Em entrevista ao jornal O Dia o presidente da ABC Luiz Davidovich fala sobre as recentes medidas que vem prejudicando a ciência no Brasil. Ministério da Ciência e Tecnologia sofreu corte de 44% nos recursos e outras ações também ameaçam o setor. Confira a matéria completa:
A comunidade científica brasileira está em pé de guerra. E vai à luta no próximo dia 22, em frente ao Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, portando tesouras de todos os portes e formatos, em manifestação que será replicada em frente a prédios simbólicos para a ciência nacional em diversas capitais. É o chamado “tesouraço”.
O motivo para a saída dos laboratórios para as ruas são as sucessivas tesouradas que o conhecimento brasileiro tem sofrido. No dia 30 de março, o governo, ao perceber que não conseguiria cumprir a meta de déficit primário para 2017 – R$ 143 bilhões – anunciou cortes no orçamento de todos os ministérios, com exceção da pasta da Saúde. No caso do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), a tesourada atingiu 44% do orçamento para 2017. Com isso, o valor é o menor que a área vai dispor em 12 anos. “É uma aberração. A construção do conhecimento científico não é como a obra de uma estrada, em que se pode recuperar o tempo depois. O prejuízo dessa medida para o nosso futuro é irreversível”, lamenta Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Depois da queda, o coice. O Ministério da Educação também teve R$ 4,3 bilhões de seus recursos bloqueados – um percentual menor, já que a área conta com recursos mínimos garantidos por lei. Ato contínuo, o ministro Mendonça Filho declarou o fim do programa Ciência sem Fronteiras, que enviava alunos da graduação para um período de estudos em universidades no exterior. Na quinta-feira, mais uma notícia: o governo, enfim, liberou verbas para a realização da Olimpíada Brasileira de Matemática, uma iniciativa que envolve 17 milhões de estudantes, mas não o valor necessário para atender a todos os programas paralelos.
Para Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), a tesourada nas áreas de conhecimento é um erro estratégico. “Outros países afetados pela crise global têm adotado uma opção diametralmente oposta: aumentam o investimento em ciência e tecnologia, ao invés de reduzi-lo. Eles sabem que esse é o melhor caminho para sair da crise de forma sustentável”, diz.
A seca para a ciência começou em 2014 e foi se ampliando. Em 2013, o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia era de cerca de R$ 10 bilhões. Este ano, com o agravante de a área de Comunicações ter sido agregada à pasta, o valor será de R$ 3,2 bilhões. “É uma atitude míope”, diz Helena, que é bióloga e professora da USP.
Davidovich diz que o corte torna insustentável uma situação que já vinha difícil. As consequências são o fechamento de laboratórios que ficam sem material de trabalho e a interrupção de projetos que já tinham orçamento aprovado. “Uma geração inteira de pesquisadores vai ser prejudicada.
Erros de gestão comprometeram Ciência sem Fronteiras
Luiz Davidovich, presidente da ABC, chama a atenção para os riscos da tesourada. “Resultados exemplares da nossa ciência estão ameaçados”. Ele cita como exemplo o aumento da produtividade na agricultura, a exploração do petróleo em águas profundas e o enfrentamento de epidemias, campos nos quais a ciência brasileira vem se destacando. “Sem modernizar equipamentos de pesquisa, vamos perder competência construída ao longo de décadas”, alerta.
O ministro Gilberto Kassab diz ter esperança de reverter parte do corte, gestado no Ministério do Planejamento. A assessoria do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações informou em nota que está estabelecendo quais serão as prioridades da pasta para fazer a melhor distribuição de recursos possível. “O objetivo é que não haja suspensão ou cancelamento de projetos ou ações já em andamento”.
O fim do Ciência sem Fronteiras para estudantes de graduação não é comemorado por ninguém na comunidade científica, ainda que haja críticas à formulação do programa, que nasceu no governo Dilma Rousseff. Uma das vozes que se levantou contra a decisão foi a de Miguel Nicolelis, talvez o mais respeitado cientista do país. “Brasil correndo a toda velocidade rumo ao passado! Sociedade que solapa sonhos da juventude comete o pior dos crimes! Nunca a juventude brasileira teve uma oportunidade como esta. Nunca a ciência brasileira foi tão oxigenada por novos ares e novas visões”, disse ele, no Twitter, frisando que o programa era elogiado em todo o mundo e permitiu que 108 mil jovens “conhecessem os horizontes da ciência”.
Em 2017, o programa vai oferecer 5 mil bolsas apenas para pós-graduação. A avaliação do Ministério da Educação é de que o programa tem custo muito alto. No ano passado, quando anunciou que o Ciência sem Fronteiras teria mudanças, a pasta informou que, no anterior, tinham sido investidos R$ 3,2 bilhões para atender 35 mil alunos e usou uma comparação curiosa: “Valor igual ao investido em alimentação escolar para atender 39 milhões de alunos”.
Para Davidovich, os problemas foram de gestão. “O número de estudantes foi exagerado. Não houve análise rigorosa e crítica do programa. Havia a promessa de que haveria dinheiro novo, mas recursos de fundos que deveriam ser aplicados em pesquisa acabaram alocados no Ciência sem Fronteiras”.
Faperj não paga pesquisa
A Faperj, instituição de fomento estadual à pesquisa de importância fundamental para a ciência brasileira, sofre tanto ou mais do que outros órgãos do governo com a situação caótica dos cofres fluminenses.
O órgão tem recursos garantidos pela Constituição Estadual. São no mínimo 2% da receita tributário do estado, segundo o artigo 332. Ciente de que não cobriria a determinação no ano passado, o governador Pezão reduziu o valor do repasse em 30%, via decreto assinado em 28 de dezembro.
O fato é que a Faperj não tinha destinado um centavo ao longo de todo o ano para custear pesquisas. A situação em 2017 permanece a mesma. Os escassos recursos que entram estão sendo direcionados para pagar bolsas de alunos, técnicos e professores envolvidos nos projetos, já que muitos dependem desses recursos para as despesas básicas. Com isso, equipamentos de ponta estão sem uso e laboratórios avançados montados em anos anteriores estão parados ou funcionam precariamente, eventualmente às custas dos pesquisadores.
Pouca verba para Olimpíada da Matemática
No dia 6 de junho acontece a primeira fase da 13ª edição da Olimpíada Brasileira de Matemática. Cerca de 18 milhões de estudantes de 51.373 escolas – número recorde – vão participar.
É uma iniciativa vitoriosa, mas que não pode se esgotar na competição, como advertem os educadores. Por isso foi criado o Programa de Iniciação Científica (PIC), que levava estudantes premiados na Olimpíada para aulas de matemática em universidades. No ano passado, no entanto, a Capes concluiu que não poderia destinar recursos de educação básica para pagar professores universitários.
O programa não aconteceu e a solução do Impa (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada) foi criar o OBMEP nas Escolas.
Os recursos foram direcionados a professores que, em 900 núcleos, deram aulas para 26 mil alunos, quatro vezes mais do que o PIC. Mas o PIC é para os craques da matemática. O IMPA quis voltar com o programa esse ano. O MEC resistiu a financiar. Apenas na quarta-feira, liberou uma parte. O Impa vai ter que arcar com o restante, um montante que deve chegar a R$ 2 milhões.
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