A vontade de ensinar, aprender e se aventurar além dos muros da universidade é o que tem feito conceituados professores-pesquisadores se tornarem empreendedores. Sessões do Seminário Internacional de Promoção, Desenvolvimento, Apoio e Avaliação da Inovação, realizado em 28 e 29 de agosto por meio de uma parceria entre a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), trouxeram a visão de quem criou e lidera startups dentro de centros de pesquisa. Os palestrantes contaram um pouco sobre as aventuras e desventuras para inovar.
Ciência fora da universidade: mais impacto social
Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor de engenharia do Centro de Desenvolvimento e Pesquisa da Google no Brasil, localizado em Belo Horizonte, Berthier Ribeiro-Neto comandou a primeira rodada de debates, que contou com a presença dos Acadêmicos Nivio Ziviani, professor emérito do Departamento de Ciência da Computação da UFMG, e Edmundo Albuquerque de Souza e Silva, professor titular do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação da Coppe/UFRJ. Todos três criaram e lideraram projetos que se transformaram em empreendimentos, rompendo as barreiras da universidade.
Ribeiro-Neto lembrou que mais de 80% dos doutores estão dentro da academia e que, por causa das dificuldades e burocracia, muitos deles não se aventuram a empreender. “Tirar do campus a tecnologia produzida em laboratório e garantir ainda assim a participação da universidade é um desafio”, ressaltou. O palestrante destacou que nem sempre os professores-pesquisadores encontram conselheiros ou reitores sensíveis a pensar e lutar pela abertura de caminhos ou ferramentas comerciais dentro da universidade.
Na década de 90, seu laboratório tinha uma vantagem competitiva importante: a Google se interessou pelo projeto da equipe, vindo a tornar-se uma parceira da universidade. “Nossa paixão é desenvolver tecnologia dentro da universidade. Foquem no produto, na tecnologia. Tirar do campus essa tecnologia foi uma aventura, mas foi e é preciso. Isso dá ao seu trabalho a possibilidade de um impacto maior”, defendeu Ribeiro-Neto.
Inteligência artificial a serviço da sociedade
Presidente do Conselho de Tecnologia da Kunumi, empresa de inteligência artificial, sediada em Belo Horizonte, o Acadêmico Nivio Ziviani foi um dos pioneiros na tentativa de empreender dentro da universidade. Ele ajudou a criar o metabuscador Miner, que nasceu de uma dissertação de mestrado do então aluno Victor Ribeiro e foi vendido para o Grupo Folha de São Paulo em 1999.
Durante este período, Ziviani e os sócios da empresa procuraram negociar a participação da universidade no empreendimento, mas naquela época a burocracia da instituição contraposta à velocidade do negócio não permitiu às partes chegarem a um acordo antes da venda da companhia. Os sócios realizaram, então, uma doação de R$ 100 mil para a universidade, como forma de reconhecimento.
Com a experiência do Miner, Ziviani, Berthier Ribeiro-Neto, Alberto Laender e Ivan Moura Campos criaram em 2000 a empresa de soluções em tecnologia da informação Akwan. A FIR Capital entrou na sociedade, aportando recursos e viabilizando a criação da empresa. A Fundep, fundação da UFMG, também participou desde o primeiro momento. O empreendimento foi vendido para o Google em julho de 2005: os fundadores trocaram salário por participação societária e a UFMG recebeu parte dos recursos da negociação.
Com a ajuda de Ziviani, foi criada ainda a empresa da área de busca em e-commerce Neemu, em Manaus, uma spin-off da UFMG. A companhia chegou a alcançar uma fatia de 30% do mercado brasileiro de busca em e-commerce. Seu crescimento gerou interesse de empresários e então, em setembro de 2015, a Linx comprou a companhia.
Aos 71 anos, o professor Ziviani não quer parar. Ele agora está dedicado a fazer da Kunumi um outro grande exemplo de sucesso. A empresa usa o estado-da-arte em inteligência artificial para fazer previsões em negócios, saúde, cidades e até para desenvolver música.
Com o uso da tecnologia de inteligência artificial, a Kunumi desenvolveu uma nova composição do rapper Sabotage, morto em 2003, em colaboração com seus parceiros do RZO. Após análise das letras e dos manuscritos deixados pelo cantor, o sistema simulou possíveis versos que o rapper poderia ter escrito. O projeto foi articulado pela Kunumi em parceria com o Spotify e contou com a colaboração da família do artista, do produtor Tejo Damasceno e do grupo RZO.
