Marcos Cortesão, Elmer Salomão, Arthur Horta, Paulo Braga, Luiz Eugênio Mello, Onildo Marini, Diogenes Campos,
Sandoval Carneiro, Fernando Lins, Aroldo Misi, Silvia França, John Forman,
Claudio Schneider e Vitor Vieira

Um painel científico marcou o lançamento oficial do livro “Recursos Minerais no Brasil: problemas e desafios”, realizado na noite de 18/10, durante o 24º Congresso Mundial de Mineração, no Centro de Convenções SulAmérica, no Rio de Janeiro.

A abertura do evento foi feita pelo Acadêmico Luiz Eugênio Mello, gerente-executivo de Tecnologia e Inovação da Vale, seguido pelo Acadêmico Umberto Cordani, professor emérito do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGc-USP) e um dos coordenadores do Grupo de Estudos de Recursos Minerais da Academia Brasileira de Ciências.

Segundo ele, este trabalho representa a continuidade das atividades desenvolvidas pelo Grupo de Estudos sobre Recursos Minerais e tem como origem o simpósio “Recursos Minerais no Brasil: problemas e desafios”, realizado em agosto de 2013, que reuniu destacados pesquisadores, representantes do governo, de empresas e de associações da área.

O livro, resultante desse simpósio e dos estudos subsequentes, conta com 34 artigos de 66 especialistas de todo o país que analisam o atual cenário, os méritos e os gargalos inerentes ao setor mineral brasileiro.

O potencial mineral

O geólogo Onildo Marini, diretor-executivo da Agência para o Desenvolvimento Tecnológico da Indústria Mineral Brasileira (ADIMB), falou sobre o potencial mineral do Brasil. Ele explicou que quase 82% das commodities exportadas são concentradas no minério de ferro. “Nichos de mercado interessantes, como o nióbio, que corresponde a 4,4% do total de exportação de commodities, ainda estão extremamente subdesenvolvidos. ”

Ainda assim, Marini destacou que o Brasil tem vantagens: uma área continental, um ambiente geológico bem-dotado, historicamente sub-explorado. Algumas regiões promissoras são conhecidas apenas na superfície e há grandes possibilidades de depósitos supergênicos, que são os depósitos residuais que englobam todos os processos de enriquecimento através da lixiviação natural. Com essas condições, o Brasil pode fornecer dados geofísicos de alta qualidade. Além disso, Marini destacou que há uma estabilidade política com relação à área de mineração, tendo sido encaminhado um novo Marco Regulatório em 2013, que ainda não foi aprovado.

Gargalos no desenvolvimento da mineração no Brasil, porém, existem. Marini citou a falta de financiamento para exploração mineral, que inclui uma falta de encorajamento geral para parcerias públicas; as limitações de acesso a determinadas áreas, como unidades de conservação, áreas indígenas etc.; as obstruções causadas pela lentidão das instituições ambientais públicas; o pouco conhecimento geológico sobre as províncias minerais, que são as regiões com alta concentração de minérios. Essas questões técnicas e políticas são agravadas pelo alto Custo Brasil, que envolve energia, combustível, contribuições sociais, taxas etc., sendo que as garantias legais são incertas, em função do novo Marco Regulatório. “Além disso, a infraestrutura é pobre. Tudo isso vem causando a evasão de empresas de mineração para outros países”, lamentou Marini.

A exploração mineral

O geólogo Jorge Bettencourt, também professor emérito do IGc-USP, coordenou a elaboração do capítulo do livro que aborda a exploração mineral no Brasil, e relatou que os artigos reunidos naquele bloco discutem, entre outros temas, o uso histórico dos modelos de depósitos minerais na exploração mineral no país e o conceito moderno de sistemas minerais, que ainda é pouco usado no Brasil. “Defendem a aplicação sistemática de geotecnologias e a integração de dados através de modelos 2D e 3D e valorizam o papel da geologia básica, dos processos geológicos e da criatividade das equipes de exploração. Mas criticam, também, as restrições para que se consiga levantar informações sobre exploração mineral no país”, ressaltou Bettencourt. O capítulo do livro promove, ainda, uma análise crítica dos fatores responsáveis pelas probabilidades de sucesso na exploração mineral brasileira.

O palestrante evidenciou os métodos de exploração mais utilizados no Brasil, o geoquímico e o geofísico. “O primeiro é voltado para o mapeamento geológico, especialmente relacionado a agências governamentais, como a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), e em projetos de mineradoras privadas. O segundo método, de prospecção geofísica, é uma das ferramentas mais ponderosas da área. “Seus métodos permanecem os mesmos por décadas, mas a diferença hoje é que a interpretação dos resultados é baseada em variações nas propriedades físicas das rochas in loco, num ambiente 3D”, explicou.

