Cientistas defenderam o enxugamento das propostas de conteúdo de aprendizagem e mais clareza aos objetivos da Base Nacional Curricular Comum (BNC) – o instrumento que servirá de referência para escolas públicas e privadas da educação básica do País. Eles recomendaram também o estímulo à experimentação da ciência nas instituições de ensino e menos pressa na elaboração do documento do Ministério da Educação (MEC) disponível para consulta pública desde abril do ano passado.
Esses foram alguns dos principais pontos discutidos com o diretor de Currículo e Educação Integral do Ministério, Ítalo Dutra, na reunião do órgão com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e demais sociedades científicas, na sede do MEC, em Brasília no dia 8 de março. O foco deste segundo debate do MEC com os cientistas sobre a Base foi a área de Ciências da Natureza.
Presente ao encontro, o vice-presidente da SBPC e professor do Instituto de Física Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ildeu de Castro Moreira, analisou a versão preliminar do documento e considerou a proposta muito “densa”, com deficiências acentuadas. O pesquisador defendeu que é preciso enxugar o texto e também dar mais clareza aos objetivos.
Moreira defendeu, ainda, mais integração entre as disciplinas, porque muitas delas, no ensino médio, em particular, como Física, Química, Biologia e Matemática, trabalham de forma desconectada.
“É muito importante termos na Base as conexões interdisciplinares, resguardadas as especificidades. O mundo é interdisciplinar, caso contrário apresentamos às crianças e aos jovens os conhecimentos muito fracionados, ainda mais no atual momento em que a massa de informação é gigantesca”, considerou.
Tendências da educação
Outro ponto defendido pelo vice-presidente da SBPC é a necessidade de a BNC considerar a tendência atual do ensino, que enfrenta várias mudanças. “Hoje as pessoas têm uma conexão com o mundo, pela Internet, de forma fantástica”, disse. “É preciso centrar fogo nas grandes ideias, nas práticas, no fazer, na visão da Ciência e passar isso para as escolas de maneira mais adequada”, acrescentou.
Moreira recomendou a consideração desses pontos a fim de evitar que os ensinos de Física, Química e Matemática fiquem “muito” atrasados em relação à realidade escolar, gerando evasão e desinteresse dos alunos ao conteúdo aplicado em sala de aula.
Nesse contexto, o ele reconheceu o desafio de tornar o ensino mais interessante e que estimule a participação dos jovens. “Isso não se resolve somente com a definição de uma Base. Mas queremos que, na sua proposição, isso seja colocado como ponto importante”, defendeu.
Dessa forma, ele pontuou como essencial a articulação política e o entendimento dos diversos parceiros estaduais e municipais sobre como esses pontos podem ser trabalhados dentro das discussões.
Base não é a solução para todos os problemas
Apesar de defender a Base como instrumento importante para ser adotado na educação básica nacional, o vice-presidente da SBPC reforçou que o documento “não é a solução” para todos os problemas da educação brasileira. “Temos apontado ser fundamental, para melhoria da educação, muitas outras questões essenciais, como as condições (de valorização) para os professores e questões adequadas nas escolas (infraestrutura). Dado isso, a Base é um instrumento que pode renovar a educação e dar uma linha mais definida, especificamente à Ciência da Natureza”, analisou.
Também presente ao debate, a secretária-geral da SBPC, a bióloga Claudia Masini dAvila-Levy, fez uma avaliação do resultado da reunião e esclareceu que a Base é apenas “um documento norteador”, porque quem adota os currículos são as escolas.
A bióloga concorda que a solução para a falta de qualidade da educação – o que gera “muita angústia” aos brasileiros -, passa por um conjunto de ações, como valorização da profissão e da escola. E acredita que o Ministério da Educação esteja ciente disso.
Levy lembrou que o Brasil passou por um momento de universalização nas últimas décadas, mas que esse processo não foi acompanhado pela manutenção da qualidade da escola pública.
Em outra frente, o presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o físico Ricardo Magnus Osório Galvão, que também participou do debate, disse que a Base é um instrumento importante e que, a exemplo do que aconteceu em outros países, vai dar uma orientação para as escolas sobre o que deve ser ensinado em todo o país. “Os grandes países têm uma base semelhante e isso tem que ser feito aqui”, recomendou.