“Mudar a sociedade através da inteligência artificial é o foco da Kunumi“, disse Ziviani. Usamos a tecnologia criada a partir do aprendizado de máquina (do inglês machine learning) para realizar gestão da saúde ao invés de gestão da doença, como é praticado hoje na área da medicina.”, contou o Acadêmico, que tem trabalhado com o Hospital Sírio Libanês no diagnóstico precoce de doenças.
Mentoria para o empreendedorismo
No Rio de Janeiro, mais precisamente na Coppe/UFRJ, o professor titular do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação e Acadêmico Edmundo Albuquerque de Souza e Silva também tem empreendido. Para o colega Berthier Ribeiro-Neto, Edmundo era antes visto como um pesquisador clássico: “Ninguém imaginava que ele se aventuraria a criar uma empresa”, brinca o professor da UFMG.
Mas é isso que Edmundo Souza e Silva tem feito em seu laboratório na Coppe. Ele contou à plateia que fundar e manter viva uma startup dentro do campus é bastante difícil, mas que o esforço compensa quando se vê os olhos dos estudantes brilhando com a perspectiva de que aquilo que o grupo criou vá para o mercado. “É recompensador ver o entusiasmo dos alunos não só ao redigir papers, mas também ao ver um produto ou tecnologia criados por eles trazendo benefícios para a sociedade”, disse.
Para Souza e Silva, é preciso preparar o estudante desde o início da graduação para empreender. “Ter um mentor para guiar os passos; contar com um suporte local da universidade, como o que temos na Coppe; e advogados preparados para orientar como apoios financeiros para uma startup podem ser realizados ou como uma patente pode ser tirada, por exemplo”, ressaltou o professor, que substituiu um palestrante: o diretor-executivo da Open Networking Foundation Guru Parulkar no debate. Parulkar não conseguiu viajar ao Brasil por causa de um furacão no Texas (EUA).
O pesquisador também lembrou a importância de se criar estratégias que orientem o crescimento e a independência da startup, fazendo com que a empresa não se torne apenas uma prestadora de serviço e se mantenha criativa e produtiva. “Quando se é pequeno, é preciso o tempo todo demonstrar como você dá conta do recado. A falta de credibilidade em produtos brasileiros é grande. Só se consegue ultrapassar essa barreira com estudantes de alta qualidade”, apontou Souza e Silva.
O Acadêmico contou à plateia que seu laboratório só obteve uma parceria com a empresa Intel porque havia um executivo brasileiro da companhia que apostou na startup. “Falamos com os engenheiros da Intel em igualdade de condições. Ter um mentor, alguém que acredite em você e te dê suporte financeiro, é fundamental. É importantíssimo que tenhamos dentro das agências de fomento agentes que acompanhem essas empresas pequenas desde o início do desenvolvimento do produto”, sugeriu Souza e Silva.
Apesar dos entraves e da burocracia para empreender dentro das universidades, os palestrantes disseram acreditar que é possível fazer inovação no Brasil. Para Berthier Ribeiro-Neto, a cena no país é bem mais favorável do que há 15 anos. “Se você for se lançar, não deve pensar nas dificuldades que vai ter. Tem que pensar em quão rápido você pode empreender. Lembro que em 1990 nós fizemos um plano de negócios e apresentamos ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que não concedeu o suporte com o argumento de que Internet não era negócio. As dificuldades não devem ser impeditivas”, recomendou Ribeiro-Neto. “Achamos que as coisas acontecem no Vale do Silício porque há um plano espetacular. Não, as coisas começaram a acontecer na década de 60 e de forma muito casuística”, afirmou.
Para Nivio Ziviani, quando se fala em dificuldades para se criar uma startup fica difícil apontar um único desafio. “A Controladoria Geral da União (CGU) diz que o professor não pode participar do consórcio, sendo que ele participou do processo de criação do produto. A gente quer construir e gerar riqueza, mas a legislação e a burocracia agarram”, desabafou ele, que contou que hoje a Kunumi emprega mais de 60 profissionais e já consegue viver da própria renda.
Diretor da Coppe/UFRJ, o engenheiro e Acadêmico Edson Hirokazu Watanabe concordou com Souza e Silva sobre a estrutura diferenciada da Coppe. “Temos um oásis lá”, disse Watanabe, reiterando conhecer que a burocracia em muito compromete o trabalho dos pesquisadores. “Sei que a burocracia vem da desconfiança, mas ela consegue acabar com a eficiência do sistema. Cerca de 30% do tempo de pesquisa dos cientistas é gasto com burocracia”, observou Watanabe.