A integração das técnicas geofísicas com a geologia e a geoquímica multielementar oferece as melhores chances de sucesso na exploração mineral e na redução dos riscos. “Modelagem, integração e confirmação dos dados através de perfuração direta são essenciais.” As tendências para o futuro, segundo Bettencourt, envolvem projetos de exploração geoquímica multimodais e regionais, visando uma contribuição mais efetiva para o mapeamento geológico. “A preocupação com questões ambientais e de saúde também tende a ser priorizada.”

Bettencourt abordou, ainda, os aspectos críticos da exploração mineral no Brasil. Dentre eles estão a baixa confiabilidade dos mapas geológicos locais e regionais, assim como o pouco uso do conceito de sistemas minerais já citado por Marini. “A falta de dados em 3D em escala regional é outro desafio que precisará ser superado no futuro.”

Outra questão colocada por ele foi a demanda pelo desenvolvimento de novas técnicas de explorações profundas para corresponder às necessidades futuras da indústria. Bettencourt ainda realçou o fato de que a inovação e a exploração mineral bem-sucedidas no Brasil ainda continuam sendo mal documentadas. “A riqueza de dados obtida continua concentrada nas mãos das companhias de mineração e das agências do governo.”

E como superar essas dificuldades? A descoberta de recursos e novos depósitos de minérios em nossas províncias metalogenéticas conhecidas demandam modelos geológicos e exploratórios robustos, apoiados na ciência. “Para alcançarmos esta meta, é necessário que se estabeleça uma rede colaborativa entre a indústria de exploração mineral, grupos de pesquisa das universidades, instituições públicas de geociências e centros de pesquisa corporativos”, declarou Bettencourt. A formação de recursos humanos qualificados é outro desafio fundamental. “Precisamos formar geólogos, geofísicos e geoquímicos criativos, que desenvolvam ideias e hipóteses inovadoras com relação à gênese dos minérios. Isto é fundamental para novas descobertas”. De acordo com o palestrante, a imensa quantidade de dados existente e o desenvolvimento de ferramentas de análise desses dados não substituem a geologia básica e os processos geológicos, nem a criatividade de geólogos exploratórios.

Mineração na Amazônia: link para o futuro?

O presidente da GEOS Geologia para Mineração Ltda., Elmer Prata Salomão, abordou a questão da mineração na Amazônia. Geólogo, ex-professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-diretor do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Salomão considera a mineração na Amazônia um salto para o futuro.

A região amazônica é do tamanho da Austrália, com quase 7 milhões de km2, envolvendo nove países: Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Suriname, Guiana, Guiana Francesa e Brasil. “Nosso país detém 49% da área total. Há mais biodiversidade em um hectare da floresta Amazônica do que em todo o continente europeu”, valorizou Salomão. “E sua superfície indica potencial mineral comparável as principais regiões produtoras de minério do mundo.”

No entanto, o território é inexplorado e o conhecimento geológico ainda é pobre. E as políticas de desenvolvimento regional foram mudando ao longo do tempo. “No século XVIII, depois da descoberta de ouro nos rios Negro, Tapajós e Madeira, a coroa portuguesa proibiu a mineração no local. A prioridade era fixar os indígenas em vilas e estimular apenas a agricultura e o comércio”, contou Salomão. No fim do séc. XIX e no início do séc. XX ocorreu o boom da borracha. “Foram 40 anos de exploração, até que outros países desenvolveram métodos mais rápidos e baratos para a extração de látex”. Com a criação da Zona Franca de Manaus nos anos 60, que envolveu incentivos do governo e redução de taxas para importação e industrialização, houve grande enriquecimento sem atingir os recursos naturais.

Nos anos 70 e 80, durante a ditadura militar, foi implementada uma política de colonização da região voltada para projetos de infraestrutura e agricultura. “Foi um período em que o desmatamento não só foi permitido, como incentivado”, relatou o geólogo. Só depois da promulgação da Constituição de 1988 é que os conceitos básicos de desenvolvimento passaram a priorizar a sustentabilidade, a preservação e a harmonia com as populações locais. “Nos últimos dez anos, porém, com o Programa de Aceleração do Crescimento [PAC], a expansão do agronegócio empurrou a floresta e estradas, portos e hidrelétricas – como Jirau, Santo Antônio e Belo Monte – se tornaram prioridades.”

