Nos dias 18 e 19 de novembro, foi realizado, na sede daAcademia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro, o evento “Ecologia,Mineração e Desenvolvimento Sustentável”, em que pesquisadores do setorambiental, espeleólogos, empresários e pessoas ligadas ao ramo da mineraçãodebateram sobre a atual legislação brasileira e como minimizar os impactosambientais da extração de minérios, sem impedir os benefícios proporcionadospor esta atividade.
Os principais pontos do seminário serão reunidos em umrelatório, assinado pela ABC e pelas outras entidades, parceiras na realizaçãodo evento: a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), oInstituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e a Sociedade Brasileira deEspeleologia (SBE).
Outras publicações semelhantes já foram produzidas pelaAcademia Brasileira de Ciências em áreas como ensino superior, recursoshídricos e saúde, a partir de eventos realizados pela ABC.
Preservação de cavernas
Segundo o coordenador técnico do seminário, o Acadêmico José Oswaldo Siqueira, o ponto de partida para a criação do evento foi discutir aimportância dos recursos minerais para o desenvolvimento econômico e social dopaís. “Estamos falando em atividade econômica, com grande potencial de melhoriade qualidade de vida para as pessoas”, disse Siqueira.
Tomando como base o tema da mineração, o evento tratou de umassunto mais específico, que são as cavidades, ou cavernas, consideradaspatrimônio nacional e protegidas por lei por poderem conter reservas deminérios raros, nascentes de águas e espécies raras de animais que só vivemneste ecossistema. “O grande desafio, a equação que precisamos resolver, é atéonde essa atividade extrativa pode ir de maneira que a gente possa preservar esteimportante patrimônio”, afirmou Siqueira. “A questão de cavidade pode parar umamineração no Brasil. Nós estamos falando de uma atividade de 40 a 50 bilhões dedólares por ano. “
Para o advogado Ricardo Carneiro, apesar das questõesenvolvendo os dois setores, não há um conflito entre eles, mas sim na formacomo é interpretada a legislação. “A lei comporta margens de interpretação, quemuitas vezes carregam um conteúdo ideológico, preconceitos, inclusive técnicos,que polarizam os dois setores”, afirmou.
Diretor de Assuntos Ambientais do IBRAM, Rinaldo CésarMancin disse acreditar que é possível conciliar as duas visões, por considerara atividade extratora essencial para uma economia sustentável. “A forma de vocêter um motor estacionário que produza mais e consuma menos energia, é pondomais cobre nele. Os veículos elétricos, que vão dominar nossas cidades, nãoexistem sem minerais”, exemplificou.
“As pessoas acham que esses grandes empreendimentos são voltados sópara o grande capital e isso é um grande equívoco”, disse o Acadêmico JoséSiqueira. “É legítimo que a atividade empresarial tenha lucro, retorno,beneficie os investidores. Isso é óbvio. Porém é muito mais do que isso. Como éque nós vamos viver sem ponte, sem viaduto, sem edifício e tudo mais? “,questionou.
Para Carneiro, esse embate tem raízes na formaçãocultural do Brasil. “Eu acho que o país, de um modo geral, carrega essepreconceito com relação ao desenvolvimento, ao investimento, ao risco produtivo.Isso é da nossa cultura. Nós polarizamos permanentemente desenvolvimento epobreza; investimento e proteção ambiental”, afirmou.
Para a pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP),Maria Elina Bichuette, o evento foi um marco para a discussão do tema e parauma possível mudança da atual legislação, baseada no Decreto Nº 99.556 de 1990,assinado pelo então vice-presidente, Itamar Franco e alterado em 2008 pelopresidente Lula no Decreto Nº 6.640.
“Existe, na instrução normativa, uma exigência de que asabordagens metodológicas levem a respostas que não são verificadas num curtoprazo”, explicou Bichuette. “Por exemplo: definir em que categoria determinadoanimal se encontra; se é um animal que utiliza a caverna como abrigo essenciale se os processos que ocorrem ali para abrigar essa fauna são muito diferentese únicos. Esse tipo de estudo demanda tempo”, afirmou.
“Ao mesmo tempo, outras abordagens metodológicas podem meresponder rapidamente se é viável colocar um empreendimento em determinado lugar”,prosseguiu a pesquisadora. “Eu posso fazer uma primeira prospecção biológica efalar: é muito diverso em termos moleculares e em termos de diversidadefuncional, então, vamos tentar evitar o empreendimento neste caminho. Isso éuma segurança para os empreendedores e é uma segurança para nós que somos osguardiões da biodiversidade, de alguma maneira”, concluiu.
O presidente da SBE e espeleólogo, Clayton Ferreira Lino, contouque, há quatro anos e meio, a Sociedade criou uma cooperação junto à Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e da Votorantim Cimentos.”Criamos confiança entre os setores”, disse Lino. “Hoje, podemos falar abertamente da coisa. Buscar entender o problema do outro, lado alado, e aproximar as propostas. E a gente tem conseguido avanços brutais.Conservamos muitas cavernas que iam se perder e, ao mesmo tempo, melhoramos asituação da mineração. Achamos os caminhos para que todos ganhem. E hoje, pelalegislação, todos perdem”, afirmou.
Laura Sonter, pesquisadora australiana, hoje trabalhandopelo Universidade de Vermont, nos Estados Unidos, residiu no Brasil duranteseis anos, trabalhando na Universidade Federal de Mina Gerais (UFMG) comoavaliadora dos impactos da atividade mineradora nas florestas nativas do estado.
Para Sonter, a maior diferença entre Brasil e Austrália,principal concorrente na área de exploração mineral, é a diferença na hora deatuar segundo a legislação. “Na Austrália, as companhias de mineração sabem oque se espera delas e tentam fazer um bom trabalho de acordo com a lei. Já noBrasil, isso é mais aberto à interpretação”, avaliou. “Eu penso que o mundotodo depende de países tropicais fazerem um bom trabalho com os recursosnaturais. E há várias questões envolvendo o Brasil”, afirmou a pesquisadora. “OBrasil tem uma das maiores reservas florestais do mundo, então é muitointeressante estar envolvida nesta preservação. É um lugar muito estimulantepara cientistas ligados ao meio ambiente. “
A australiana disse que os embates entre a mentalidade empresarial,extrativista e a ecológica se repetem em vários lugares do mundo, mas que énecessário tentar conciliar as duas visões. “Vivemos um momento em que épossível não necessariamente concordar, mas compreender o ponto de vista dooutro. Tentar entender o que o outro lado da história diz e o quão importanteele é”, disse. “Ser capaz de extrair essas commodites tão preciosas para contribuir para a sua sociedade e desenvolver a economia deseus países, mas, ao mesmo tempo, refletir sobre o que as próximas gerações vãoquerer de nós? Vão querer que nós exploremos tudo o que a natureza nos oferece,ou que a preservemos para o futuro?”, questionou.