Aos 81 anos, faleceu, no dia 17 de julho, o médico e farmacologista Sérgio Henrique Ferreira, internado na Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HC-UE). Ele se notabilizou mundialmente ao identificar no veneno da jararaca uma substância que ativa o efeito redutor na pressão arterial.
Nascido em Franca (SP), em 1934, Ferreira completaria 82 anos no próximo dia 4 de outubro. O médico, formado em 1960 pela Faculdade de Medicina de São Paulo, começou a trabalhar, em 1961, no Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto sob a orientação do Acadêmico Maurício Oscar da Rocha e Silva.
Nessa época, Ferreira colaborou com as pesquisas sobre o uso da bradicinina no tratamento da hipertensão e detectou no veneno da jararaca um peptídeo que potencializava intensamente os efeitos farmacológicos da bradicinina, ganhando notoriedade no Brasil e no exterior.
Esse trabalho foi desenvolvido no Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão, e criou as condições necessárias para o desenvolvimento do medicamento Captopril, para hipertensão.
Ferreira foi membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) desde 1984 e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) no período de 1997 a 1999. Recebeu da entidade o título de presidente honorário.
Ferreira fez seu pós-doutorado em Londres, na Royal College of Surgeons, sob a orientação do vencedor do Prêmio Nobel de Medicina de 1982 John Robert Vane. O Acadêmico participou dos trabalhos que levaram à conquista do prêmio, sobre a descoberta dos processos bioquímicos de drogas analgésicas, como as aspirinas.
Nos anos 70, quando voltou a morar em Londres, Ferreira trabalhou novamente com Vane e também atuou como diretor de pesquisa da indústria farmacêutica Wellcome. Além dos trabalhos sobre os processos bioquímicos da dor e da inflamação, os dois pesquisadores editaram livros que se tornaram referências nesse campo de estudo.
Em 1981, já no Brasil, Ferreira e seus colegas fundaram o períodico “Brazilian Journal of Medical and Biological Research”, uma das primeiras revistas científicas do Brasil indexadas pelo Instituto de Informação Científica (ISI). Em 1983, recebeu o Prêmio Ciba de Hipertensão, da Associação Americana do Coração. Em 1990, a Sociedade Norueguesa de Hipertensão criou a premiação “Ferreira Award”, para homenagear pesquisadores dessa área.
Ainda em 1990, também recebeu prêmios da Sociedade Interamericana de Farmacologia Clínia e Terapêutica e da TWAS, então chamada Academia de Ciências do Terceiro Mundo. Além disso, recebeu a Ordem Nacional do Mérito Científico e o título de professor emérito da USP e membro da Fundação Nacional da Ciência dos Estados Unidos (NSF).
O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e outras instituições lamentaram o falecimento de Sergio Henrique Ferreira.
A ABC também demonstra profunda tristeza pela perda deste grande cientista e oferece seus mais sinceros sentimentos à família. Deixamos, abaixo, o discurso de Sergio Henrique Ferreira ao receber o prêmio Almirante Álvaro Alberto do CNPq, em 2008:
“Todos sabem que o Prêmio Almirante Álvaro Alberto é a mais alta distinção cientifica brasileira, criada pelo CNPq, em homenagem ao seu primeiro Presidente. Ele ressurgiu recentemente com o apoio da Fundação Conrado Wessel.
 
Um prêmio representa o reconhecimento de alguma qualidade ou mérito. Agradeço a perspicácia do comitê de escolha que, depois de alguns dias e de muitos cafezinhos, acabou me elegendo como o cientista deste ano.
 
Esta escolha deixou-me muito contente, feliz e acho que até um pouco orgulhoso, pensando que quando moleque era um estudante carimbado de vagabundo e sem futuro acadêmico.
 
Mas quero deixar claro que minha contribuição cientifica resultou da complexa e criativa associação com vários professores, colegas, técnicos e estudantes, bem descrita nestes versos de João Cabral de Melo Neto:
 
Um galo sozinho não tece uma manhã…
Ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
E o lance para outro;
De outro galo que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro, e de outros galos, que com muitos outros galos
se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo
para que a manhã (a nossa ciência )
desde uma teia tênue se vá tecendo, entre todos os galos”
 
E completamos o poema de Melo Neto, cuja última frase certamente se presta a uma última homenagem:
 
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Muito obrigada por tudo e vá em paz, Sergio Henrique Ferreira, luz balão.