No dia 25 de janeiro, a comunidade científica do Rio de Janeiro se reuniu na sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC) para a apresentação da proposta da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação 2016-2019. O evento teve a presença do ministro de CT&I, Celso Pansera, da secretária executiva do MCTI, Emilia Curi, do secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do MCTI, o Acadêmico Jailson de Andrade , do presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Acadêmico Wanderley de Souza .

Jailson de Andrade apresentou o documento e, em seguida, foi aberta uma discussão em que todos os presentes podiam fazer seus comentários, sugestões e críticas, que serão analisadas para, em seguida, possibilitar alterações na proposta. “É a primeira vez que o MCTI coloca esse documento para uma discussão ampla”, comentou. “Antes, ele era finalizado e depois divulgado.” O MCTI também recebe contribuições por e-mail, pelo endereço politicacti@mcti.gov.br, até o dia 29 de janeiro.

Celso Pansera informou que o documento ali apresentado já havia sido modificado com contribuições da ABC e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). “A ciência brasileira não pode sofrer nenhum atraso em função da falta de ação de ministros, pois eles deixam o Ministério, mas a ABC continua produzindo conhecimento e a ciência continua”, afirmou”. “O que for definido aqui vai nortear nossas atividades.”

O presidente da ABC, Jacob Palis, citou algumas de suas principais bandeiras e da comunidade científica para elevar no Brasil o patamar de CT&I. Um deles é um projeto de incentivos fiscais, “doações” para a ciência, que permitam um uso transparente de recursos destinados não apenas a insumos para a pesquisa, mas para diversas atividades científicas. “Precisamos de uma lei inédita e eficaz de doações para a ciência. Na Inglaterra, isso acontece há quatro séculos.”

Outro ponto defendido por Palis foi o aumento gradativo de investimentos em CT&I até se atingir um total de 2% do PIB – atualmente, esses recursos ficam em torno de 1% – para se chegar ao patamar de países como China e Coreia do Sul. Além disso, é preciso aumentar o número de cientistas no país. Eles são cerca de 600 por milhão de habitantes, enquanto em países desenvolvidos, são 2 mil.

Segundo Jailson de Andrade, um dos objetivos da proposta atual para a Estratégia Nacional de CT&I é mitigar as diferenças regionais e sociais do país. O secretário informou que o documento ainda é vago porque será detalhado nos planos setoriais. Ele também destacou que a intenção é que a Estratégia esteja articulada com outros Ministérios e instâncias de decisão, e que o documento leva em consideração as tendências internacionais em CT&I.

Os temas estratégicos são dez. Eles abrangem áreas como saúde (fármacos, biofármacos e medicamentos, medicina personalizada e regenerativa, doenças negligenciadas, equipamentos, dispositivos e kits para diagnósticos); bioeconomia (exploração sustentável da biodiversidade nacional, produção de biomassas); espacial (monitoramento de recursos ambientais e naturais, prevenção e mitigação de desastres naturais, defesa e segurança); e nuclear (radioisótopos e radiofármacos, energia nuclear e radiações, Reator Multipropósito Brasileiro).

Andrade apontou que um dos principais desafios a serem trabalhados é o monitoramento das inciativas e avaliação das políticas, o que foi endossado pelos cientistas no evento. De acordo com o ministro Celso Pansera, o país tem dificuldade de medir o resultado dos investimentos em ciência. “Não há medição; não sabemos qual o nível de eficiência que está sendo investido em ciência, tecnologia e inovação.” Os participantes também cobraram mais objetividade e menos burocracia.

Confira, abaixo, alguns dos comentários feitos na apresentação da proposta da ENCTI:

Luiz Davidovich, diretor da ABC: “O documento como está torna difícil o acompanhamento de ações, porque as metas e um cronograma de execução não estão claros. Noventa por cento dos itens desse documento coincidem com o Livro Azul da SNCT de 2010, que tem metas mais detalhadas. Ou seja, continuamos querendo o que foi proposto em 2010 e ainda não foi executado. A questão da avaliação precisa, de fato, ser enfatizada. Não só em relação a projetos científicos, mas também de intercâmbio como o Ciência Sem Fronteiras. Está na hora de fazermos uma avaliação crítica do CSF: o quanto funcionou, se o número [de intercambistas] é adequado etc. Outro tipo de avaliação fundamental para a sociedade, que esta pagando por isso, é a dos recursos dados para as empresas. Será que eles são de fato usados para inovações que não seriam feitas pela empresa naturalmente? Será que não vão para fluxo de caixa? Enfim, precisamos ser ousados e propor grandes projetos.”

