Produzir alimento em áreas de atividade agropecuária e, ao mesmo tempo, preservar a biodiversidade do país é um dos principais desafios para a ciência agrícola e para os gestores da área no Brasil. Foi sobre este obstáculo para o desenvolvimento sustentável que tratou a sessão científica “Ecossistemas e Desenvolvimento Econômico”, no segundo dia da Reunião Magna 2017 da ABC.
O biólogo e pesquisador da Unicamp Carlos Alfredo Joly abriu o debate falando sobre o funcionamento dos ecossistemas e serviços ecossistêmicos. Ele explica que quando há uma alteração no ciclo de funcionamento de um ecossistema, alterando seus elementos, há consequências no processo natural. O ciclo da água, por exemplo, quando alterado, gera o que é chamado de escorrimento – que pode ser sub-superficial ou, em casos mais graves, superficial – e se dá quando a quantidade de água que evapora é menor e um excesso dela é absorvido pelo solo. As consequências são deslizamentos, assoreamento de rios e inundações.
“Os serviços ecossistêmicos”, explica Joly, “são processos de funcionamento do ecossistema que beneficiam o homem. Quando são interrompidos, há perda de biodiversidade, de estabilidade do solo, mudanças no ciclo da água e na produção de energia”.
Joly é um dos coordenadores do grupo de estudo Plataforma Intergovernamental para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, IPBES (na sigla em inglês), que propõe reunir, avaliar e sistematizar o conhecimento – científico ou de povos tradicionais – sobre a biodiversidade no planeta e, dessa forma, sustentar políticas públicas para o assunto.
O IPBES tem como meta a avaliação sobre polinizadores, polinização e produção de alimentos; degradação e restauração dos solos; espécies exóticas invasoras e seu controle; o uso sustentável dos recursos da biodiversidade e seus serviços. Dos 18 produtos que o grupo deve fabricar, dois já foram aprovados em plenária e publicados. “Diagnóstico sobre polinização e polinizadores” e “Cenários e modelos de biodiversidade e serviços de ecossistema”. Os projetos em andamento ficam abertos para receber críticas e sugestões online de pesquisadores e interessados pelo tema. “Para o projeto de polinização, por exemplo, nós recebemos 5.800 críticas. As que não são acatadas recebem um retorno do porque não foram absorvidas”, explica Joly.
Fábio Rubio Scarano, o segundo palestrante da sessão, trouxe para o debate a mudança no processo científico de forma que ele se torne menos disciplinar e dialogue melhor entre as diferentes áreas. Para ele, é missão dos cientistas mostrar como a biodiversidade está relacionada com o desenvolvimento social e econômico. “Muitos colegas cientistas reclamam que os tomadores de decisão não levam em conta a ciência na hora de produzir políticas públicas. Eu costumo perguntar a eles Você os consulta para saber que tipo de pesquisa ele precisa para criar uma política?”, comenta Scarano, defendendo que é necessária uma integração entre gestores do país e comunidade científica.
O diretor executivo da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável traz dados que mostram que 437 dos municípios considerados pobres no Brasil são ricos em áreas verdes. Essas áreas correspondem a 42% da cobertura nativa existente no país. Os dados reforçam a reflexão: não seria possível usar esses recursos naturais em ações para reverter o cenário de pobreza desses locais?
Em complemento às duas primeiras falas da sessão e como uma resposta à questão proposta por Scarano, Jean Paul Metzger trouxe alguns dados e pesquisas sobre a influência da vegetação natural na agricultura em uma região.
Metzger explica que a agricultura é a principal atividade que afeta a biodiversidade local. Considerando que, segundo a ONU, em 2050 espera-se atingir uma população mundial de 10 bilhões de habitantes, haverá um aumento na demanda de energia e alimentos e um consequente aumento na procura por terras para plantio e criação pecuária. Dessa forma, fica clara a necessidade de se otimizar e potencializar a produção nas áreas disponíveis.
Metzger mostra que é nesse aspecto que a biodiversidade brasileira tem muito a oferecer. Em estudo feito em uma plantação de café em São Paulo, testou dois grupos de flores do cafeeiro, um deles com e o outro sem a presença de polinizadores naturais. O resultado mostrou que o grupo exposto à polinização rendeu 28% mais frutos do que as flores que foram ensacadas e protegidas de abelhas. A produção também se mostrou proporcionalmente mais eficaz quando a plantação se encontrava mais perto de florestas e quando estas eram mais densas.
A proposta de Metzger é de que a produção agrícola se adapte a uma paisagem que ele chama de meio termo, na qual há atividade produtiva, mas não se erradica completamente os serviços ecossistêmicos, que são provadamente catalisadores desta produção. “Há a possibilidade de congregar conservação e produção na medida que se internalize os benefícios do serviço ecossistêmico e, principalmente, que se identifique através de pesquisa quais as condições ideais em que se consegue não perder tanto de diversidade, mas tendo uma produção significativa”, defende o pesquisador.
Confira aqui os pdfs das apresentações de Carlos Joly, Fabio Scarano. A apresentação do professor Jean Paul Metzger será disponibilizada em breve.