Dentro do Simpósio sobre Zika realizado em parceria pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Academia Nacional de Medicina (ANM) e a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), o médico Mauro Martins Teixeira, apresentou o trabalho de seu grupo de pesquisa. Ele é professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e vice-presidente regional da ABC para a Região MG & CO.
Seu trabalho é focado nas causas das doenças. E os conceitos gerados podem ser aplicados a qualquer coisa. Teixeira deu como exemplo a alimentação: se o indivíduo come muito de alguma coisa, isso pode causar doença; se come a mesma coisa em quantidade menor, não ocorre doença. E explica que o balanço entre ser saudável e ser doente é bastante modificado pelas infecções.
Teixeira esclarece que infecção é diferente de doença. “Infecção é quando o indivíduo entra em contato com um microrganismo e ele se replica na pessoa. Doença é quando essa replicação do parasita gera sintomas ou sinais clínicos no indivíduo, e nós lemos isso como doença.” Na prática, isso significa que se a pessoa tem um vírus na garganta, ela é um carreador do vírus. Pode ser ruim para a sociedade, porque pode contaminar outros cidadãos, mas ter infecções, em si, não é um problema para a própria pessoa. Se torna, sim, um problema, quando essa infecção causa uma doença e a doença pode causar morte.
Mauro Teixeira explicou que a doença é causada, muitas vezes, pela interação entre o microrganismo e o hospedeiro. “Este libera moléculas de si mesmo que causam a doença. Então, com frequência, vemos que a doença causada pelo microrganismo é o indivíduo que induz, liberando seus mediadores. O que nós buscamos são mediadores que causam doença em várias infecções”, esclareceu o cientista.
No contexto do vírus zika, a doença principal é microcefalia, que é uma lesão neuronal. A pergunta feita pelo grupo de Teixeira é: o que causa a lesão neuronal? “Nós procuramos compreender quais são os mecanismos de morte de neurônios provocados pelo vírus zika e tentamos ver se isso é tratável do ponto de vista medicamentoso”, relatou o Acadêmico.
O médico apresentou, então, um dos mecanismos encontrados. Explicou que o vírus, ao interagir com os neurônios, induz a uma liberação intensa de um grupo de moléculas – o glutamato. Esta substância, quando liberada em quantidade excessiva, causa a lesão de outros neurônios. “Então, quando um neurônio é estimulado de determinadas formas, ele libera muito glutamato, que mata outros neurônios. Isso se chama neuroexcitotoxicidade.”
Esse fenômeno, segundo Teixeira, é muito frequente na doença de Alzheimer e em lesões isquêmicas. “Notamos então que os fármacos desenvolvidos para tratar esses males, que funcionam em pessoas com Alzheimer e isquemia, diminuindo a lesão do neurônio, funcionam também em zika”, contou Mauro. Isso sugere, de acordo com Teixeira, que parte da ação da zika para matar o neurônio é direta, porque infecta. “Mas grande parte dessa ação se dá porque ao infectar o neurônio ele se excita, libera glutamato e essa substância é que mata outros neurônios. Então, se conseguirmos bloquear o receptor do glutamato, poderemos impedir a lesão neuronal de zika. O desenvolvimento de neuroprotetores não deve ser o único mecanismo passível de uso, mas é importante”, arrematou o cientista.
Microcefalia e Guillain-Barré
Abordando essas duas doenças, o pesquisador explicou que, no caso da microcefalia, o vírus zika age principalmente sobre o feto por vários motivos. Um deles é que a barreira hemato-encefálica, entre o sangue e o cérebro do feto, ainda está em formação, o que facilita a entrada do vírus. “A barreira da mãe é mais intensa, então o cérebro dela não é infectado. Os neurônios mais jovens, em replicação, mais indiferenciados, são mais receptivos do que os neurônios do adulto”, relatou Teixeira.
Já a síndrome de Guillain-Barré, outra das consequências possíveis da contaminação pelo vírus zika, é uma resposta auto-imune. Teixeira aponta que, nesse caso, é uma resposta do corpo contra si mesmo. ” Há um componente neuronal, porque quando o vírus infecta o neurônio, novos antígenos de neurônios que não existiam são expostos. Ao expor esses novos antígenos, o indivíduo cria uma resposta contra eles, que é o que causa a doença.”
Mas, para Teixeira, há luz no fim do túnel. Na visão do pesquisador, um tratamento que combine neuroprotetores e drogas antivirais pode vir a trazer benefícios no contexto da infecção por zika vírus.