Há mais de 50 anos estudando a biodiversidade da Amazônia, o professor da Universidade George Mason (EUA) viaja pelo mundo chamando atenção para a importância de se proteger este bioma. Presença frequente no Brasil, o autor de 720 publicações sobre diversidade biológica trabalha em parceria com pesquisadores brasileiros do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e do Instituto Evandro Chagas (IEC).
Convidado especial para a abertura do Simpósio Preparatório Brasil/França sobre Biodiversidade, promovido pela ABC, e realizado na terça-feira, 19 de setembro, no Museu do Amanhã (RJ), o pesquisador ressaltou, em conversa com jornalistas, que os governos esquecem o valor da ciência. Thomas Lovejoy afirmou ainda que os formuladores de políticas públicas para a agricultura brasileira precisam entender que ela também depende da Amazônia.
“Querem avançar com a agricultura na Amazônia, mas os próprios agricultores parecem desconhecer a importância dela para que se tenha chuvas nas regiões produtoras, como no Sul e Sudeste do país”, disse Lovejoy, destacando que a Amazônia precisa ser pensada como um sistema, onde solo, água, floresta, clima e animais estão interligados.
Mais de 300 pessoas entre pesquisadores, estudantes e interessados na temática da biodiversidade acompanharam a palestra do biólogo norte-americano, no auditório do Museu do Amanhã. A conferência de Lovejoy fez parte do Amazon Day, organizado pela Sustainable Development Solutions Network (SDSN), da Organização das Nações Unidas (ONU). A palestra foi acompanhada, remotamente, por grupos em Manaus (AM/BR), Nova Iorque (EUA), Leticia (Colômbia), Iquitos e Moyobamba (Peru) e Torrialba (Costa Rica).
O presidente da ABC Luiz Davidovich ressaltou que não haveria momento mais adequado para que Thomas Lovejoy viesse ao Brasil. “A Amazônia Legal abarca 59% do território nacional. É um tesouro fantástico que precisa ser estudado. A Amazônia tem que ser tratada com muito cuidado. A alternativa entre explorar a biodiversidade e explorar a mineração tem que ser balanceada. A Academia Brasileira de Ciências tem proposto a biodiversidade como plataforma para o futuro do país, por meio da exploração sustentável”, afirmou.
Lovejoy explicou à plateia que a Amazônia pode ser pensada como uma grande biblioteca natural, onde o acervo, isto é, as espécies de animais e plantas, ainda não foi completamente catalogado. “Toda vez que olhamos para um lado, uma espécie é descoberta. Em publicação recente, o WWF Brasil registrou novas espécies de macaco, sapo, pássaro, golfinho rosa e plantas”, contou o biólogo.
O pesquisador fez questão de destacar que não só a Amazônia precisa de atenção. Para ele, há uma séria falha de representação dos biomas da caatinga e do cerrado no mapa brasileiro de conservação. “Temos que pensar como podemos aumentar o grau de proteção nesses diferentes locais no Brasil”, alertou ele.
Lovejoy defendeu a importância do programa de conservação Probio, que, para ele, precisa de mais atenção e financiamento. “Em vez de ficarmos sentados esperando algo acontecer, temos que agir. Precisamos olhar áreas da Amazônia e do Brasil que nunca foram visitadas”, disse o pesquisador, que lembrou de uma bem-sucedida iniciativa, encabeçada pelo Inpa, na Serra da Mocidade. Lá, pesquisadores, com o apoio logístico do Exército, realizaram uma pesquisa de campo extensiva para mapear a biodiversidade local. “Esse é o tipo de ação que precisamos realizar e avançar muito mais”, frisou.
Amazônia X agricultura: a importância do equilíbrio pluvial
O biólogo contou que, no passado, não se sabia que a floresta tinha um efeito de regulação do clima no continente sul-americano. “Não havia conhecimento sobre o movimento de reciclagem do ar e da umidade do Atlântico aos Andes. Essa concepção quebrou paradigmas e nos permitiu enxergar como devemos lidar com a Amazônia. Ela precisa ser pensada como um sistema. A floresta não é simples consequência do clima, mas o atual equilíbrio do clima é moderado pela floresta”, destacou Lovejoy.
O especialista esclareceu que muita umidade que sai da Amazônia vai para São Paulo e o Sul do Brasil. Essa umidade atravessa uma distância muito grande, o que garante chuvas para os estados localizados nas extremidades do país. “Se o Brasil quer alcançar suas ambições agrícolas, a única maneira de fazer isso é protegendo o sistema da Amazônia. Caso contrário, não haverá como realizar agricultura em outras regiões do país. Não haverá biodiversidade que sobreviva a falta de chuvas”, alertou.
Lovejoy ressaltou ainda que as queimadas na Amazônia e a construção de estradas são os principais perigos para a proteção da região. “Qualquer novo incremento no desflorestamento tem que ser acompanhado de reflorestamento. Isso é muito fácil como teoria, mas a prática tem que acontecer”, afirmou. Para o pesquisador, os projetos de infraestrutura, como a construção de rodovias, devem pesar os impactos diretos e indiretos sobre a biodiversidade local, como a colonização espontânea que se dá às margens das estradas. “Em todos os lugares em que o homem ocupa, a vegetação natural fica fragmentada. Sabe-se hoje que quando se tem uma fragmentação, perde-se metade da biodiversidade local”, disse o pesquisador.
