“Na era do conhecimento, a economia deveria ser estruturada parar girar em torno do conhecimento. No Brasil, a produção cientifica é considerada como gasto, porque se traduz em importação e não em estímulo à produção de pesquisa nacional”. A análise é do físico e membro titular da ABC, Ado Jório de Vasconcelos. Ele proferiu palestra na manhã de quarta-feira, 19 de julho, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), como parte das atividades da 69ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC).
Em uma sala repleta de pesquisadores seniores e iniciantes, Ado expôs cálculos de como a política para ciência e tecnologia vigente no Brasil tem sido negativa para a própria economia nacional. Segundo o físico, a cada R$ 22 milhões gastos na importação de microscópios eletrônicos de ponta, apenas R$ 3 milhões retornam para o país na forma de impostos, o que gera na economia um impacto de R$ 4,7 milhões. Mas, se tudo fosse produzido no Brasil, não seriam necessários os R$ 22 milhões e sim R$ 6 milhões. A quantia seria usada, segundo o professor da UFMG, para a compra de equipamentos necessários para que uma empresa especializada, com engenheiros nacionais, realizasse a montagem. O impacto gerado na economia, neste caso, seria da ordem de R$ 11 milhões. “Se houvesse uma empresa nacional que produzisse espectrômetro, por exemplo, faria a economia nacional girar”, apontou Jório.
Falta vontade política e sobram cientistas qualificados para realizar tal missão, na visão do Acadêmico. Para ele, o Brasil montou um time de pesquisadores aptos a criar uma estrutura para manter conhecimento cientifico em nanotecnologia no país graças à cooperação internacional. “No atual momento estamos sendo governados por pessoas que acham que tecnologia não se desenvolve, se compra. E isso é um problema”, defendeu o pesquisador.
De acordo com Jório, as parcerias internacionais com transferência de tecnologia foram fundamentais para o desenvolvimento e a independência da ciência nacional, no que tange à nanociência. Na primeira década do ano 2000, por meio do apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), foram realizadas visitas científicas à Alemanha, Estados Unidos e Suíça. Lá, os pesquisadores brasileiros aprenderam a reproduzir os métodos utilizados pelos cientistas de importantes centros de nanotecnologia.
Hoje, o país conta com uma rede de pesquisa em microscopia de varredura por sonda e com uma outra, de pesquisa e instrumentação em nanoespectroscopia ótica. Os especialistas estão distribuídos em centros de pesquisa de excelência em todas as regiões do país, atuando seja de forma fixa ou por meio de parcerias. Entre as instituições estão o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), a Universidade Federal de Roraima (UFRR), a Universidade Federal do Ceará (UFC), a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a UFMG, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
“É um desenvolvimento que envolve a mecânica, a eletrônica, a ótica, a parte de softwares e a nanofabricação. Junto com o desenvolvimento da tecnologia, há o desenvolvimento de sua aplicação também”, ressaltou o Acadêmico.
Segundo Jório, uma das grandes e novas promessas na área da nanociência hoje em dia é o grafeno. A Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) está financiando um projeto para agregar valor ao grafite, desenvolvendo, assim, o grafeno. “A IBM também já nos procurou”, destacou o Acadêmico, referindo-se à parceria em estudos de nanotecnologia para o setor de petróleo e gás. A companhia americana do ramo de informática quer desenvolver modelos para extrair líquidos do solo de forma fácil. “Eles estão interessados em nanointerações de gota, visando à prospecção de petróleo”, explicou o pesquisador.
Diante de um cenário bastante promissor, qual é o posicionamento do Brasil nesse desenvolvimento? Para o Acadêmico, o país tem evoluído, mais em produção científica e não tão bem em patentes. “Podemos fazer cosméticos, mas nanocomputadores já é complicado”, resumiu ele, que considera que o Brasil deve se posicionar de forma autônoma nessa nova corrida cientifica. “O país tem que adquirir a capacidade de gerar sua própria instrumentação e sua própria agenda cientifica. Não podemos ficar apenas seguindo as agendas externas”, defendeu.
Sobre o palestrante
Professor titular no Departamento de Física da UFMG, Ado Jório trabalha com pesquisa e desenvolvimento de instrumentação científica em óptica para o estudo de nanoestruturas com aplicações em novos materiais e biomedicina. Em sua carreira científica, recebeu os prêmios Somiya Award da International Union of Materials Reserach Societies (2009), Scopus Brasil da Elsevier & CAPES (2009), ICTP Prize (2012), Georg Forster Research Award da Humboldt Foundation (2015) e a Medalha da Inconfidência do governo do Estado de Minas Gerais (2016). Em 2016 foi incluído na lista dos “Highly Cited Researchers” da Thomson Reuters.