O vírus da zika rapidamente se tornou um problema de saúde pública no Brasil, mas não é um desafio exclusivamente nosso. No Simpósio Internacional sobre Zika, realizado em novembro por uma parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Academia Nacional de Medicina (ANM) e Academia Brasileira de Ciências (ABC), representantes de vários países americanos apresentaram um panorama da epidemia em cada lugar.

O presidente da ABC, Luiz Davidovich, e o Acadêmico Marcello Barcinski, que coordenou a sessão

O presidente da ABC, Luiz Davidovich, iniciou a sessão ressaltando a importância global do evento, já que a epidemia se propaga mundialmente. “Os trabalhos que tem sido feitos sobre a zika são fundamentais para as sociedades de todos os países”, comentou. Em seguida, Roberto Chuit, da Academia Nacional de Medicina de Buenos Aires, falou sobre a situação da Argentina, que tem diferentes condições de transmissão.

Argentina

Apesar de o mosquito Aedes aegypti estar presente em todo país, áreas como a de Jujuy, Tucuman, Córdoba, Santa Fé e Buenos Aires têm alta incidência e risco de transmissão de zika. Até o início de novembro, o país contabilizava quase 2 mil casos notificados, incluídos os casos de transmissão local e os de transmissão relacionada a viagens. A transmissão de zika por via sexual foi confirmada a partir da infecção de uma mulher que teve relações com seu parceiro que havia voltado de férias da Colômbia.

Uma das maiores dificuldades é que a epidemia de zika coincide com a de dengue e chicungunha,de modo que é complicado identificar de qual doença se trata. Um fato a se considerar é em relação aos casos relacionados a viajantes que, em sua maioria, haviam passado pela Venezuela, Brasil, Colômbia e Bolívia. Além disso, foram estudados 43 casos de mulheres grávidas possivelmente infectadas com o vírus da zika, sendo que uma delas teve o filho com microcefalia.

Bolívia

Luis Elvin Molinedo Peres, da Faculdade de Medicina UMSA, da Bolívia, informou que, em 2016, os casos de zika, dengue e chicungunha estiveram concentrados na zona leste de seu país. “O primeiro caso que se notificou esse ano foi de um paciente que chegava da Argentina, poucas semanas antes de serem detectados casos autóctonos. Na Bolívia, foram contabilizados quase 600 casos suspeitos de zika, 128 confirmados. A microcefalia foi documentada em três casos, até o início de novembro, e não houve casos notificados de zika relacionada a síndrome de Guillain-Barré.

Desde 2003, a Bolívia segue o Sistema EGI-Dengue, proposto pela Organização Panamericana de Saúde, que prevê a vigilância epidemiológica, manejo integrado de vetores, estratégias de comunicação, mobilização social, entre outras medidas. “Nosso sistema de detecção funciona de forma ótima, trabalhando com técnicas de biologia molecular para confirmação de casos”, afirmou Peres. A mobilização social para eliminação dos criadouros, no entanto, é mais efetiva em pequenas comunidades.

Equador

Marco Neira, do Centro de Pesquisa para a Saúde da América Latina (CISEAL), estimou que 70% da área do Equador é propícia para o desenvolvimento do Aedes aegypti, com mais de 8 milhões de pessoas sob risco de infecção. Áreas como Andes e Amazônia têm essa propensão. Ele lembrou que o mosquito se desenvolve sob certas condições – não tolera o frio e altitudes acima de 2.100 metros, sendo mais presente abaixo de 1.700 metros.

O Equador não tinha casos de zika em 2014 e, até o início de novembro, foram 2.600 casos da doença, que só foi confirmada no país em janeiro de 2016. Em fevereiro, houve o aviso de epidemia global e, em abril, aconteceu um forte terremoto no país, de 7.6 de magnitude, levando a um alto risco de propagação da zika. Mais de 650 pessoas morreram e 73 mil ficaram desabrigadas. “Tivemos então um problema de saúde pública somado a um problema de infraestrutura”, disse Neira. Além disso, o Equador teve 72 nascimentos de bebês de mães com zika, mas nenhum caso de microcefalia.

México

Alfredo Ponce de León, do Instituto Nacional de Ciências Médicas e Nutrição Salvador Zubirán, afirmou que os casos confirmados de zika no México eram quase 5.800 até o início de novembro, mas vinham aumentando nas últimas semanas, com cerca de 600 casos novos a cada semana. A concentração é em estados como Yucatán e Veracruz, mas o vírus está presente em quase todo o país. “Os estados com maior incidência são os mais pobres”, comentou León. Além disso, observou-se que em mais de 50% dos casos reportados, as pessoas estavam a cerca de 50 km dos trilhos dos trens. “Pode ser a maneira que a zika penetra no nosso país.”

