Como a Amazônia interfere no clima, qual é composição dos gases que circulam por lá e como se comporta o ciclo de nuvens na região? Esses são alguns dos mistérios que os 99 cientistas brasileiros e 88 estrangeiros procuram desvendar com a ajuda dos dados fornecidos pela maior torre de observação climática já construída: o Observatório de Torre Alta da Amazônia (ATTO – Amazonian Tall Tower Observatory- na sigla em inglês).
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A 150 km de Manaus e com 325 metros de altura, a torre tem capacidade para cobrir uma área de influência de 1.000 km2 e já gerou 52 artigos, publicados em revistas de alto impacto, com fator acima de 5. Concluído em 2015, o projeto foi viabilizado por meio de uma parceria entre Brasil e Alemanha. A intenção é que a torre seja um laboratório de estudos de longo prazo, utilizado para compreender melhor a relação entre a floresta amazônica e a atmosfera, bem como captar as transformações do ecossistema da região.
adalberto-val-foto-foca_lisboa-ufmg.jpgPrevista para ter início ainda neste ano, a nova fase do ATTO já conta com o apoio do governo alemão. Segundo o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o Acadêmico Adalberto Luis Val, serão investidos 6 milhões de euros nos próximos três anos. “Ainda não temos informações sobre uma contrapartida do lado brasileiro para início de 2018. A comunidade científica precisa ser ouvida para que se toque o projeto, que é resultado de uma cooperação internacional”, defendeu Val durante a 69ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte.
O Acadêmico apresentou o projeto do ATTO durante conferência realizada na tarde de terça-feira, 18 de julho. Val antecipou à plateia que a cooperação científica com a Alemanha será reiniciada em 2018. Um workshop está previsto para acontecer ainda este ano, com o objetivo de direcionar as ações do trabalho cientifico nos próximos três anos.
Pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Luciana Varanda Rizzo é uma das cientistas que têm se debruçado sobre os dados coletados pela Torre Atto. Ela se dedica a estudar as medidas de fluxo de carbono, de aerossóis, gases traços e as propriedades da vegetação da região. “A Amazônia tem uma atmosfera bastante peculiar. Isso porque ela ainda tem características da era pré-industrial em plena zona continental”, disse Luciana Rizzo.
Segundo a pesquisadora, a atmosfera local ainda é bastante limpa por estar cercada pela floresta e receber quase nenhuma influência de poluentes emitidos pela atividade humana. “Precisamos conhecer essa região, com pouca interferência, para termos a base da magnitude dessa interferência ao longo do tempo”, ressaltou.
Ao compartilhar um pouco de suas descobertas com a plateia, Luciana contou que na Amazônia também há formação de ozônio, porém em baixa quantidade. Segundo a pesquisadora, as características das partículas do solo da região impactam tanto nas propriedades das nuvens como na na formação de gotículas de chuva. Além disso, as emissões de gases na Amazônia têm impacto na química atmosférica global. “Como está na região tropical, a floresta tem forte ação convectiva. Logo, o que é emitido na Amazônia é facilmente transportado, influenciando todo o globo”, disse a pesquisadora, ressaltando a importância dos estudos e da proteção da região contra a ação predatória do homem.
Este é, inclusive, um dos objetos de pesquisa de Luciana. Ela analisa a Amazônia em transformação, o que engloba a forte pressão do desmatamento, a conversão de áreas de floresta em áreas agrícolas e a pressão da urbanização. “Se nada for feito, as emissões urbanas vão se combinar com as emissões biogênicas, que podem gerar poluidores secundários. Logo, a condição natural de interação entre biosfera e atmosfera vai ser perturbada. Poderemos ter pressões sobre o ecossistema, impactos nas chuvas, no clima regional, na qualidade do ar, na biodiversidade e na fixação de gás carbônico pela floresta”, alertou a pesquisadora.
carlos-afonso-nobre-foto-foca-lisboa-ufmg.jpgMembro titular da ABC, o pesquisador aposentado do Inpe Carlos Nobre ressaltou a importância da contribuição internacional para a consolidação da capacidade cientifica na e da Amazônia. “Pelos resultados de Luciana, sabemos que o conhecimento mundial está crescendo exponencialmente. Mas meu interesse é saber se os países em desenvolvimento estão se apropriando desse conhecimento produzido na Amazônia”, destacou o Acadêmico.
