A médica Adriana Melo, do Instituto de Saúde Elpídio de Almeida, na Paraíba, foi a primeira pessoa a apontar a relação entre o vírus da zika e o nascimento de crianças com microcefalia. Mas essa relação, cuja descoberta completou um ano no início de novembro, é apenas um dos problemas: “Microcefalia é a ponta do iceberg, mas há muito mais que não sabemos ainda”, afirmou a pesquisadora no Simpósio Internacional sobre Zika, realizado em novembro por uma parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Academia Nacional de Medicina (ANM) e Academia Brasileira de Ciências (ABC).

“Há um ano eu falava sobre a possibilidade de coletar liquido amniótico e identificar a doença. A gente nunca teve dúvidas de que esse vírus traria algo novo, porque os achados eram diferentes de todas as outras infecções que tivemos.” Adriana Melo começou a investigar os casos no Nordeste, onde houve grande incidência de zika e de microcefalia, ao mesmo tempo em que observou o aumento dos casos da síndrome de Guillain-Barré, e se questionou por que o mesmo não tinha acontecido na África, que viveu uma epidemia anteriormente, e por que a concentração no Nordeste era tão maior.

Desde o início de 2016, a orientação do Ministério da Saúde é que sejam notificados como casos suspeitos de microcefalia meninas que nascerem com o perímetro cefálico menor que 31,5 centímetros e meninos com menos que 31,9 centímetros, além de outras alterações do sistema nervoso. Até agora, foram notificados pouco mais de 2 mil casos de crianças nascidas com alterações no sistema nervoso central por causa da zika, a maioria no Nordeste.

Ainda assim, a microcefalia foi constatada não apenas em crianças com o crânio menor, mas também em bebês com crânios normais. Nesses casos, eles apresentaram outras alterações, como calcificações no tecido cerebral, hidrocefalia, problemas nos olhos, nos ouvidos e nas articulações e membros com má-formação. Além disso, há níveis diferentes de microcefalia, sendo alguns casos bem mais severos que outros. “Por que há dois padrões tão diferentes? O que protege mais um bebê e faz com que outro tenha um padrão mais destrutivo? Não sabemos ainda”, disse Adriana.

Outras questões são por que cidades com baixa população são mais acometidas pelo vírus da zika e por que os casos diferem em gravidade e prognóstico. “Existem realmente clusters de malformações. Como será a evolução dessas crianças?” Adriana Melo apontou, no entanto, que o estímulo precoce aos bebês afetados pode interferir bastante em seu desenvolvimento. Ela apresentou o caso de uma menina, Catarina Maria, cuja mãe, fisioterapeuta, a estimula desde muito cedo. A bebê, apesar de ter muitas alterações, vem apresentando respostas excelentes. “Achamos que todos os bebês vão viver sondados, sem enxergar, e não é assim. Sabemos muito pouco ainda dessa doença.”

Leila Chimelli, do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, mostrou os primeiros casos estudados de bebês com alterações relacionadas a infecção das mães por zika. Na maior parte dos casos apresentados, as crianças apresentavam artrogripose, condição rara que se caracteriza por múltiplas contraturas articulares e pode incluir fraqueza muscular e fibrose – elas nasciam com os membros inferiores e superiores rígidos. As condições do cérebro, no entanto, variavam. Alguns eram grandes, um deles com uma dilatação ventricular tão grande que o cérebro colapsou, outros bem pequenos.

Segundo a pesquisadora, o que se percebeu até então é que os fetos atingidos pelo vírus da zika entre o primeiro e o segundo trimestre da gravidez tiveram problemas no desenvolvimento do cérebro mais evidentes. “Mas ainda não se sabe até que momento a infecção pelo vírus da zika pode passar da mãe para o bebê.”

Técnicas de imagem podem ajudar

Membro afiliado da ABC, diretora do Instituto DOr de Pesquisa e Ensino e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fernanda Tovar Moll falou sobre como o estudo por imagem pode ajudar a entender o vírus da zika. Ela afirmou que a ressonância magnética vem permitindo um mapeamento de conexões no cérebro in vivo. “Com essas imagens, e sabendo o que esperamos de um cérebro normal tanto do ponto de vista estrutural quanto funcional, podemos caracterizar as conectividades nas diversas patologias e entender um pouco mais a fisiopatologia das doenças.”

A técnica chamada de imaging, explicou Fernanda, possibilita a captação de alterações mais sutis e deve ser aplicada no acompanhamento de crianças. “Podemos ver como a mielinização vai acontecer nas crianças e identificar malformações do sistema nervoso central, decorrentes de infecções ou doenças congênitas, como microcefalia, caracterizando o que elas têm de anormal.” A pesquisadora acrescentou, no entanto, que há várias limitações à caracterização do tecido in vivo, então a correlação com estudos de biologia celular, feitos com camundongos, por exemplo, é fundamental.