Na fronteira com a Guatemala, foi detectado um número alto de casos de zika. Sabe-se que 50% dos casos ocorreram nos últimos seis meses. O governo informou que houve notificação de seis casos de síndrome de Guillain Barré, metade deles em pessoas com cerca de 25 anos. Além disso, foram quase 3 mil casos de mulheres grávidas com zika, mas não se sabe as condições de saúde dos bebês. “Não sabemos o que aconteceu, se tem estudos de imagem, se houve problemas nos partos. O México tem um problema sério de falta de informações e falhas em dados.”

Peru

Cesar Cabezas Sanches, do Instituto Nacional de Saúde da Academia Nacional de Medicina do Peru, contou que o Aedes aegypti entrou no país em 1984, a primeira epidemia de dengue foi em 1991 e, em 2016, houve os primeiros casos de zika, que entrou pelo norte e hoje está em praticamente todas as cidades da Amazônia. “As chuvas, a selva e a água parada permitem a proliferação do vetor”, contou. “Mas Lima é muito seca, é a única cidade do mundo em que nunca chove e tem dengue.”

O primeiro caso de zika no país foi uma pessoa da Venezuela que havia estado na Colômbia. Já o primeiro caso autóctono foi de uma mulher de Lima que teve contato sexual com o marido, que havia estado na Venezuela. Até o início de novembro, o Peru havia registrado 156 casos de zika, sendo 136 autóctonos e 17 importados. Desses, 65 são apenas em Jaen, no norte do país, mas, atualmente, a epidemia está aparentemente controlada na cidade. Além disso, 64% eram mulheres e, delas, 44% estavam grávidas. Foram 27 recém-
nascidos sem evidências clínicas de microcefalia.

Estados Unidos

Albert Ko, da Universidade de Yale e da Fiocruz da Bahia, informou que os Estados Unidos tiveram, até o início de novembro, pouco mais de 4 mil casos de zika em seus estados (a imensa maioria deles relacionados a viagens) e 30 mil em territórios norte-americanos (nesse caso, a maior parte foi adquirida localmente) – 29 mil apenas em Porto Rico. Em Nova Iorque, foram, 883 casos, 708 na Flórida, 312 na Califórnia e 237 no Texas.

Ko falou sobre a dificuldade de combate à transmissão, ainda mais a sexual. Além disso, há a questão da migração ds mosquitos, que se relacionam a fatores como efeitos climáticos e efeitos sociais – até mesmo o uso do ar condicionado afeta a transmissão da doença, Nos últimos meses, houve a introdução de zika na Flórida, por Miami. Foram dois casos iniciais e 31 posteriores. Em setembro, foi feito o controle por inseticidas e outras medidas, mas logo surgiu um novo foco, em Miami Beach, com 72 casos. Logo depois, um terceiro foco, com oito casos. “Temos que saber como a transmissão ocorre sem provocar um surto em si.”

Venezuela

Alejandro Risquez, da Academia Nacional de Medicina da Venezuela, lembrou que a realidade atual de seu país é de crise econômica, inflação de preços, escassez de alimentos e medicamentos, malnutrição, deteriorização dos serviços básicos e violência – 75,6% dos venezuelanos são pobres. Jovens profissionais de saúde estão deixando o país e há falta de políticas de controle de vetor, educação sexual etc.

“O dever da informação não se cumpre no nosso país”, ressaltou Risquez, afirmando que os profissionais da saúde não contam com dados para trabalhar efetivamente. Apesar disso, a vigilância é feita na Venezuela. Segundo o Ministério da Saúde do país, até o início de novembro, havia 58.758 casos suspeitos de zika, 2.244 confirmados, nenhum caso importado e nenhum caso de morte. O número de infectados por zika subiu a partir do final de 2015 e teve seu pico em 2016. Além disso, entre dezembro e janeiro de 2016, foram 255 casos mensais de Guillain Barré, sendo que o índice normal dos últimos anos é de 20 a 25. “Esse acréscimo provavelmente foi relacionado a zika.”

Já em relação à microcefalia, não houve nenhum caso informado, apesar de investigações de jornais apontarem 61 casos. “Temos que inventar formas de saber das informações a tempo e confiáveis”, afirmou Risquez. “Por isso, as pessoas que fazem pesquisa estão organizando um Google Trend Tool praa detectar informações.”