O biólogo apresentou uma interessante iniciativa desenvolvida em São Paulo: a construção de uma estrada aérea na rodovia dos Imigrantes, composta por elevados que, além de minimizarem a derrubada de árvores, evitam a geração de colonização espontânea, que é um outro fator de impacto à natureza. “Há formas criativas de desenvolvimento que respeitam mais a biodiversidade e o planeta”, observou Lovejoy.
O desafio do aquecimento global
De acordo com o biólogo norte-americano, muitas espécies na Amazônia e em outros biomas do mundo já vêm tendo seus ciclos de vida alterados em função da mudança climática. “Teremos uma quantidade maior de gás carbônico (CO2) na atmosfera se tudo for extraído e queimado. Isso não é uma boa ideia! Como o planeta vai estar com esse aumento de 1,5 graus Celsius? Será uma grande destruição do ecossistema que está aqui”, afirmou Lovejoy.
O palestrante afirmou que, por meio da ajuda da tecnologia de softwares, já é possível avaliar os impactos do aumento de concentração de CO2 na atmosfera. Segundo o pesquisador, que já realizou esses cálculos, se os cientistas puderem recuperar todo o ecossistema degradado do planeta, será possível termos uma recuperação de 0,4 graus Celsius na temperatura global. “Podemos operar os ecossistemas para que se evite o acúmulo de carbono e se aumente a fertilidade. Se pudermos trabalhar coletivamente, conseguimos alterar este quadro negativo. Este é um debate que passa pelo pensamento da permanência de vida na Terra”, alertou o biólogo.
O pesquisador lembrou que todos os problemas ambientais impactam a biodiversidade: o ciclo de nitrogênio global, o ciclo carbônico global, a mudança climática. Mas, no final de tudo, a perda da biodiversidade é a maior de todas. “E vocês têm aqui no Brasil a maior de todas elas. Eu diria que 15% da biodiversidade terrestre do mundo está na Amazônia”, enfatizou Lovejoy, mostrando o quanto é urgente o país proteger a região.
Para o biólogo, a maneira mais eficaz de fazer com que o desenvolvimento econômico no mundo seja sustentável é por meio da criação de um imposto para as emissões de carbono. “Quando se coloca um imposto, uma medida econômica, você encoraja o comportamento correto. Não significa que você tenha que aumentar impostos de todos, mas sim devolver essas receitas na forma de um fundo para a proteção da biodiversidade”, sugeriu ele.
“Qualquer economista que olhar para esse problema vai saber que essa é a melhor maneira de resolvê-lo”, acrescentou. “Se acharmos uma maneira de reverter as emissões de CO2 em benefício para a população podemos ter uma mudança séria e bastante rápida com relação ao aumento das emissões”, defendeu Lovejoy.
O pesquisador salientou, no entanto, que o imposto relativo às emissões de carbono, apenas, não resolveria esse desafio. Para ele, é preciso que haja uma série de leis, incentivos e penalizações. “Qual é o valor da natureza? A natureza não tem um valor reconhecido. Não estou falando apenas de leis, impostos e incentivos e, sim, sobre o conhecimento humano. O que pode ser feito para encorajar esse conhecimento? Que soluções podem ser oferecidas para que possamos valorizar a natureza?”, questionou o biólogo.
Para ilustrar, o palestrante contou que numa determinada área em Nova Iorque foi identificado que, com passar dos anos, a qualidade da água da região havia se deteriorado, em função do crescimento urbano. Foram sugeridos projetos de alto custo para reverter tal situação, até que alguém teve a ideia de iniciar um projeto de recuperação da vegetação das nascentes. “O projeto custou 10% do planejamento inicial para o tratamento de água. O que estava faltando era a consciência das pessoas a respeito de onde vinha aquela água que os abastecia. Tenho o sonho de chegar em Nova Iorque e perguntar a uma pessoa comum se ela já agradeceu a água que ela tem hoje, ou se ela já agradeceu a quem trata da água reutilizada”, afirmou Lovejoy, convocando a plateia a pensar mais sobre a natureza e a colocar os jovens em contato com ela.
“A educação é a principal ferramenta para a preservação da biodiversidade. Eu acho realmente importante que as pessoas tenham contato com a natureza desde bastante cedo. Isso foi perdido em parte com a tecnologia, porque temos os celulares na mão e deixamos que a tecnologia ocupe todo o espaço. É importante que os jovens tenham mais contato com a natureza e criem uma consciência da sua importância”, concluiu.
O Simpósio Preparatório Brasil/França sobre Biodiversidade é coordenado pelos Acadêmicos Adalberto Luis Val e Vivaldo Moura Neto (ao lado). O encontro visa promover o debate sobre temas de relevância na área da biodiversidade e que servirão de preparação para as discussões propostas para o Simpósio Brasil/França sobre Biodiversidade, previsto para acontecer no início de 2018.
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