Com o apoio da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Faperj e Laboratório Em Formação/UFRJ, a EURAXESS Brasil promoveu um encontro preparatório do Science Slam Brasil 2016, concurso de comunicação científica cuja final ocorreu no dia 19 de outubro, no Lapa Café. O treinamento – media coaching – envolveu um conjunto de atividades e palestras promovidas por especialistas para ajudar os cientistas a comunicar de forma mais clara e significativa suas ideias e sua pesquisa para o público.

A EURAXESS é uma iniciativa da Comissão Europeia que ajuda gratuitamente os pesquisadores no desenvolvimento das suas carreiras e facilita a a mobilidade científica entre o Brasil e a Europa.

Esquentando os tamborins

Realizado na biblioteca da antiga Maison de France, hojeCasa Europa, em torno de 20 jovens pesquisadores, jornalistas e professores, além doscinco finalistas do Science Slam 2016, participaram de um workshop de técnicasde apresentação para pesquisadores. Começando com o coreógrafo João Silveira,doutorando do Laboratório Em Formação (PEGeD/IBqM/CCS/UFRJ) que, focando aquestão da ocupação de espaço, pôs todos os participantes para dançar. Osdiferentes ritmos – valsa, tango, salsa e forró – foram associados a diferentesestilos de apresentação: mais conservadora, mais intensa, mais dinâmica e maisdescontraída. E a atividade demonstrou a eficácia de se começar um evento dessegênero com uma abordagem mais lúdica, para “soltar” o público e quebrar o gelo.

Conteúdo adequado ao público-alvo: parece óbvio, não é?

Em seguida, o publicitário Marco Brandão, organizador doTEDx Rio, falou sobre técnicas de apresentação e da habilidade de contar umaboa história. Ele mostrou o vídeo How to Sound Smart in Your TEDx Talk,com o ator norte-americano Will Stephen, que mostra com muito humor um modelode apresentação “padrão” e nos faz refletir sobre o quanto uma palestra podeser inócua e vazia se o conteúdo não for adequado, em termos de clareza eobjetividade, aos interesses e conhecimentos prévios do público-alvo.É imperdível, vale assistir!

Internacionalização de boas ideias

A bióloga Marcela Uliano, doutoranda do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF/UFRJ), contousua experiência do Science Slam para o TED Fellows Program. Este programa contacom uma rede de 400 pessoas, entre cientistas, artistas, ativistas,empresários, jornalistas, médicos e inventores, que colaboram de formatransdisciplinar com o objetivo de gerar mudanças positivas pelo mundo afora.

Anualmente, o TED seleciona um grupo de pessoas através deum rigoroso processo de seleção para se tornarem TED Fellows. O TED – um acrônimo de Tecnologia,Entretenimento e Design – é uma série de conferências realizadas na Europa, naÁsia e nas Américas pela Fundação Sapling, dos Estados Unidos. Destinadas a comunicação de “ideias quemerecem ser disseminadas” e sem fins lucrativos, suas apresentações sãolimitadas a dezoito minutos e os vídeos são amplamente divulgados na Internet.

O grupo foi fundado em 1984, e a primeira conferênciaaconteceu em 1990. As sedes da Fundação são em Nova Iorque e Vancouver. Em 2009,foi criado um programa chamado TEDx, organizado regionalmente, de formaindependente, que reúne pessoas para dividir uma experiência ao estilo TED.Hoje há eventos TEDx espalhados por todo o mundo.

Os critérios para ser um TED Fellow se baseiam empersonalidade marcante, realizações significativas e abordagem criativa para asolução dos mais difíceis problemas mundiais. Os membros novos e os antigos se reúnem numa Conferência Anual, onde trocam ideias einteragem com a crescente comunidade TED. Apresentam seus TED Talks, divulgandosuas ideias originais para o mundo. Participam de sessões profissionais detreinamento e tutoria, assim como com especialistas em relações públicas.Integram, assim, uma ativa rede global online e frequentam encontros regionais,onde os brain stormings acontecem.

Marcela destacou o desenvolvimento de sua autoconfiançadesde que se tornou Ted Fellow, através da interação com líderes globais quepodem vir a ser seus parceiros profissionais, colaboradores, apoiadores oumentores. Ela estimulou os participantes que se sintam potenciais Ted Fellowsque apliquem – as inscrições para 2017 já estão abertas, até o dia 13 de novembro.

O que é importante x o que é interessante

O biofísico Mauro de Freitas Rebelo, professor adjunto daUniversidade Federal do Rio de Janeiro e autor do blog Você que é biólogo foi um dos responsáveis pelo coaching científico dos finalistas. Ele afirmou que fazeruma boa apresentação nada mais é que contar bem uma história, com começo, meioe fim. Na história mais recente do desenvolvimento humano, a inteligência se manifesta enquanto coevolução da linguagem e do cérebro. “E ainteligência está associada à capacidade de contar boas histórias, porque criavantagens competitivas”, esclareceu Mauro.