Pressa pode levar ao desuso da Base
Por sua vez, a secretária-geral da SBPC chamou a atenção para as críticas direcionadas à pressa na elaboração do documento, embora o MEC venha exercendo um papel importante de ouvir todas as partes interessadas na melhoria da educação nacional. “Esse não é um documento que possa ser feito às pressas”, alertou.
Na análise de Levy, as consequências da pressa é o risco de a Base cair em desuso. “Já estamos vivendo as consequências de se fazer uma Base às pressas. A Base tem que ser um instrumento que sirva de amparo às escolas e professores. Mas, por outro lado, o MEC tem buscado muito diálogo e tem chances de gerar um documento que tenha repercussão e aplicabilidade nas escolas”, observou.
Outro ponto criticado na Base pelos cientistas são os exemplos adotados para contextualizar as disciplinas, como a de Física. Um exemplo que Levy cita é o fato de colocar a energia nuclear apenas como armamento, ao invés de destacar a importância do desenvolvimento do reator Multipropósito para criação de fármacos, uma prioridade do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
“É preciso tomar cuidado com os exemplos. Isso foi bastante criticado por todos, gerando até um consenso que, aliás, servirá para enxugar o documento”, destacou a bióloga.
Com posicionamento semelhante, o presidente da SBF esclareceu que na área de Física, especificamente, existem vários pontos do documento da Base em que a justificativa não está “muito clara” e demonstrou preocupação ao observar exagero na contextualização da disciplina.
“A contextualização é um aspecto importante, mas, se exagerarmos nessa questão, podemos prejudicar a parte fundamental da Física – que é o conceito”, opinou. Galvão também concordou que o exagero deve-se à pressa na proposta de contextualização da disciplina.
Estímulos à experimentação da Ciência
O presidente da SBF destacou, ainda, a importância de dar mais enfoque à parte experimental da Física para facilitar o entendimento do conceito da disciplina. “As escolas brasileiras, praticamente, não têm atividades experimentais e, sem isso, não dá para aprender os conceitos. Assim, fica apenas um decoreba de formas e o aluno fica sem saber como as coisas funcionam de fato. Espero que eles mudem isso”, sugeriu.

Já o vice-presidente da SBPC ressaltou que para aprender Ciência as pessoas precisam praticá-la o mais cedo possível: “Crianças desde o infantil têm curiosidade. Então temos que introduzir elementos de ciência desde cedo e dar condições para as escolas fazerem isso”.
Avaliação do MEC
O diretor de Currículo e Educação Integral do MEC informou que os pontos do debate serão encaminhados à comissão de especialistas e comitê de assessores, a serviço do MEC no processo de elaboração da proposta preliminar da Base.
“A partir da conversa com as instituições científicas faremos uma nova rodada de análises para ver o que avançou na proposta preliminar. Faremos outra reunião, em meados de abril, para que sejam apresentados os avanços que foram incorporados dos pontos apresentados aqui”, explicou.
Na reunião, o Ministério deixou claro aos cientistas que a primeira versão preliminar está longe do ideal e acredita no aprimoramento da segunda versão da Base.
Dutra lembrou que alguns pontos levantados pelas sociedades científicas já tinham aparecido nas discussões em audiências públicas e nas leituras da própria Base, como a importância de estabelecer coerência entre os objetivos e enxugar seu tamanho.
O documento fica disponível ao público até 15 de março, depois entrará na segunda fase da versão preliminar que será debatida em seminários municipais e estaduais pelo País.
Dados estatísticos
Na reunião, Dutra apresentou dados estatísticos de que até 15 de dezembro a Base havia recebido 15,3 milhões contribuições (de indivíduos, sociedade e fóruns). Os dados preliminares foram avaliados por especialistas Universidade de Brasília (UNB).
Claudia Levy destacou o fato de os especialistas terem identificado considerável concordância à Base e chamou a atenção para um dado curioso: 57,7% das contribuições partiram de escolas, cuja participação nos cadastros responde por um sexto (1/6) do total. “Isso mostra o grande envolvimento da comunidade escolar (professores, alunos, pais de alunos) e da sociedade brasileira na temática da educação”, elogiou.