A sessão que abriu o segundo dia do evento “Desafios da Educação Técnico-Científica no Ensino Médio”, realizado na sede da Academia Brasileira de Ciências, no Rio de Janeiro, trouxe pesquisadores das áreas de física, matemática, química, biologia e computação para falarem sobre programas de pós-graduação voltados para professores da educação básica.
Pensando na educação básica oferecida no Brasil atualmente, alguns pesquisadores resolveram focar nos professores do ensino fundamental e médio e descobriram que, muitas vezes, faltava nos próprios educadores o conhecimento sobre as matérias que ensinavam.
Física
O primeiro palestrante foi o professor Marcos Antonio Moreira, representando a Sociedade Brasileira de Física (SBF) que falou sobre a pós-graduação para professores da educação básica na sua disciplina.
Para tanto, o professor remontou à década de 1990, quando a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) criou a área de ensino, diferente da área de educação, já existente. A principal proposta do novo setor era oferecer pós-graduação para professores já formados em diversas áreas; porém, só foram criados os grupos de ciências e matemática, coordenados pelo próprio professor Moreira.
Em 2002, foram lançados os mestrados profissionais de ensino que, ao invés de levarem ao aprofundamento nas disciplinas para a produção de conhecimento, como os mestrados acadêmicos, focavam no aperfeiçoamento dos licenciados na graduação. Com o tempo, a proposta inicial foi retomada e passaram a ser oferecidos cursos nas áreas de física (Profis) e letras (Profletras).
Nos mestrados profissionais, as dissertações não são monografias técnicas, discorrendo sobre uma tese, mas relatos da experiência profissional do professor, aplicando o produto do mestrado em sala de aula. Nas aulas oferecidas pelo curso, entre 30% e 50% das disciplinas são de conteúdo específico e são realizados estágios supervisionados. “É uma oportunidade de os orientadores irem à escola”, ressaltou Moreira. “Professores universitários não conhecem a escola básica”, afirmou o físico. “Mestrado Acadêmico e Doutorado não têm compromisso com a escola. A prioridade é a produção de conhecimento”, apontou. Atualmente na SBF, professor Moreira acompanha o Profis, programa que, em sua opinião, melhora a qualificação dos professores de física e a qualidade dos projetos aplicados em sala de aula. “Estamos no século XXI e ainda ensinamos a física do século XIX”, critica o professor.
O Profis conta com 63 polos espalhados por todo o Brasil. Recebe, por ano, em torno de 2.300 inscritos para o processo seletivo e forma 700 novos mestres.
Matemática
Segundo Marcelo Viana, pesquisador e membro titular da Academia Brasileira de Ciências, empossado como diretor-geral do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa) no dia 17 de dezembro, a matemática passa atualmente, em nosso país, por um desequilíbrio, pois, ao mesmo tempo em que o pesquisador, e também Acadêmico, Artur Ávila venceu a medalha Fields, principal prêmio do ramo, 90% dos alunos concluem o ensino médio sem saber matemática, segundo institutos de estatística voltados para educação.
Diante disso, a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) criou o Profmat, que oferece oficinas de formação continuadas a professores já formados e, boa parte deles, que já atuam no ensino básico. “Os professores de matemática que ensinam nossos filhos na escola, não sabem o que estão ensinando”, afirmou Viana. “É uma generalização grosseira, mas é a realidade.”
Viana conta que, quando o projeto foi proposto, uma das maiores críticas era que a taxa de evasão seria muito alta, pois os professores não teriam tempo de estudar. Hoje, o número de professores que abandonam o curso antes do fim é inferior a 10% do total.
“Quando perguntamos aos professores se eles perceberam diferenças depois do curso, eles respondem: olha, eu não mudei minha maneira de dar aula, mas agora se um aluno faz uma pergunta eu sei responder”, relata Viana. “Quem diz isso é um professor de rede pública, vencedor de um processo seletivo com relação candidato vaga de um para 15. Ou seja, nossos melhores professores não sabem matemática. “
Atualmente, o Profmat é oferecido em 96 polos em todo o Brasil e forma cerca de 2.000 mestres por ano.
