O microbiologista egípcio Raymond Schinazi é diretor do Laboratório de Farmacologia Bioquímica na Universidade Emory University, em Atlanta, na Georgia, EUA. Seu grupo de pesquisa é responsável pela descoberta e desenvolvimento de oito medicamentos retrovirais, alguns indicados para combater HIV e hepatites B e C.
Segundo o vice-presidente da ABC para a Região MG-CO, o imunologista Mauro Martins Teixeira, que apresentou Schinazi, uma das coisas que dá destaque ao egípcio é o fato dele ser um acadêmico, ter sempre trabalhado em universidades e ter conseguido quebrar a barreira entre estas e a indústria. “Com isso ele desenvolveu muitos medicamentos que as pessoas usam hoje, de várias formas. Num primeiro momento ele enfrentou dificuldades, mas depois ele se capitalizou e se tornou um empreendedor, o que é um excelente resultado.”
Schinazi sempre trabalhou com a química de análogos de nucleosídeos, no contexto de infecções virais. Trabalhar com essas moléculas, em suas palavras, é em parte ciência, em parte uma arte. “É uma química muito complexa, muito difícil de trabalhar. Quando se cria uma molécula, misturando uma com outra, às vezes a purificação se torna muito difícil”, explicou Mauro Teixeira.
Ajuda no combate à AIDS e a cura da hepatite C
Nas décadas de 80/90, o grupo de Schinazi começou o uso dessa química para gerar fármacos anti-HIV e tiveram muito sucesso. Vários dos compostos usados nos coquetéis para AIDS atualmente passam pelas descobertas do grupo dele. E a partir deste conhecimento, gerado na pesquisa de combate à AIDS, eles evoluíram para criar moléculas úteis no tratamento de hepatite B e, mais recentemente, hepatite C. Na apresentação, Schinazi descreveu a história do desenvolvimento dessa molécula, denominada sofosbuvir. “Ela é responsável não pelo tratamento, mas pela cura dessas doenças. Essas moléculas hoje curam mais de 95% das pessoas acometidas pelas hepatites B e C”, afirmou o palestrante.
Para a hepatite C, o sofosbuvir nunca é utilizado sozinho: ele é combinado com outras moléculas, desenvolvidas por outras empresas, para atingir o resultado desejado. O problema é que o tratamento é muito caro – custa entre R$ 200 a 400 mil por pessoa, por curso de tratamento. Para adequar o produto à realidade do imenso número de portadores de hepatite B e C, o grupo de Schinazi está agora tentando combinar moléculas que têm mecanismos de ação diferentes, com o objetivo de reduzir intensamente o tempo do tratamento – de 12 semanas para em torno de 3 semanas – obtendo o mesmo resultado, o que baratearia muito o custo.
De acordo com Schinazi, esta é a primeira vez na história da medicina que se obtém fármacos como esse. “A hepatite C é a primeira doença viral crônica para a qual se consegue resposta viral prolongada, isto é, praticamente, cura.” O cuidado de não falar em cura se dá pelo fato de o portador de hepatite C, para se manter curado, ter que mudar de hábitos. A reinfecção pode ocorrer se o indivíduo curado continuar com o mesmo comportamento, usando drogas e sem os devidos cuidados no contato sexual. Há, ainda, contraindicações para o tratamento: são os casos de indivíduos com cirrose, ou que não responderam inicialmente ao tratamento.
As novas combinações de moléculas têm o objetivo de conseguir um tratamento de curta duração com a mesma eficácia. ” Uma vacina seria muito útil. Mas o tratamento proposto está dando conta de curar as pessoas com bastante competência”, observou Schinazi.
A hepatite B ainda apresenta desafios
Todo esse sucesso representa um grande avanço, evidentemente. Mas Schinazi diz que ainda é preciso desenvolver de moléculas realmente eficazes contra o vírus da hepatite B. “Porque embora já haja uma vacina aprovada, o número de pessoas infectadas é muito grande. Além disso, os indivíduos portadores de doenças crônicas que são infectados pelo HCV [vírus da hepatite C] reagem mal à terapia existente”, explica o pesquisador. “Por isso, existe a necessidade real de desenvolver novas moléculas para essas pessoas.”
Seu grupo já avançou nas pesquisas e já está sugerindo um grupo de compostos com atividade antiviral inovadora, um novo mecanismo de ação que bloqueia o capsídeo, que é a casca do HBV, o vírus da hepatite B. “Estamos conseguindo moléculas bastante eficazes no sentido de, finalmente, enfrentarmos a hepatite B”, declarou Schinazi.
Comentando a palestra do convidado, Mauro Teixeira observou que, aqui no Brasil, o grande gargalo no desenvolvimento de medicamentos é fazer esse salto, da universidade para a empresa. “Nós não temos a indústria, nós não temos o investimento, não temos no país essa experiência de fazer coisas que dão certo”, lamenta Teixeira.