Com essa abordagem histórica, Salomão quis demonstrar que o Brasil demandou, por séculos, um modelo de ocupação e desenvolvimento para a região amazônica. Em sua opinião, os ambientalistas mais radicais querem estagnar o processo de desenvolvimento e manter a floresta intocada. “Outros buscam a intensificação do uso da terra com áreas protegidas ao redor. Mas para definir um modelo, precisamos saber o que queremos para a região Amazônica”, questionou o palestrante.

Em sua visão, só há uma resposta para essa questão: “Queremos desenvolver a Amazônia, mantendo a floresta em pé e preservando sua fantástica biodiversidade”, afirmou Salomão. E, para tanto, as atividades econômicas adequadas tem que ter duas características, segundo ele: possuir densidade econômica alta, ou seja, gerar mais riqueza por área ocupada; e ser capaz de melhorar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das comunidades amazônidas, cujos números são os mais baixos do país.

E a mineração, segundo Salomão, é uma opção sustentável para o desenvolvimento da região. “É uma indústria que corresponde às prerrogativas citadas, porque tem alta densidade econômica, melhora a qualidade de vida das populações locais, usa tecnologias para remediação ambiental e mitigação dos danos e é uma atividade de longa duração”, defendeu o palestrante.

Até então, no entanto, a mineração nunca tinha sido considerada uma opção para o desenvolvimento regional. Pelo contrário, havia sido sempre estigmatizada como uma atividade predatória e ambientalmente incorreta. Mas Salomão procurou demonstrar que essa avaliação é errônea. Ele apresentou dados mostrando que a produção mineral da Amazônia em 2013 correspondeu a quase 32% de toda a produção mineral do país, e isso em apenas 544 hectares e 50 metros de profundidade. “Isso significa uma fantástica concentração de valor”, apontou Salomão. Comparando com outros produtos, a densidade econômica parece evidente. Por exemplo, um hectare produz em torno de três toneladas de soja, o que rendia, em 2013, em torno de U$ 1.260 dólares. “Esse valor corresponde a 0,004% do lucro da mineração, considerando a mesma área. E essa área de 554 hectares correspondeu, em 2013, a 0,09% de todo desmatamento ocorrido naquele na região.”

Encerrando sua mensagem, Salomão ressaltou a importância de que se estabeleça um diálogo real e produtivo entre ambientalistas e a indústria da mineração, coisa que não acontece há décadas. “Eles se comportam como inimigos. Mas ambos os grupos dizem querer o mesmo: o desenvolvimento e a preservação da região amazônica.” O geólogo apelou para que a Academia faça a ponte entre os dois lados, contribuindo para a busca de um consenso.

Falta consciência política e social para construir uma cultura da mineração

Convidado a fazer as considerações finais e recomendações do evento, o geólogo John Forman, ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), não foi muito otimista. Destacou as questões mais importantes apontadas no evento, para tentar definir uma proposta para futuras políticas públicas para mineração no Brasil.

Forman destacou que os palestrantes que o precederam apresentaram todo o potencial que o Brasil tem em minérios. Foi mostrado também que tem ferramentas modernas e conhecimento básico para explorar mineração. “O país é muito rico em minérios, é uma riqueza potencial muito grande. Mas porque nunca conseguimos desenvolver esse potencial? O que está errado?”, questionou o geólogo.

Em sua visão, a primeira causa é a falta de continuidade dos programas e dos investimentos. “Começamos as coisas, e as interrompemos. Somos bons em planejar, mas não em realizar. Nunca acreditamos realmente que nossos recursos minerais pudessem ser adequadamente localizados e explorados”, afirmou Forman.

Ele lembrou que tivemos por muitos anos um Ministério deMinas e Energia que, na prática, se dedicava à eletricidade, ao petróleo e muito pouco à mineração. “A imagem da mineração é que ela suja, poluente e não traz benefícios.” Para Forman, não temos a cultura da mineração no Brasil. “Então,para o governo e para a sociedade brasileira, a mineração não é importante”,lamentou.

Na crise atual, no entanto, é precisamos renovar as fontes de riqueza para que o país volte a crescer. Para Forman, “temos que definir,então, o que queremos fazer com os nossos recursos minerais enquanto país.” Ele observou que todas as fontes de riquezas naturais já foram e continuam sendo exploradas à exaustão no Brasil. Mas são finitas.

“Nós, cientistas, temos que pensar nisso e dizer à sociedade que ela precisa pressionar os políticos para garantir conhecimento geológico básico no Brasil”, defendeu o pesquisador. “Temos grande potencial mineralógico, temos o conhecimento potencial básico, temos condições de capacitar pessoas para fazer esse trabalho. Mas o que não temos, ainda, são os políticos e uma sociedade conscientes disso. E é do que precisamos”, concluiu Forman.