Química
O professor Luiz Enrique Catalani, representando a Sociedade Brasileira de Química (SBQ), falou sobre a plataforma online criada pela entidade, voltada para os alunos, a “Química Nova Interativa”, onde os jovens podem pesquisar os temas aprendidos em sala de aula. De acordo com Catalani, o maior volume de acessos coincide com o período escolar, quando o site alcança uma média entre 2 e 3 mil visualizações diárias.
A SBQ tem um projeto também para um programa de pós-graduação para professores, o Profqui, já aprovado pelo MEC, mais ainda em processo de aval sobre o valor que será disponibilizado para o programa. Ainda assim, 33 universidades já se associaram ao Profqui.
A organização curricular do mestrado prevê seis módulos, sendo três voltados para o conteúdo da química e três para educação. “No caso da química há algumas questões regionais que precisam ser abordadas”, afirma o professor. “A ensino da química não é absolutamente homogêneo. “
O professor reconhece que, nos último anos, o Brasil teve melhoras no âmbito da educação e no número de ingressos na faculdade, mas isso não se refletiu na qualidade do ensino. “O nosso nível está abaixo, não só do que é necessário para ser advogado, ou médico, mas para ser cidadão”, diz o professor. “Pode-se dizer que mais de 80% dos alunos que saem do ensino médio são analfabetos científicos.”
Pensando no propósito dos programas de pós-graduação profissionais, o professor reforça o dever da universidade de se aproximar da educação básica. Nos esquecemos de que a função da universidade também é cuidar da educação. “
Biologia
O Mestrado Profissional é apenas uma das maneiras encontradas pelos grupos para colaborar com melhorias para o ensino médio. O complexo educacional de Xerém, mantido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pelo Inmetro, oferece cursos de metrologia e biotecnologia para os alunos do ensino médio, além do Profbio, em que graduandos com licenciatura em biologia desenvolvem projetos voltados para o ensino da disciplina.
No Profbio são aceitos alunos entre 26 e 63 anos. “Essa diversidade de idade torna o programa dinâmico, ativo e ousado”, disse a professora Juliany Cola Rodrigues, da UFRJ, em sua palestra no evento.
“Buscamos mestres capazes de continuar sua própria formação, que ensinem os alunos a analisar fenômenos do dia-a-dia”, diz Juliany. “Não posso ensinar um conteúdo, se o professor não se atualizar a cada um ou dois anos. “
A partir das teses de mestrado do Profbio, projetos com possibilidade de aplicação em sala de aula, foram produzidos livros paradidáticos como “Descobrindo o Mundo com Olívia”, publicado em braille e audiobook e materiais de divulgação que tratam de doenças transmissíveis pela água, saneamento básico e inclusão de deficientes.
Computação
Menos usual nas grades curriculares das escolas brasileiras, a computação também é uma disciplina da educação básica e possui um programa de mestrado profissional para bacharéis licenciados. O programa é oferecido pela Sociedade Brasileira de Computação (SBC), a maior da área na América do Sul. Tem sua sede principal na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e conta com 20 mil associados.
Segundo Avelino Zorzo, pesquisador e representante da SBC no evento, o programa incentiva atividades de pesquisa e extensão que muitas vezes se aproximam da engenharia, da matemática e até da filosofia.
Os objetivos da SBC são disseminar o conhecimento da informática no país e, para isso, contam com 25 escritórios regionais em todo o território nacional. A instituição promove eventos voltados para os estudantes, como as Olimpíada Brasileira de Informática, aberta para alunos do ensino médio. Para alunos do ensino superior há a Olimpíada Brasileira de Robótica, a maratona de programação e o concursos de teses e trabalhos de iniciação científica.
Entre as premissas do pensamento computacional, segundo o palestrante, está a capacidade de abstração para forjar uma realidade e modelá-la. “A capacidade de utilizar a informática deve ser mais disseminada na sociedade. A computação serve de ferramenta para a resolução de todos os problemas do mundo”, afirma Zorzo. “No começo da humanidade, ninguém falava, depois ninguém escrevia, depois ninguém realizava cálculos, mas foram essas habilidades foram sendo desenvolvidas e adquiridas. “