Só que, para tanto, a seleção da informação a ser exposta é primordial.Segundo Rebelo, até 2002 foram reunidos 12 bilhões de GB de informação nos computadoresda rede mundial. De 2002 a 2004, esse número foi quadriplicado. Hoje, aquantidade de bilhões de GB de informação na internet dobra a cada dez meses.

Diante desse quadro de crescimento exponencial da quantidadede informação disponível, Rebelo destacou que não há como passar todo oconteúdo referente a um determinado tema, sobre o qual o pesquisador se debruçapor anos a fio, em poucos minutos. Portanto, é preciso ser extremamente criteriosoem identificar as prioridades e escolher bem as palavras. Ele destacou quesaber diferenciar o que é importante do que é interessante e saber quando e queprioridade dar a cada coisa é a questão que está no âmago da comunicaçãocientífica. “O que é importante é o que afeta a vida de muitas pessoas. Oresto pode ser interessante para alguns e menos para outros. A não ser a vidadas outras pessoas, pelo que todo mundo se interessa”, brincou o pesquisador.

Mas a brincadeira tem um fundo de verdade. Rebelo explicouque uma das técnicas de captar a atenção do público é falar da vida dos outros,inclusive da sua. “Trazer um pouco da sua história associada às coisas que vocêacha importantes as torna interessantes”, ensinou.

Ele estimulou os participantes a gravarem duas chamadas dedois minutos, o que corresponde a aproximadamente 300 palavras, explicando seutrabalho: Um “síncrono”, que seria dirigido aos treinadores do evento, e outro”assíncrono”, voltado para a câmera. E essa foi a atividade prática do workshop: todos os participantes que quiseram gravar saíram com seu “pitch”gravado, um bom começo para analisar sua postura, sua seleção de conteúdo e tudo mais que foi colocado pelos treinadores naquele dia. E, a partir daí, melhorar sua comunicação com o público.

Uma boa mistura de ciência correta e bem humorada

O vencedor do Science SlamBrazil 2015, Leonardo Parreira, é biomédico e doutorando de Ciências daSaúde na Unifesp. Fundador do Grupo Gatu de Comunicação Científica, apresentouum padrão que é consenso como modelo de boa apresentação – e do qual elediscorda em parte. É o chamado padrão 1:6:6 – uma ideia por slide, seistópicos, seis palavras por tópico. Para ele, a ideia geral parece boa. Mas se aseleção de informação não for bem feita e se as seis palavras para cada tópiconão forem bem escolhidas, não adianta seguir o modelo. “Vocabulário técnico semexplicações não contribuem em nada para a compreensão do conteúdo”.

Leonardoexemplificou com um título de uma apresentação de um pesquisador, cujo vídeo está no You Tube: “Investigating the Use of Phragmites australis (Trin Ex. Steud) as an Energy Feedstock for Anaerobic Digestion in Ontario, Canada”. Instado a criar um título com apelopara o público, ele chegou a “Tall grass biomass for biogas”, que perde natradução por conta da sonoridade das palavras, mas significa “Biomassa de gramaalta para biogás”. Ainda não tendo alcançado comunicabilidade total com estetítulo, o autor foi provocado e chegou ao seguinte título final: “The power ofplants farts”, algo como “O poder dos puns das plantas”. “Esse título pode serentendido por qualquer pessoa”, concluiu, bem-humorado.

Para ele, é fundamental queantes de montar uma apresentação se faça um roteiro bem detalhado, como sefosse um texto de teatro, com o cuidado de adequar todas as palavras aopúblico-alvo. Em relação a gráficos e tabelas, Leonardo também foi bastanteenfático: vale ater-se apenas aos dados significativos, aqueles que realmente importam.”Muitas vezes, de uma tabela enorme só o que interessa realmente para acomunicação com o público é a última coluna. Então, esta coluna pode sertransformada num gráfico simples e objetivo. E manter o padrão de uma ideia porgráfico.” Para ajudar nisso, Leonardo sugeriu o site Infogram. “Lá a pessoainsere os dados, escolhe o formato e sai pronto, bonito e bem feito.”

Um ponto apontado pelopalestrante, e muito importante na comunicação científica, é o uso do humor. Segundopesquisas na área da publicidade, a alegria estimula o desejo de aprender. E oque torna algo engraçado? Para Leonardo, primeiro ponto: o próprio palestrante precisaachar graça na piada. E até para piada existe um modelo: no TED Talk de PeterMc Graw, ele mostra que a piada fica na interseção entre o benigno e aviolação. O exemplo dado por Leonardo foi o do vídeo: o ato de fazer cócegas em um estranho. É benigno, porque não tem nenhuma má intenção. Mas tem um quê de violação, namedida em que alguém toca no corpo do outro sem a “permissão” dele. Fechando otema do humor, há a distorção cômica. “A informação real somada à distorçãocômica gera a piada”, explicou Leonardo.

