Cerca de 20 novos vírus transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti podem entrar no Brasil durante as Olimpíadas, em agosto. A informação é dos pesquisadores Pedro Vasconcelos, diretor do Instituto Evandro Chagas, e Rodrigo Brindeiro, do Departamento de Genética e Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Eles participaram de uma sessão sobre o vírus da zika na Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que comemorou o centenário da instituição e foi realizada no Museu do Amanhã, Rio de Janeiro, de 4 a 6 de maio.
Rodrigo Brindeiro; a Acadêmica Helena Nader, que coordenou a sessão sobre zika; e Pedro Vasconcelos
Segundo os pesquisadores, o risco é que esses novos vírus entrem no país por meio dos turistas do mundo inteiro que vêm ao Rio de Janeiro participar das Olimpíadas. “São vírus que já circulam na África, Ásia e Oceania”, afirmou Pedro Vasconcelos, explicando que, provavelmente, foi dessa forma que o vírus da zika chegou ao Brasil, durante a Copa das Confederações, realizada em 2013. Na época, havia um surto grande de zika na Polinésia Francesa, e uma das seleções que participou da competição foi o Taiti – que ficou hospedada em Recife, Pernambuco, justamente onde a predominância do vírus foi uma das mais altas.
O zika é um tipo de arbovírus, aqueles que são essencialmente transmitidos por artrópodes, como os mosquitos. Alguns deles causam epidemias, como o zika, dengue e chikungunya, e os sintomas podem ser desde uma síndrome febril e febres hemorrágicas até encefalite e problemas neurológicos, como microcefalia. No entanto, muitas vezes as infecções são assintomáticas. É o caso da zika: em cerca de 80% dos casos, o infectado não tem sintoma algum.
Isso tem influência na dispersão do vírus. Uma vez que muitas pessoas são infectadas e não sabem, a propagação do vírus é facilitada. Por isso, o zika vírus foi detectado no Brasil apenas em abril de 2015 e alastrou-se tão rapidamente pelo país – em dezembro, já estava presente em 19 estados e, hoje, está em todo o território brasileiro. O transmissor é o mosquito Aedes Aegypti, responsável por transmitir também a dengue, chikungunya e febre amarela – que, após 30 anos sem epidemia, voltou a se espalhar pela Angola e está se disseminando na República Democrática do Congo, Quênia, Uganda e outros países africanos.
Foi em fevereiro de 2016 que, por conta de sua relação com a microcefalia, o zika passou a ser considerada uma questão emergencial . “Um vírus obscuro tornou-se global, causando vários problemas de saúde pública”, destacou Vasconcelos. Além disso, o arbovírus sempre foi associado à transmissão vetorial, mas, no caso do zika, foram observados vários mecanismos não usuais de transmissão, como pelo sêmen, urina e até saliva. “Eu acredito que está acontecendo muita transmissão sexual que não estamos sabendo porque os casos são assintomáticos.” Vasconcelos acrescentou que a transmissão do vírus já foi constatada até mesmo em casos de doação de sangue e transplante de órgãos.
“Nas Américas, a dengue levou 20 anos para se disseminar, chikungunya levou três anos, e zika, um ano”, apontou Vasconcelos. “E hoje, já há notificação em mais de 60 países.” O pesquisador informou, ainda, que foram feitos alguns levantamentos que mostraram uma probabilidade maior de que pessoas com diabetes, lúpus e outras desordens de imunidade desenvolvam formas mais graves de zika. “Isso não significa que elas vão necessariamente morrer, mas que a ocorrência dessas formas é facilitada.” Outro fator preocupante é que o zika pode causar lesões gravíssimas no olho, levando até mesmo à cegueira parcial ou total.
Prevenção
A pulverização de inseticida, conhecida popularmente como fumacê e usada normalmente para combater o Aedes Aegypti, mostrou-se ineficaz, comentou Vasconcelos. O uso individual de repelente também não funciona. Segundo o pesquisador, a única solução eficiente para combater a disseminação do vírus é destruir os criadouros, o que é muito difícil. “Temos que criar medidas para combater os criadouros até o fim das Olimpíadas, senão teremos problemas com a entrada de outros vírus.”
Não há vacina contra o zika, mas há alguns experimentos sendo feitos. Um dos desafios é produzir vacinas e medicamentos que possam ser usadas por gestantes. “Estamos desenvolvendo duas abordagens de vacinas. Uma é fazendo atenuações na amostra do vírus induzindo mutações, para uso geral nas mulheres em idade fértil. O outro tipo teria função terapêutica inclusive para as gestantes após a infecção.”
Vasconcelos atentou para o fato de que é preciso investigar o que o zika pode causar a médio e longo prazo. “Já temos visto problemas de surdez, cegueira, problemas cardíacos etc. No caso da rubéola, por exemplo, sabe-se que, a longo prazo, causa diabetes tipo 1.”
Rodrigo Brindeiro, da UFRJ, ressaltou que também é necessário pesquisar por que esse vírus provoca diferentes afecções em cada indivíduo – é assintomático em uns, gera febres cutâneas em outros e problemas neurológicos graves em outros, como a Síndrome de Guillain-Barré, uma condição rara em que o sistema imunológico ataca células dos nervos periféricos, e a microcefalia neonatal.
No caso da microcefalia em recém-nascidos, Brindeiro informou que os casos aumentaram violentamente de 2015 até hoje, especialmente no Nordeste, e o quadro deve ser o mesmo no Rio de Janeiro dentro de pouco tempo. “No Grande Rio já temos um número alto de pessoas afetadas. A microcefalia tem uma série de causas possíveis.: desordens genéticas, intoxicação química e por drogas, malnutrição materna e infecção por vírus e bactéria.”
O perfil sociodemográfico de mães dos recém-nascidos com microcefalia mostra que elas têm, em geral, pouca idade – média de 25 anos – e uma renda muito baixa. São, em geral, donas de casa. “Microcefalia é só a ponta do iceberg. Por que , por exemplo, não foi detectado o mesmo na África, Ásia, Oceania?”
Brindeiro informou, ainda, que também já foram detectados vários casos de dupla infecção. “É um quadro clássico: são pessoas que tiveram uma cura aparente e, um ou dois meses depois, voltaram com o mesmo quadro ou agravado. Então a reativação do zika é possível? Há, também, uma confusão de diagnósticos sindrômicos – muitas vezes, confunde-se muito zika com chikungunya.”
Um possível medicamento
Brindeiro afirmou que os pesquisadores de sua equipe estão caminhando na elaboração de medicamentos, principalmente para mulheres grávidas. Eles conseguiram isolar o vírus zika usando cloroquina, um medicamento já utilizado contra a malária. Estudos feitos em laboratório mostraram que a cloroquina foi capaz de proteger neuroesferas, estruturas celulares que reproduzem o cérebro em formação, em até 95%. “Não tem contraindicação para gestantes”, comemorou.
O pesquisador reconheceu a urgência para desenvolver medicamentos que possam lidar com a epidemia e ressaltou o potencial do país nesse sentido: “O Brasil mostrou que, mesmo com pouco investimento na pesquisa foi possível avançar. Imagina, então, se houvesse investimento, o que não seríamos capazes de fazer?”