reconhece como político, divulgador e formador de opinião.
“Os desafios para o cientista contemporâneo envolvem uma atitude participativa, uma ação integrada com a comunidade científica e com a sociedade, a construção de uma rede social ativa e moderna”, provocou Simões.
O pioneiro da glaciologia (ciência que estuda a composição das geleiras ou das regiões glaciares) no Brasil alertou para o preconceito dos próprios cientistas com a propaganda da ciência e a divulgação científica. “Há desconhecimento por parte dos pesquisadores de que o avanço da ciência depende de visibilidade, do avanço do conhecimento da sociedade sobre a ciência e que o nosso papel é, no mínimo, oferecer informação”, destacou Simões.
E essa informação, na visão de Jefferson Simões, também não pode ser passada de qualquer maneira. “Como disse o Shermer, a dissonância cognitiva é forte. Quando a informação apresentada fere os princípios da pessoa, ela tende a recusar a evidência”, explicou. “É preciso conhecer os processos pedagógicos e a neurociência da cognição para que possamos, todos juntos, desenvolver uma política de comunicação integrada.”
Para atingir a sociedade, naturalmente, é preciso envolver os seus representantes – ou seja, a classe política. “ É essencial manter uma relação com os poderes constituídos para interferir nas políticas. Nossa interação com o Congresso Nacional é frágil, a atuação do MCTIC [Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações] é fraca”, criticou Simões. E acrescentou que não adianta, como já havia dito Goldemberg, pregar para os convertidos. “Nos reunimos e nos reconhecemos: eu sou muito bom, você é muito bom, nós somos muito bons. E ponto.” É também por isso, em sua avaliação, que as agências financiadoras de ciência consideram pouco as atividades de divulgação: porque os próprios cientistas também as colocam em segundo plano.
Será mesmo que a ciência brasileira não se afirma?
A Acadêmica e presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), instituição que presidiu por três mandatos subsequentes, começou questionando o título da sessão. “Será mesmo que a ciência brasileira não se afirma? Eu colocaria uma interrogação no final deste título”, provocou.
Sua defesa da ciência começou pelo tempo: nossa ciência é jovem, sua institucionalização começou na década de 1950”, explicou. Ela mostrou a quantidade e qualidade dos livros publicados pela SBPC. “Mas nossa sociedade não tem o hábito da leitura e precisa de ajuda para compreender a ciência. Precisamos da divulgação científica”, salientou.
O baixo nível da educação no país pode ser comprovado, de acordo com Helena, pelos maus resultados do Brasil nos rankings da OECD [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] em português, matemática e ciência. “O desempenho do Brasil é significativamente abaixo da média, sem contar os analfabetos funcionais”, frisou a Acadêmica.
Assim como Jefferson Simões, ela inclui nesse desconhecimento científico a classe política. “Vejam o caso do Código Florestal. Se não fosse a atuação da SBPC e da Academia Brasileira de Ciências, o resultado teria sido ainda pior do que foi”, assegurou.
Ainda assim, os resultados de uma pesquisa promovida em 2015 sobre a percepção do brasileiro a repeito da ciência pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e pelo então Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), já em sua quarta edição, mostra que a imagem da ciência é positiva. Os gráficos apresentados indicam que o brasileiro médio tem interesse por ciência, acha que ela é positiva e “para o bem”, reconhece os benefícios que ela traz. “Mas são muito poucos os que sabem citar o nome de um cientista ou de uma instituição de pesquisa brasileira”, apontou Nader, reforçando a importância da comunicação e divulgação científica.
Helena mostrou também os resultados do Eurobarometer, referência de percepção pública da ciência na Europa. “Neste estudo comparativo, ficou clara a diferença de como a ciência é vista pelos governos no continente europeu: de forma muito diferente do que aqui”. O documento já começa afirmando que o fomento a ciência e inovação é uma prioridade para a União Europeia, “à medida que a Europa avança ainda mais, para se tornar uma sociedade com economia baseada no conhecimento, e pelo reconhecimento de que a ciência pode ajudar a responder muitas das questões enfrentadas pelo mundo no século 21”.
Ciência invisível
O Acadêmico Fernando Reinach questionou o conceito de divulgação científica. Ele conta que atuou por 25 anos na academia e que já está há 17 anos fora dela, mantendo uma coluna sobre ciência no jornal O Estado de S.Paulo. Reinach acha que o importante é explicar como a ciência é feita, como as descobertas ocorrem. “É esse entendimento que atrai o interesse do público”, explicou. Ele publicou 660 colunas em 15 anos, e tem tido um ótimo retorno de público com esse foco. “Eu leio as revistas científicas da semana, escolho um tema ‘explicável’, explico e as pessoas adoram”, contou. Simples assim.