Nobre avalia que, assim como no modelo de desenvolvimento alemão usado para reerguer a Alemanha oriental após a reunificação, é fundamental fixar pesquisadores na região amazônica. Ele citou o exemplo do Instituto Max Planck de Bioquímica, em Jena, que fica no antigo território oriental alemão. “Foram criados depois da reunificação e hoje fazem pesquisa de ponta e são parceiros importantes do Brasil”, citou.
Segundo o pesquisador, assim como no modelo alemão, os profissionais que devem ser fixados na Amazônia precisam ser de altíssimo gabarito, com perspectiva de carreira e vida por lá. Um outro elemento fundamental para Nobre é que esses pesquisadores sejam elementos de ligação com a ciência produzida em todo o país e internacionalmente. “Precisamos disseminar esses laboratório em toda a Amazônia. Não há uma única Amazônia, são várias. E precisam ser estudadas por grupos multi, inter e transdisciplinares de pesquisadores, que busquem compreender o funcionamento sistêmico da Amazônia”, destacou.
A atração de pesquisadores de excelência internacional para estágios prolongados foi outra sugestão apontada por Nobre, a fim de tornar a região Amazônica um polo de produção científica. “É muito difícil, mas temos que desenvolver essa capacidade. O ATTO está associado a programas de pós-graduação da região, mas é preciso associá-la a outras regiões, dentro e fora do Brasil. É preciso transformá-la e um laboratório que possa trazer jovens com novas ideias e novos desafios. Esta é uma vitalidade importante”, ressaltou.
Para Nobre, é preciso que seja pensada também uma parceria com laboratórios avançados do Brasil e do exterior, tanto para a formação de doutores e pós-doutores, quanto para a realização de estágio sênior de pesquisadores da Amazônia. “É preciso que seja criada uma infraestrutura que leve pesquisadores da Amazônia à liderança em trabalhos científicos. Ou ainda, que seja estabelecida uma meta a ser atingida, que preveja a liderança de pesquisadores locais em trabalhos científicos nos próximos 15 anos”, disse.
A geração do conhecimento tem que ser também local. Não há como fugir disso”, acrescentou o Acadêmico, que lembrou ainda a importância de se formar uma equipe técnica na região, com habilidades em desenho e implementação de sistemas de informação, ou seja, pessoal capacitado a manejar o grande volume de informação produzido pela torre.
torre_atto_edit.jpgPara que todo esse plano de desenvolvimento científico regional e nacional siga o caminho do sucesso, é preciso uma ferramenta básica: garantir o apoio institucional de longo prazo. “Para consolidar uma atividade como essa, é preciso no mínimo um apoio permanente de 10 a 15 anos, que assegure a eficácia e a continuidade de funcionamento instrumental do laboratório para sua plena consolidação”, defendeu Nobre.
“A marca do ATTO é do IMPA e isso precisa ser construído, por meio da apropriação de dados e de produção científica. É um legado que precisa ser construído lá, na Amazônia, a fim de que o resultado permaneça e propulsione a ciência amazônica”, finalizou o membro titular da ABC.
Para encerrar o encontro, Adalberto Val convocou a todos, cientistas e público, para que atuem no sentido de tornar a ciência uma atividade social. “Os cientistas precisam conversar entre si e com a sociedade. Precisamos insistir nisso. Mudar a educação e trabalhar para que a ciência seja de fato uma atividade com fins sociais”, afirmou Val. “Digo isso pois tivemos recentemente a extinção do Ministério da Cultura e da Ciência e Tecnologia. Semanas depois, o da Cultura foi retomado, mas o da Ciência, não. Por quê? Porque a sociedade não vai para o laboratório, já a cultura está em nosso dia a dia. Devemos externalizar para a sociedade brasileira a importância da ciência brasileira. Do contrário, não vamos avançar. Será uma interlocução entre nós mesmos”, opinou o Acadêmico.