Igualdade de gênero na ciência leva a uma ciência melhor. A constatação foi feita pelo comissário para Pesquisa, Ciência e Inovação da Comissão Europeia, Carlos Moedas e trazida por Alice Abreu, socióloga e diretora da GenderInSITE, instituição internacional que trabalha pela inserção de mulheres na ciência, tecnologia e inovação, durante mesa que debateu a presença das mulheres no meio científico na 69ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A conversa foi enriquecida pela presença da física e diretora da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Márcia Barbosa, e da socióloga e ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci.
abreu.jpg A discussão sobre a presença de mulheres no universo acadêmico teve início em 1995, no Congresso das Mulheres, em Benjim, como lembrou Alice Abreu. Para ela, a necessidade de se inserir nesse meio é uma questão não só de direito das mulheres, mas também de benefícios econômicos e sociais. “Se metade da população não está envolvida no processo, o país perde. Quando há mais cabeças pensando de formas diferentes, temos resultados melhores”, disse a socióloga.
Para explicar como se configura a realidade das mulheres nesse meio e como é possível mudá-la, Abreu usou conceito apresentado pela diretora do programa Gendered Innovations in Science, Medicine, Engineering, and Environment, Londa Schiebinger. Para ela, é necessário trabalhar em três esferas: números, instituições e conhecimento. Por números, Schiebinger entende os indicadores da presença de mulheres na pesquisa. A falta de indicação de gênero em publicações acadêmicas dificulta a argumentação, segundo Abreu, e por iss projetos que buscam estabelecer estes dados começam a aparecer. Um exemplo é o SAGA, criado pela Unesco, mostrando a realidade da mulher no cenário científico ou o relatório da editora Elsevier “Gender in the Global Research Landscape”. Estes números mostram que o Brasil é um dos três primeiros países do mundo com mulheres sendo maioria nas universidades, no número de doutores e em quase todas as bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológica (CNPq), exceto em bolsas de pesquisa. Abreu relacionou isso ao fato de que essas bolsas são escolhidas por uma comissão gestora e não por indicação de professores. “Falta representatividade feminina nos cargos de gestão”, concluiu, justificando o dado.
Em relação às instituições, a socióloga afirmou que é necessário que a estrutura das universidades se adapte para mudar o quadro de desigualdade de gênero dentro delas. A União Europeia é pioneira em ações do tipo e financiou diversos projetos com este intuito. Entre eles citou os programas Egera, Cheer, Advance, Garcia e Athena Swan.
Abreu concluiu mencionando que o conhecimento científico vem se alterando ao longo dos anos, absorvendo novos atores e cada vez mais valorizando a transdisciplinaridade. “No relatório da Elsevier é possível ver que, embora os homens sejam maioria em artigos multinacionais, as mulheres estão em maior número na autoria de publicações interdisciplinares, mostrando que elas já absorveram essa tendência na ciência”, finalizou.
A diretora da ABC Marcia Barbosa concordou com a afirmação inicial de Abreu e completou: “Eu quero muito ver mais mulheres na física, porque teremos uma física melhor assim.” A Acadêmica afirmou que as universidades com melhor desempenho no mundo são as mesmas que apresentam maior diversidade e que é essencial que o meio científico se dê conta deste fator. Barbosa mostrou dados que revelam a falta de mulheres nas chamadas ciências duras, como física e engenharia e em posições de gestão. A física atribuiu o fato ao chamado “efeito tesoura”, popularizado na Europa e que define o gargalo que existe na carreira das mulheres que as fazem abandonarem a pesquisa à medida que avançam na hierarquia de cargos. Ela ligou esse fenômeno à serie de reproduções de preconceitos e estereótipos aos quais as mulheres estão expostas e que as desestimula a continuar. “Eu chamo de efeito beliscão. Aqueles pequenos comentários do dia-a-dia que parecem pequenos, mas que, juntos, nos levam a querer desistir”, explicou. Para Barbosa, é necessário que se deixe de lado o receio com as ações afirmativas e que se tome medidas do tipo para aumentar o número de mulheres nas áreas de gestão levando, assim, a uma equidade de gênero na ciência.
menecucci_lateral-9536b.jpg A ex-ministra Eleonora Menecutti fez um acalorado discurso, lembrando de sua própria trajetória política e pessoal e como se envolveu com o feminismo e a necessidade de lutar pelo direito das mulheres. Citou a escritora francesa Simone de Beauvoir ao comentar que, em momentos de crise, as mulheres são as que mais sofrem e têm seus direitos retirados e que é necessário se mobilizar para não permitir que isso aconteça. Relatou ter conhecido, como ministra, diversas mulheres que conjugavam tarefas domésticas, emprego e o cuidado com a família, da qual eram as únicas gestoras e que seu trabalho foi voltado para trazer benefícios para a vida destas mulheres. Reforçou ainda a necessidade de se ter mulheres ocupando os espaços que são majoritariamente masculinos e afirmou: “O espaço de fala para as mulheres é fundamental.”