Ele exemplificou citando uma coluna sobre formigas, que abordava o fato de que elas contam os passos que dão, que têm um pedômetro interno. “Mas como alguém descobre isso? Eu procuro explicar como se dá o trabalho do cientista”, salientou. “Numa pesquisa, os resultados são mais importantes do que a conclusão. Essa pode ser especulativa”, opinou. “Por trás de cada resultado há um experimento. Isso é que é o interessante. Outros temas, fora da ciência, não trazem em si essa possibilidade de confirmação”, avaliou Reinach.
“Quando a gente olha de fora, como cidadão, dá para perceber que a ciência brasileira é invisível para a população”, provocou. “A ciência brasileira não existe para o público. É uma ilusão de quem está dentro desse meio. Eu também pensava que o que era feito nos laboratórios era o máximo, quando estava dentro. Hoje o que a sociedade vê é um grupo corporativo pedindo verba”, afirmou, provocando bem-humorado a plateia e os outros palestrantes.
Com o apoio da Votorantim, Reinach fez uma coletânea de colunas e publicou um livro distribuído para professores do ensino médio, mostrando como ensinar ciência por meio de explicações das razões para cada coisa. “O interesse e o comportamento científico podem ser estimulados desde a infância. A criança entende que por trás de cada afirmação científica tem pesquisa, tem um experimento, tem uma explicação. E ela desenvolve, assim, o pensamento crítico, o pensamento científico.”
O biólogo também é sócio do Fundo Pitanga, que investe em empresas inovadoras com alto potencial de crescimento. O caráter de inovação que procuram incentivar pode estar relacionado tanto a um modelo inovador de negócio como à utilização de novas tecnologias.
Mantendo o espírito polêmico, Reinach reafirmou que as contribuições da ciência brasileira para a sociedade não aparecem fora do mundo acadêmico. “Termos a consciência de que não existimos é importante para mudar as coisas. A comunidade científica não se critica – todos sabemos que 1/3 das teses são lixo e que 1/3 dos cientistas são incompetentes. Mas ninguém diz isso. Eu digo porque não preciso mais que nenhuma agência financie meu trabalho.”
Ele concorda que o financiamento para ciência no Brasil é “miserável”, mas insiste que o cientista não pode ficar no papel de vítima. “ É um grupo suficientemente educado para ter essa perspectiva. Todas essas publicações da SBPC, por exemplo, mudaram o que no Brasil? O resultado positivo só virá quando a população disser para o governo: ‘Não, nós não queremos isto ou aquilo’. Mas isso não acontece porque nós somos incapazes de mostrar à sociedade que somos importantes. O negócio é ter governantes como a Angela Merkel, que é PhD em química. Ninguém precisa explicar pra ela a importância da ciência.”
Biotecnologia para sustentabilidade
Bióloga, doutora em bioquímica e biologia molecular, a diretora do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB) destacou a demanda crescente do mercado por sustentabilidade. Mas a visão da sociedade sobre a biotecnologia no Brasil, segundo Adriana, é controversa e incoerente. “Quando a biotecnologia é relacionada a medicamentos, é bem vista. Mas quando é relacionada a plantas alimentícias, não.”
Ela citou algumas aplicações da biotecnologia moderna. Na saúde, envolvem vacinas, medicamentos, diagnósticos e terapias gênicas. Na agricultura, a biotecnologia permite a obtenção de plantas tolerantes a herbicidas, resistentes a insetos e com ganhos nutricionais. Também contribui com o meio ambiente, por meio de organismos e enzimas para remoção de poluentes, e na indústria, com organismos e enzimas para melhorar a eficiência de processos industriais.
Ela considera que a mídia contribuiu para essa imagem negativa da biotecnologia em alimentos, assim como certas regulamentações. “O símbolo do triângulo com um T dentro para indicar que um produto contém elementos transgênicos tem um impacto muito negativo. Ora, se já foi feita uma quantidade enorme de experimentos para testar o produto e já se concluiu que ele não representa perigo para a saúde, não tem porque usar esse símbolo, que faz parecer que aquilo contém substâncias perigosas e não é o caso”, esclareceu Adriana.
Enquanto em 2001 uma pesquisa do Ibope demonstrou que o impacto dos transgênicos na sociedade era muito negativo, em 2015 outra pesquisa realizada pela mesma entidade mostrou um cenário mais positivo na percepção pública e um aumento no consumo. Adriana destacou que, de acordo com o Trust Barometer 2017, o brasileiro acredita mais em alguém como ele do que num especialista; confia mais em indivíduos do que em instituições e se identifica de forma mais positiva com falas espontâneas do que com falas ensaiadas. “Tudo isso indica que precisamos ocupar os espaços das mídias sociais”, concluiu.
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