Jerson Lima, diretor científico da Faperj: “A participação das Fundações de Amparo à Pesquisa também é importante, porque o sistema das FAPs praticamente dobra o orçamento do MInistério. O programa CSF, por exemplo, foi feito sem consulta às FAPs. É importante que esse documento seja um rascunho no qual temos que trabalhar.”

José Roberto Boisson, PUC-Rio: “Jacob está sendo modesto, pois investimento de 2% do PIB é coisa de 30 anos atrás. Hoje tem que ser mais, cerca de 3,8%. Se o governo quer que o Brasil cresça, tem que investir mais. Além disso, ainda hoje não ter métricas bem definidas é um problema. Quero que o Brasil escolha os nichos em que ele vai ser líder no mundo. Ficamos meio parados, os outros países avançam muito mais. É preciso ser mais objetivo e ter mais dinheiro, senão não adianta nada.” Sobre a busca pelos 2% do PIB de investimentos, Jacob Palis respondeu que o país nunca atingiu mais de 1,2% do PIB, portanto, se forem conquistados os 2%, já será um começo.

Elisa Reis, vice-presidente regional da ABC: “Fico contente de ver que as ciências sociais foram finalmente contempladas sem ser apêndice. Mas elas também poderiam ser usadas para um aspecto importante, que é como promover institucionalização. Acho que um dos problemas maiores que temos em CT&I é a descontinuidade. A incorporação das ciências sociais precisa ser feita de uma forma integrada.”

Augusto Raupp, presidente da Faperj: “Temos que dar o próximo passo; buscar que as empresas financiem também os projetos de CT&I. Coreia do Sul, China deram esse passo. Não conversamos com as empresas nem usamos os mecanismos disponíveis. Temos que ser pragmáticos, pois estamos em crise e os recursos são escassos, então precisamos buscar outras fontes.”

Jorge Guimarães, presidente da Embrapii: “Ciência e tecnologia precisam de planejamento, o que implica em prioridades. Se esse documento não tiver prioridades, o esforço será muito difícil. Se o ministro conseguir da presidente Dilma Rousseff um estabelecimento de prioridades, facilitará muito o trabalho das agências, pois isso precisa vir de cima para baixo. Além disso, para chegarmos aos 2% do PIB, é preciso o envolvimento das empresas.” O ministro Celso Pansera concordou que é preciso elencar prioridades. “Por isso estamos ouvindo quem produz ciência para depois levar as conclusões para o governo. Quero ouvir de vocês o que é a Estratégia Nacional para, então, transformarmos em projetos e prazos. Os recursos são curtos, mas confio muito na capacidade de negociação.”

Ribamar Ferreira, Fiocruz e ABCMC (Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência): “A popularização da ciência tem que ser destacada como área estratégica. Nós consideramos que nada é mais estratégico do que aproximar os jovens e fazê-los se encantar pela ciência.”

Ildeu Moreira, vice-presidente da SBPC: “É preciso reenfatizar a educação cientifica; isso é trabalho também do MCTI e não apenas do MEC. A educação brasileira tem que ser pensada de forma articulada com essa questão. Além disso, as engenharias têm que ser incorporadas como estratégicas para o país, inclusive nessa ponte entre institutos de pesquisa e setor privado.”

Edson Watanabe, diretor da Coppe/UFRJ: “O documento está bastante bem preparado e cobre quase tudo que acho importante, mas senti uma falta de ênfase no termo inovação. Muita gente não sabe o que é e acha que basta fazer um artigo que isso é inovação. Outro ponto é a popularização da ciência. Falta colocar na cabeça dos jovens que empreender é importante. Existe uma resistência grande ao espírito de inovação.”

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Agência Brasil
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TV NBR
Pesquisadores debatem orientações para o desenvolvimento científico do Brasil