Ziviani lembrou dos esforços para que os estudantes de mestrado e doutorado que atuam na indústria pudessem manter as bolsas de estudo. “Lutei muito junto ao CNPq e a Capes. As bolsas foram mantidas por um tempo, mas já cortaram novamente. Na Kunumi temos estudantes com mestrado e doutorado com bolsa. A empresa paga o aluno na forma de estágio. Os projetos desenvolvidos pelos cientistas resolvem problemas para a empresa com dados de mercado”, ressaltou o professor da UFMG, destacando a importância de se manter no setor produtivo mão de obra de alta qualificação.
Temos mantido a qualidade de nossos alunos?
Watanabe quis saber dos palestrantes se as nossas universidades estão formando estudantes de alta competência para se tornarem profissionais de excelência e também empreendedores. “Sem dúvida, a universidade brasileira na área de ciência da computação e engenharias produz pesquisas de altíssimo nível. Poderia estar em qualquer lugar do mundo, como no Vale do Silício. Mas, será que preparamos os alunos para empreender?”, questionou Watanabe.
Para Berthier, a formação dos engenheiros já foi melhor. “Há 12 anos tenho viajado pelo país em busca de profissionais e a minha resposta é não. A formação não está boa.”, afirmou ele, que teve o apoio do colega, Edmundo Souza e Silva. Segundo o Acadêmico, a média de bons alunos tem caído nos últimos anos. “Temos 10% de estudantes sensacionais, mas eles serão bons em qualquer lugar”, avaliou.
Secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o Acadêmico Alvaro Toubes Prata questionou os palestrantes e à plateia o porquê de o Brasil não conseguir transpor a barreira da burocracia. “Há duas maneiras de resolver isso. De forma institucional, como a ABC e a Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) têm feito. Ou, como o professor Nivio faz, entrando na floresta com o facão. Isto é, buscando um reitor que apoia a ideia. Não podemos é ficar no lado de fora da floresta esperando uma estrada ser construída, temos que tentar brigar nas duas frentes”, observou Prata.
Para o presidente da ABC, Luiz Davidovich, o Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei 13.243/2016), sancionado no início de 2016, poderia reduzir muitos os entraves apontados pelos palestrantes. “Há obstáculos no Brasil, impedimentos que vêm de uma compreensão equivocada do que deve ser o crescimento do país”, opinou Davidovich.
“A ABC e a SBPC têm gritado há anos. O marco regulatório não sai. O remanejamento de recursos da categoria capital para custeio está na Constituição, mas o Ministério do Planejamento não quer saber disso” queixou-se Davidovich. O texto, que ainda aguarda ser regulamentado pelo Governo Federal, prevê também que professores em regime de dedicação exclusiva desenvolvam pesquisas dentro de empresas e que laboratórios universitários sejam usados pela indústria para o desenvolvimento de novas tecnologias.
O presidente da ABC lembrou também a necessidade de se modernizar os currículos dos cursos universitários. “Há cursos de engenharia com 11 disciplinas por semestre. Produzimos na ABC documentos com propostas que não são revolucionários lá fora, apenas aqui. A educação básica também precisa prever o incentivo à criatividade. Ter disciplinas rígidas não gera inovação. Sem algum tipo de flexibilidade e liberdade fica difícil irmos para frente”, afirmou o professor.
Diretor-executivo da Open Networking Foundation (ONF) e professor-consultor de
engenharia elétrica na Universidade de Stanford (EUA), Guru Parulkar há 25 anos atua no campo da computação. Em Stanford, ele ajudou a criar os programas OpenFlow/Software-Defined Networking, Programmable Open Mobile Internet 2020 e o Laboratório Experimental de Data Center.
Impedido de vir ao Brasil em função do furacão que atingiu o Texas (EUA), ele participou brevemente do simpósio, por meio de transmissão em tempo real. Parulkar mostrou à plateia que na Universidade de Stanford o empreendedorismo está no ar. “Contamos com um complexo ecossistema, com uma longa história e muitos estudos, que ajuda os alunos a serem empreendedores”, resumiu ele. “Aqui, os estudantes são motivados a produzir ideias que gerem impacto real. Isto é, que possam transformar a indústria, a sociedade e as universidades”, acrescentou ele, contando que, em Stanford, empreendedores, cinetistas talentosos, fundos de risco e a indústria são colocados para trabalhar lado a lado. “É importante ter em mente que os estudantes são os criadores da visão da tecnologia e da inovação. São eles que têm a paixão e a convicção para dirigir suas visões e criações para o sucesso. É realmente importante para eles se tornarem empreendedores”, destacou o professor.