Obter informações prévias sobreo público presente também é ótimo para o palestrante, porque permite que ele,mesmo que não faça parte daquele universo, utilize exemplos que digam respeitoàquele conjunto de pessoas. Isso aproxima o público e gera interesse.

E, por fim, o “efeito” chamadode call back. Alguma informação relevante que tenha sido explicada ou comentadano início da apresentação, não necessariamente uma coisa engraçada, é retomadano final sem que os ouvintes esperem por isso. É o que dá a sensação boa deconclusão da palestra. Leonardo mostrou então um vídeo de 135: um comercialda Shell sobre biocombustíveis que é uma excelente peça de comunicaçãocientífica, pois trabalha bem a seleção de informação, a linguagem, o humor e ocall back, enfim, tudo que foi visto na sessão de coaching. Assistam e tiremsuas próprias conclusões!

O Grupo Gatu, que Leonardo Parreira integra, promove a Liga Nacional de ComunicaçãoCientífica, com o projeto 5 minutos de ciência. Nesse programa, o grupo entrevistaalunos de pós-graduação e os estimula a apresentar suas pesquisas em cincominutos, de forma original e criativa. E ele destaca fortemente que quantomenor o tempo de apresentação que o palestrante tiver disponível, mais tempoela deve usar preparando-a. Acesse a página do Grupo no Facebook e veja quantasdicas interessantes e vídeos com excelente nível de comunicação você vaiencontrar!

Sucesso na internet depende de muito estudo

O comunicador científico Atila Iamarino começou contando suaprópria história – bem de acordo com as dicas dadas no coaching. Durante o doutorado em virologia, Átila começou um blog dedivulgação científica. Já no pós-doutorado pelo Instituto de CiênciasBiomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), lançou o canal Nerdologia,no YouTube – que já tem mais de um milhão e meio de pessoas inscritas.

Seu sucesso veio com muito empenho e estudo. Ele citou DominiqueBrossard, diretora do Departamento de Comunicação de Ciências da Vida na Universidade de Wisconsin-Madison (EUA) que, em artigo publicado pela NAS (Academia de Ciências dos EstadosUnidos), mostrou resultados de sua pesquisa sobre o cenário do interesse online por ciência. Brossard explica que as pessoas procuram por ciência na internetpelo interesse educacional, por estar associada a eventos midiáticos e paraconferir opiniões sobre assuntos já conhecidos.

A partir daí, Átila Iamarino foidesenvolvendo pesquisa própria, tendo como objetivo tornar seu conteúdo acessívele interessante para quem não está buscando por ciência na internet. E ele resumiualguns tópicos importantes. O primeiro é reconhecer o poder de uma história. Históriasbem contadas, que contenham conteúdos de economia, história e ciência, são asque mais fazem sucesso. O segundo é reconhecer o poder do contexto social. Até2014, o Facebook e o You Tube eram as mídias sociais mais acessadas do mundo.Hoje, o Snapchat já passou a frente. “E outros se sucederão: precisamos estarsempre atentos e à frente”, comentou Átila. Como exemplo de informação adequadaao contexto, Átila citou um vídeo do geneticista Eli Vieira, emresposta às posições do pastor Silas Malafaia sobre homossexualidade. O vídeo -que dura 15 minutos, quase umlonga-metragem para o padrão do You Tube – já teve mais de um milhão e setecentasmil visualizações.

A seguir, Iamarino valorizou o pré-roteiro para vídeos decomunicação científica. E para isso, colocou muitas questões. Qual o propósito do vídeo? Se refere a um problemaque o ouvinte desconhece? Esta questão é bem explicada? Há uma atitude a sertomada que está sendo negligenciada? E para preparar bem a mensagem, há fatosque a embasam? Quais os fatos mais claros e compreensíveis e qual a confiabilidadedas fontes? Quais são os contra argumentos? Você está preparado para respondera eles?

Com relação ao modo de transmitir a mensagem, Iamarino tambémfoi simples e contundente: a mensagem tem que ser transmitida de forma clara,fatos controversos devem ser tratados com cuidado e a empatia pelos contraargumentos funciona bem para facilitar a compreensão. Destacou ainda queautoridade conta: cientistas são tidos como confiáveis, de acordo com pesquisa de percepção pública de ciência, conduzida pelo CGEE/MCTI 2015. Números são importantes, mas sempre contextualizados e apresentados deforma compreensível. E concordou com Leonardo Parreira, reforçando quemensagens pessoais são mais bem recebidas. “Fica mais fácil de transmitir suapaixão”, resumiu.

Então, a recomendação final do especialista para a produçãode vídeos e apresentações de comunicação científica é: cinco minutos, com boa seleção doconteúdo. “Serão selecionados alguns fatos, portanto, a mensagem será sempre incompleta. Mas o objetivo primordial é contextualizar o conhecimento.”