A sessão “Biodiversidade, segurança alimentar e qualidade dos mananciais para água potável”, realizada dentro do “Simpósio Preparatório Brasil/França sobre Biodiversidade” promovido pela ABC entre 19 e 21 de setembro, foi coordenada pelo Acadêmico Elíbio Rech, professor da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Rech apresentou os palestrante: Guilherme Oliveira, pesquisador titular do Instituto Tecnológico Vale (ITV) e professor do Programa de Bioinformática da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Alexandre Lima Nepomuceno, pesquisador da Embrapa e professor das universidades Estadual de Londrina (UEL) e Estadual de Maringá (UEM); Sandra Maria Feliciano de Oliveira e Azevedo, professora titular no Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBCCF-UFRJ) e Rosa Miriam de Vasconcelos, cordenadora de Assuntos Regulatórios da Secretaria de Negócios da Embrapa.
Decisões ambientais melhores dependem também de conhecimento científico
Para Guilherme Oliveira, a relação entre biodiversidade e a agro-indústria é “indissociável”. O biólogo e pesquisador do Instituto Tecnológico Vale (ITV) tem estudado as propriedades e potencialidades da floresta dos Carajás, no sul do estado do Pará. “Muitos não sabem, mas a floresta dos Carajás já foi concebida para a exploração mineral”, contou Oliveira. O leste do Pará, que tem uma outra história, foi tomado principalmente por pastagens. Oliveira defendeu que o grande desafio é fazer a exploração de maneira sustentável e lembrou: “A falta de conhecimento sobre o ambiente e as técnicas é o que dificulta os stakeholders de tomarem decisões melhores para o meio ambiente”.
O trabalho de Oliveira consiste em fornecer informações sobre a flora e fauna da região. Seu grupo de pesquisa montou um banco de dados com base em análise taxonômica e visão molecular da flora dos Carajás, desenvolvendo marcadores genéticos. “Foram gerados marcadores moleculares [códigos de barra de DNA] para a flora de Carajás. Mesmo com a análise morfológica, é importante ter ferramentas rápidas e precisas para o levantamento de biodiversidade, explicou Oliveira. “Queremos também gerar assinaturas moleculares em cada ambiente. Para governo e indústria, é importante ter marcadores objetivos para acompanhar a conservação e exploração do ambiente”, contou. Mesmo com a análise morfológica, é importante ter uma referência de amostra da planta, para saber qual delas é de qual planta, como explicou Oliveira.
Diversidade no ambiente aquático
Para a bióloga Sandra Azevedo, o problema do tratamento de água no país não é visto com a seriedade que deveria. Ela lembrou que o aumento populacional não veio acompanhado de um planejamento de produção de alimento e abastecimento de água e que a situação se agravou com a “degradação avassaladora e planetária dos recursos hídricos, causando perda de biodiversidade e qualidade da água”.
A pesquisadora contou que, de todo o esgoto produzido no Brasil, apenas metade é recolhida e, desta metade, 50% é tratada. Estudando a cultura de cianobactérias em águas de reservatórios do país, Azevedo falou sobre o alto número de casos de doenças simples, causadas pelo contato com água contaminada. “Casos de diarreia, por exemplo, têm uma alta incidência em diversas regiões do país, mas não é possível contabilizar de forma exata, porque muitos não são notificados”, observou.
Para Sandra Azevedo, o estudo da biodiversidade em ambientes de águas sujas é essencial para o entendimento das possíveis doenças que esses organismos podem causar. “Falar de água é também falar de saúde pública, e é um desafio multidisciplinar e não só da academia”, defendeu a cientista. Sua pesquisa destaca ainda o impacto da construção de hidrelétricas na biodiversidade do ambiente aquático e como essas alterações acabam com espécies, estimulam o aparecimento de outras e afetam o equilíbrio daquele sistema, além de afetar a cultura das populações tradicionais.
Genética e indústria
O agrônomo Alexandre Nepomuceno vê na genética um campo promissor para a produção agrícola. Ele lembrou que o Brasil começa a ficar para trás na pesquisa de leitura genética e que países como China e Estados Unidos tem montado bancos de dados genéticos com grande potencial para produções futuras. “Hoje, o custo e a velocidade do sequenciamento genético caiu muito. Em cerca de quatro horas é possível fazer a sequência genética de uma pessoa e a política brasileira ainda investe pouco neste setor”, contou.
Para Nepomuceno, é essencial usar a biodiversidade local a favor da produção agrícola. Na Embrapa, os pesquisadores tentam usar as funções do gene para otimizar os produtos, com a ativação ou inativação de funções interessantes ou não para o alimento. “Nós fizemos isso com a maçã, por exemplo, desativando a função genética que faz com que ela oxide depois de aberta”, contou ele.
Levantamento de espécies com caracterísitcas distintivas
A advogada Rosa Miriam de Vasconcelos, que cuida de assuntos regulatórios na Embrapa, lembrou que, embora o novo marco de acesso à biodiversidade tenha entrado em vigor 2015, o debate foi iniciado em 2010.
A nova legislação será implementada por meio do Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado – SISGen, que será gerido pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – CGEN. Rosa Miriam destacou que, embora tenha havido significativas melhorias no processo, em comparação com a legislação anterior, alguns aspectos relacionados com a inclusão no escopo da nova lei das espécies introduzidas no país cria insegurança jurídica para o usuário, uma vez que, até o momento, não há definição do significado da expressão “ter adquirido características distintas próprias”, uma das exigências para a inclusão das espécies exóticas no escopo da Lei 13.123, de 2015. Ainda neste contexto, a advogada ressaltou a necessidade de compatibilizar a lista das espécies introduzidas no Brasil, preparada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) com a publicação do Jardim Botânico, em face de divergências já detectadas .
Outro aspecto que foi destacado pela advogada foi a necessidade de especial atenção nos casos de acesso ao conhecimento tradicional de origem não identificável. Neste particular, Rosa Miriam mencionou que ainda não está claro na legislação como o cientista poderá provar que não agiu de má fé ao cadastrar sua pesquisa como envolvendo acesso ao conhecimento de origem não identificável e, posteriormente, vir a ser identificado pelo CGEN que a origem do conhecimento poderia ser identificada se o pesquisador, por exemplo, tivesse acessado determinada base de dados ou lido determinado artigo, onde a origem do conhecimento tivesse sido mencionada.