dsc04659.jpgDo Paraná ao extremo norte de Mato Grosso, o café sempre mobilizou a família de José Júlio de Toledo. Filho e neto de agricultores, ele cresceu entre banhos de cachoeira, pesca de lambaris no rio limpo que corria no fundo da propriedade e brincadeiras na lavoura. Hoje professor da Universidade Federal do Amapá (Unifap), José teve uma infância de dedicação aos estudos e empenho nas tarefas domésticas e rurais, ajudando os pais. “Atravessava mais ou menos 5 km a pé todos dias às seis da manhã em meio às pastagens, cafezais e plantações de eucalipto, muitas vezes debaixo de chuva ou no vento frio das geadas, para estudar”, diz José, que fez todo o ensino básico em escolas públicas.
Biólogo de formação, especializado em ecologia, ele conta que o fascínio pelos peixes, desenvolvido nas pescarias com o pai, tios e avô, o influenciou a estudar biologia na Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), onde concluiu a graduação. Já o triste contato com o desmatamento na região onde vivia, quando cursava o ensino médio numa escola rural noturna, o incentivou a seguir com os estudos sobre ecologia florestal e conservação da biodiversidade. “Foram três anos de uma vida muito rígida, trabalhando o dia todo no pesado, das 6h da manhã às 5h da tarde”, contou José Júlio. À noite, ia para a estrada esperar o ônibus da escola. “Rodando parte na poeira e parte na lama, o ônibus seguia por uma estrada cujo tráfego principal era de caminhões de madeireiros que traziam imensas toras advindas do desmatamento, que varreu as florestas daquela região em menos de 30 anos”, lembra o pesquisador.
Quando trabalhava na lavoura, José Júlio adquiriu o fascínio pela diversidade de plantas que brotavam nos roçados. “Muitas delas eram colhidas por minha mãe e a irmã dela, para utilizar como remédios na forma de chás e tinturas”, conta. Um programa local, incentivado pela igreja católica e que envolvia muitos membros da comunidade e a universidade, incentivou o cultivo, estudo e uso de plantas medicinais para tratamento de diversas doenças. “Nesse contexto, estudei muito sobre o uso de plantas medicinais. Identificava muitas das espécies em campo e conhecia vários usos. Essa vivência contribuiu para que eu me interessasse também pela botânica e pelo uso da biodiversidade em prol de uma vida mais saudável”, diz o professor da Unifap.
Atualmente, Toledo coordena estudos ligados ao Programa de Pesquisas em Biodiversidade (PPBio) – criado em 2004 pelo então Ministério da Ciência e Tecnologia e com abrangência nacional –, que busca quantificar e entender a distribuição da biodiversidade e dos processos ecossistêmicos (absorção de carbono, acumulação de biomassa, mortalidade de árvores) na Amazônia e outros biomas. “Estou envolvido, principalmente, em estudos nos ecossistemas presentes nos estados amazônicos do Amapá (extremo nordeste) e Roraima (extremo norte), todos eles em áreas de coletas do PPBio”, conta.
Segundo o pesquisador, o estado do Amapá tem características especiais no tocante à conservação, pois cerca de 70% de sua área é ocupada por unidades de conservação e terras indígenas. O estado abriga ecossistemas dinâmicos e alta diversidade de espécies, com florestas exuberantes de árvores gigantes e uma grande área de savana amazônica. “Nessas florestas, juntamente com meus estudantes e colegas pesquisadores, procuro entender a distribuição da biomassa, ou seja, o material vivo, na paisagem. Estes estudos são úteis para os gestores de áreas protegidas e o poder público, de modo geral, criarem estratégias de conservação e de uso sustentável dos recursos”, aponta.
Como membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o biólogo deseja enfrentar novos desafios, no âmbito das grandes discussões sobre a ciência no Brasil. “Espero nestes anos produzir e buscar meios para fazer ciência de qualidade e aumentar a produtividade, além de propor soluções inovadoras que contribuam para estimular os jovens. Acho que nós devemos ser criativos e trabalharmos de forma cada vez mais independente, sem nos limitarmos devido às intempéries da realidade atual”, ressalta.