Avaliação de impacto dos programas e retorno de investimentos em pesquisa
Após discutirem sobre as aventuras e desventuras de empreender, o público do Simpósio ABC-Finep teve a oportunidade de conhecer alguns resultados do programa de apoio a pequenas empresas conduzido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Diretor Científico da fundação, o Acadêmico Carlos Henrique Brito Cruz explicou que embora a avaliação de um projeto seja um processo demorado, a fundação de fomento precisa obter resultados rápidos. Por isso, segundo ele, a Fapesp usa indicadores que ajudam a tomar decisões em curto prazo.
Segundo Cruz, no mundo inteiro a avaliação de impacto se tornou relevante apenas a partir dos últimos dez anos. Seguindo o modelo internacional, a Fapesp avalia os projetos em três dimensões: o impacto social, econômico e intelectual. “Não aceitamos negociar muito na direção do impacto intelectual, pois o que queremos é apoiar pesquisas que avancem no conhecimento. Se o projeto puder englobar essas três dimensões é perfeito”, disse ele.
Para avaliar como as pequenas empresas têm respondido ao apoio proporcionado pela Fapesp, Brito Cruz testou o Programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), por meio da aplicação de um questionário aos beneficiários. Os resultados foram então cruzados com números do Programa de Pesquisa para Inovação de Pequenas Empresas (Small Business Innovation Research Program – SBIR), da National Science Foundation, agência norte-americana que promove a pesquisa e a educação. A avaliação apontou que o Brasil tem resultados bastante similares aos dos Estados Unidos, o que revela que estamos no caminho certo.
Em São Paulo, 29% dos projetos de pequenas empresas apoiadas pela Fapesp geraram patentes. Nos EUA, esse percentual é de 30%. Quando perguntaram às empresas se elas fariam o projeto sem o apoio governamental, metade disse que sim no Brasil e já nos EUA foram 2/3. Em São Paulo, 12% das empresas foram criadas para receber o financiamento. Nos EUA, o percentual chega a 20%. A diferença é explicada por Brito Cruz como sendo uma característica peculiar do programa de financiamento norte-americano. “Lá, o edital de apoio induz a criação de empresas”, esclareceu ele.
Do ponto de vista do retorno econômico, fazendo a conta do imposto que a empresa paga quando inicia o projeto e o que ela gera, o diretor científico da Fapesp demonstrou que a cada R$ 1 que a fundação paulista põe no programa, a empresa gasta R$ 0,80 e é gerado um faturamento de R$ 11. “Considerando o faturamento e os investimentos realizados pela Fapesp e por outras fontes, o PIPE tem se mostrado não só de alto retorno, como de retorno crescente”, ressaltou Brito Cruz.
O diretor científico da Fapesp afirmou ainda que o PIPE trouxe um expressivo impacto no nível de emprego, com o aumento de 40% na massa de recursos humanos, além da expansão de 60% das pessoas com nível superior e de 90% do pessoal com pós-graduação. “Esses dados revelam que por meio do programa de apoio houve um incentivo para a entrada de pós-graduandos na empresa, com o objetivo de desenvolver pesquisa”, frisou.
Segundo Brito Cruz, o estudo estatístico sobre o PIPE mostrou ainda que este tem sido um programa voltado a financiar empresas de pequeno porte, com média de seis anos de vida e de base tecnológica. Todas contam com departamento de P&D interno, dedicado a fomentar o desenvolvimento de novos produtos, processos e softwares.
“Cerca de 60% dos projetos alcançaram inovações”, destacou ele. Quanto à taxa de mortalidade das empresas PIPE após o termino do projeto, o percentual é de apenas 8%. “Muito abaixo dos 70% apontados pelo Sebrae para a Empresa Brasileira de Treinamento e Simulação [EBTS]”, frisou Brito Cruz.
Transparência e responsabilidade com o dinheiro público
Especialista sênior na Divisão de Competição e Inovação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Gustavo Crespi encerrou o encontro lembrando que a avaliação de impacto é uma poderosa ferramenta de políticas públicas para medir a transparência e a responsabilidade para com os custos e investimentos. “Ao avaliarmos o impacto dos programas, passamos a adotar desenhos de políticas que direcionam melhor a alocação dos recursos públicos, que são sempre escassos. Avaliando, aprende-se mais”, destacou ele.
Para Crespi, as ferramentas de prestação de contas são bastante poderosas e importantes para dar suporte às políticas de apoio à pesquisa e ao desenvolvimento dos países. Segundo o executivo, a relação entre apoio à inovação e produtividade nem sempre é fácil de ser visualizada, isto porque os resultados dependem de diversas variáveis, entre elas o tempo de análise. “Para se identificar qualquer impacto de políticas e programas de apoio é preciso esperar pelo menos três anos”, recomendou ele.