cortes_2_edit.jpgA Casa da Ciência, espaço de educação não-formal e de popularização da ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), localizado em Botafogo, na Zona Sul do Rio, transformou-se na noite de 22 de junho em palco de luta em defesa das universidades e institutos de pesquisa brasileiros. Cientistas, professores e estudantes se reuniram para lançar a campanha “Conhecimento sem cortes”, um movimento que visa compreender os impactos da redução de recursos à ciência e à educação já realizados pelo governo e ampliar a mobilização social em defesa da ciência brasileira. No encontro, também foi lançado o “tesourômetro do conhecimento”, um medidor instalado no campus Praia Vermelha da UFRJ e que mostra o quanto de investimentos em institutos de ensino e pesquisa já foi cortado desde 2015: cerca de R$ 11 bilhões.
A reunião contou com a presença da presidente da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader; do vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional da Fiocruz, Mario Santos Moreira; do diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Jerson Lima; do reitor da UFRJ, Roberto Leher; do ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães; e do ex-presidente da Fiocruz, Carlos Gadelha. Promovida em conjunto pela Associação dos Docentes da UFRJ (Adufrj-SSind), pela Associação de Professores da Universidade Federal de Minas Gerais (Apubh), pela Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (Adunb) e pelo Sindicato do Instituto Federal do Rio de Janeiro (Sintifrj), a mobilização teve ainda o apoio de sindicatos dos profissionais de institutos de pesquisa do Rio de Janeiro e de diversas instituições de ciência do Brasil, entre elas a SBPC.
Repórter de ciência do jornal Estado de São Paulo, Herton Escobar foi o mestre de cerimônias do encontro. A reunião foi iniciada pela fala da presidente da Adufrj-Ssind, Tatiana Roque. Ela ressaltou que a ideia da campanha é mostrar à sociedade como os cortes da ciência estão afetando os cidadãos e levar uma petição pública contra as reduções nos investimentos até o Congresso Nacional. “São meio milhão de reais por hora que perdemos em investimentos em ciência e tecnologia”, disse Tatiana.
“Precisamos melhorar a comunicação com a sociedade para termos o apoio dela à nossa causa. Sabemos que a universidade e a pesquisa têm um papel estratégico em nossa sociedade. O que esta em jogo hoje no Brasil é uma mudança de modelo de investimento na pesquisa e no ensino”, afirmou.
helena_2.jpgPresidente da SBPC, a Acadêmica Helena Nader citou os dados de um estudo divulgado no mesmo dia, na sede da ABC, e que mostra como a ciência feita por mulheres no Brasil avançou. O relatório “Gender in the Global Research Landscape“, elaborado pela editora Elsevier, traz um panorama do desempenho da pesquisa e representação de gênero ao longo de 20 anos, em 12 países ou regiões geográficas e 27 disciplinas.
“O Brasil hoje é o quarto país com mais produções femininas em ciência. Eu preferia estar aqui celebrando nossas vitórias, mas, infelizmente, o corte de R$ 44 bilhões e mais os recursos já contingenciados vão interromper o nosso progresso, uma interrupção que para a ciência será irreversível”, disse Helena.
Segundo a presidente da SBPC, é preciso que a academia transmita para a sociedade como a ciência influencia o bem-estar dos cidadãos. “Temos que explicar como esses cortes estão impactando na vida das pessoas. Como as interrupções em pesquisas com doenças negligenciadas. Somos líderes em estudos na área de hanseníase. Sem investimentos, quem vai continuar investigando a doença? Os Estados Unidos ou a Europa? Não. Esse é um problema que nos acomete apenas e não a eles”, criticou Helena, que em seguida apresentou um outro exemplo de como a ciência é fundamental para o desenvolvimento do país e para a qualidade de vida dos cidadãos.
“O Brasil é hoje o maior produtor de alimentos graças à ciência. Vai haver um impacto no abastecimento de alimentos aqui e também naquilo que exportamos para o mundo”, disse. Helena ressaltou ainda que a ciência e a educação continuam sendo vistas pelos políticos e legisladores como gastos públicos. “Isso é o que mais me indigna. Quando se vê a PEC 55/2016, o nome dela é PEC dos gastos públicos. Enquanto continuarmos sendo vistos como gastos, não vamos avançar. Isso é muito grave”, concluiu.
Reitor da UFRJ, Roberto Leher também falou à plateia. Em seu discurso, ele disse acreditar que não faltam à ciência brasileira “esclarecimentos iluministas” aos políticos. Para ele, os cortes no orçamento da ciência e da educação fazem parte de um projeto político. “Não estamos assistindo a um déficit de conhecimento da importância da ciência no Brasil e, sim, a um projeto que está sendo tocado no país de forma orgânica”, disse.
cortes_1_edit.jpg“Temos que estar mais juntos com as instituições de ciência e tecnologia para barrar esse movimento. É preciso ousadia para forjar ações de luta”, acrescentou Leher. Vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional da Fiocruz, Mario Santos Moreira reforçou o ponto de vista do reitor da UFRJ.
Para ele, o Brasil vive um projeto político conservador político, que tem conseguido aprovar medidas que pensam a ciência como gasto e não como um investimento que está em linha com o desenvolvimento econômico e social do país. “Esperamos anos mais difíceis, pois a PEC 55/2016 começará a ter efetividade. Iniciaremos já 2018 com déficit de anos anteriores”, disse.
Segundo Moreira, o posicionamento do governo se mostra incoerente, já que autoriza cortes nos investimentos em ciência num momento crítico do país, em que se vive um quadro sanitário complicadíssimo. “Tudo isso impacta bastante na população. Sem falar das doenças tropicais que vão exigir mais pesquisas. Todo esse quadro denota a necessidade de ciência e de plataformas tecnológicas mais avançadas. Assistimos à interrupção de projetos que não se recuperam com o tempo. O que está sendo feito ao Brasil vai nos levar a um atraso sem volta”, destacou.
Diretor científico de uma das fundações de apoio à pesquisa mais prejudicadas com a crise, a Faperj, o Acadêmico Jerson Lima da Silva disse que cerca de R$ 450 milhões de projetos aprovados pela instituição não foram pagos em função da falta de repasse de verbas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro. Além da ausência de recursos para projetos, há milhares de bolsistas sem receber em dia.
“Com essa crise, estamos perdendo muito do entusiamo dos jovens em fazer pesquisa. É importante ressaltar que se não fossem os investimentos em ciência feitos nos últimos anos, o Rio não teria os Jogos Olímpicos e não teríamos identificado a associação entre zika e microcefalia”, afirmou Lima. “Quero crer que esse pesadelo vai passar. Temos que nos unir para tentar salvar o Rio e o Brasil”, acrescentou ele.
A campanha “Conhecimento sem cortes” prevê enviar uma petição pública ao Congresso Nacional. Para assinar o documento, basta acessar o site http://www.conhecimentosemcortes.org.br/.