Falar em fome quando temos alimento em abundância é algo complicado. Mas a segurança alimentar é um assunto que vem preocupando cada vez mais especialistas no tema, chefes de Estado e a Organização das Nações Unidas (ONU). Por isso, este foi o tema da palestra do Acadêmico Evaldo Vilela, engenheiro agrônomo, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Fapemig) e professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), na 68ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em julho na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), em Porto Seguro.

A população mundial, em 2030, vai passar de 8 bilhões de pessoas, e isso ameaça alguns aspectos da sustentabilidade. Em relação à demanda por alimentos, há o problema população x localização de recursos naturais. “O crescimento populacional se dá na Ásia quando lá não há um metro quadrado livre para plantar mais nada”, afirmou Vilela. Em 2050, o desafio será alimentar 9 bilhões de pessoas, e o assunto foi abordado pela revista Nature, que taxou: o Brasil tem uma importante missão.

Em relação à produção, temos perdas gigantescas de alimentos que o mundo não pode mais suportar. “A alface de manhã é boa no mercado, mas às seis da tarde ela não serve mais para nada. Essa perda tem que ser combatida, faz parte do processo de segurança alimentar.” Sustentabilidade é a garantia do alimento entregue com responsabilidade ambiental, afirmou a ONU em 1982. “A ciência brasileira fez e pode fazer muito pela sustentabilidade do sistema agrícola e pela segurança alimentar. Ela avançou muito graças às discussões travadas na SBPC e na Academia Brasileira de Ciências (ABC). Por exemplo, a resposta à questão da zika, chikungunya e dengue foi um espetáculo: montamos uma base científica.”

Vilela ressaltou que é sempre bom lembrar que a agricultura, desde sua invenção, é uma intervenção na natureza, que a agride, mas é necessária para a produção de alimentos. “Nos cabe trabalhar para ter mos uma agricultura que respeite ao máximo o ambiente, não afetando-o a ponto de nos afetar.”

Ele informou que 500 mil propriedades agrícolas andam por conta própria no Brasil, mas 4 milhões delas estão à margem da tecnologia e não têm recursos. Segundo Vilela, a agricultura sozinha não resolverá a questão da pobreza, e a transferência de tecnologia continua sendo uma vulnerabilidade para a segurança alimentar e a preservação ambiental. “Não adianta dar tecnologia e não dar mercado”, comentou.

Em 1956, quando Juscelino Kubitschek preparou a conquista da região, era como se o Centro-Oeste não existisse. Os campos de cerrado do Brasil estavam entre as terras mais degradadas do planeta, e o ditado popular na época era “Cerrado: só dado ou herdado”. A região não tinha capacidade de sustentar nada, e os nativos colocavam fogo para cercar a caça e para obter a rebrota para o gado. Todo o processo gerava empobrecimento do solo.

Importância dos fertilizantes

Vilela afirmou que o solo brasileiro é extremamente pobre de uma maneira geral, com baixa fertilidade. Poucos solos no país dispensam fertilizantes, diferentemente dos solos americano e argentino. “Na Argentina, com muito menos terra produz-se muito mais e sem fertilizante, então é mais barato. Mas temos uma coisa maravilhosa que outros países não têm: nossos solos são muito bem estruturados, então são muito fáceis de se usar fertilizantes.”

Em 1957, o professor da Universidade da Carolina do Norte Alfredo Scheidt fez o primeiro estudo sobre o solo do Cerrado, mencionando a possibilidade de corrigi-lo. “Foi aí que a ciência brasileira começou a crescer em relação à fertilização desse solo para produção de alimentos. Viram que sem fertilizante não era possível produzir.” E m agosto de 2008, o vencedor do Prêmio Nobel da Paz, Norman Borlaug, afirmou que “não há milagres na produção agrícola, é um problema básico, alimentar 6,6 bilhões de pessoas. Sem fertilizante, esqueça. O jogo está perdido.”

Ainda assim, a situação é preocupante. O potássio, uma das principais bases para fertilizantes, está cada dia mais escasso. “O Brasil está pensando em extrair potássio do fundo do mar. Sem esse elemento, não se tem produção agrícola.” Atualmente, ele é importado e o Brasil consome 14% do potássio no mundo. A China consome 19% e os Estados Unidos, 16%. O país está competindo por esse elemento, que é fundamental para a segurança alimentar. Vilela apontou, ainda, que gastamos 2/3 dos fertilizantes que consumimos na cana de açúcar, milho e soja.

De 1992 a 2012, a área cultivada no Brasil cresceu 1,5 vezes, mas a produção de grãos cresceu quase três vezes e o consumo de fertilizantes cresceu 3,5 vezes, o que demonstra a importância desses adubos. “Basicamente, o que temos que buscar é corresponder à necessidades do crescimento populacional e da produção de alimentos e, ao mesmo tempo, proteger o meio ambiente, a biodiversidade e mitigar as mudanças climáticas”, ressaltou Vilela.

Agricultura tropical

Na década de 70, o Brasil usava sementes de soja desenvolvidas para a realidade climática dos Estados Unidos, que requeriam 16 horas de sol. “Só dava para plantar no Rio Grande do Sul”, recordou. Hoje a soja é plantada no Piauí, graças à pesquisa brasileira. Vilela comentou que o Brasil importava 30% dos alimentos, até que o professor da Universidade Federal de Lavras Alysson Paolinelli, que foi ministro da Agricultura, criou o Programa de Incremento da Capacidade Agrícola de Minas Gerais (PIPAEMG), embrião da Embrapa, dando início ao fortalecimento da pesquisa agrícola.

A agricultura tropical é um orgulho para o Brasil e é um trunfo da ciência, tecnologia e inovação (CT&I), combinados com o empreendedorismo dos produtores e fruto das universidades brasileiras e da Embrapa. Com ela, o Brasil passou de importador de alimentos para exportador. Tem hoje sistemas eficientes, cultivo mínimo, agricultura de precisão, controle biológico, cultivos transgênicos, sistemas integrados de produção intensiva e tecnologias tropicais.

“Hoje, se não fosse o agronegócio e agricultura, o Brasil não teria dinheiro. O que está mantendo o país são as exportações agrícolas”, afirmou Vilela. Atualmente, não importamos quase nada. Nossos maiores compradores são a China, Estados Unidos, Alemanha e Japão, e somos o segundo maior exportador do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. “Exportação de alimentos virou uma vocação do Brasil. Investir em ciência significa investir em produtividade, e investir em produtividade significa deixar de desmatar novas áreas.”

O engenheiro agrônomo norteamericano Norman Borlaug, que fez revoluções com a genética de milho e trigo e salvou um bilhão de vidas, disse que, sem agricultura tropical, o mundo não conseguiria superar o desafio da segurança alimentar. Alysson Paolinelli diz que o próximo salto da produção consiste em um melhor conhecimento dos biomas, envolvendo a interação com a água, plantas, animais, vegetais e clima. “Sem entender os biomas não tem como produzir”, pontuou Vilela. “Temos que promover a integração lavoura-pecuária-floresta. É a grande saída para a sustentabilidade, junto com o diálogo com a sociedade.”