Professora Helena Nader e professores Hernan Chaimovic, José Manuel Riveros Nigra, Walter Colli e Marco Antonio Zago
Constituído formalmente em 1970, o Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) realizou nesta segunda-feira, 19 de outubro, a primeira cerimônia de outorga de títulos de professores eméritos a três pesquisadores que contribuíram para a formação e estabelecimento do instituto: Hernan Chaimovich, José Manuel Riveros Nigra e Walter Colli. A decisão pela escolha dos homenageados foi unânime entre a congregação e, segundo Luiz Henrique Catalani, diretor do IQ-USP, a celebração chega com certo atraso, mas deve tornar-se uma tradição a partir de agora.
“As tradições definem a identidade de uma comunidade, porque vem atrelada a valores que precisam ser repassados”, comentou Catalani. O diretor do Instituto declarou sentir-se privilegiado de ser parte desta primeira edição da homenagem. “Estamos deixando um legado de reconhecimento do mérito dos nossos professores”, disse.
“A universidade é um lugar de debates e conflitos, mas todos sempre concordam com a excelência”, disse o reitor da USP, Marco Antonio Zago, sobre a escolha dos titulados. Zago falou sobre a proposta de reforma universitária de 1968 que culminou com a constituição formal das universidades públicas no Brasil, a partir da década de 1970, com institutos e departamentos, no lugar das faculdades fragmentadas e pouco empenhadas com o desenvolvimento de pesquisas.
O Instituto de Química da USP é um exemplo dessa reformulação, que aproximou os departamentos de química e a bioquímica, antes dispersos nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), Faculdade de Medicina, Faculdade de Farmácia e Bioquímica, Faculdade de Medicina Veterinária e Faculdade de Odontologia. “A reforma foi uma decisão correta. As coisas certamente podem melhorar se somos capazes de fazer mudanças quando elas precisam ser feitas”, afirmou, destacando ainda o valor inestimável do patrimônio humano que o Instituto acumulou ao longo dessas décadas.
A saudação ao professor emérito Hernan Chaimovich foi feita pela presidente da SBPC, Helena Nader, que ressaltou sua carreira motivada pela paixão pela ciência e os atributos que o levaram a esse reconhecimento. “Chaimovich é uma pessoa brilhante, coerente e dedicada. Um cientista, um intelectual e um militante da política científica no Brasil”, disse.
Nader também destacou as conquistas do pesquisador que, somente neste ano, além do título de professor emérito, recebeu o convite do então Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aldo Rebelo, para presidir o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Este convite representa a deferência e o reconhecimento à sua trajetória, pois, afortunadamente, o cargo vem sendo ocupado por representantes destacados do setor acadêmico do País”.
Filho de um farmacêutico e de uma escritora russa, Chaimovich nasceu em Santiago do Chile em 1939 e formou-se em Bioquímica na Universidade de Chile, em 1962. Chegou ao Brasil em 1969, e após um curto período no departamento de medicina, foi recebido no Instituto de Química, no mesmo ano em que a casa começou sua vida institucional. “Minha vida profissional foi essencialmente desenvolvida no Instituto de Química”, contou.
Segundo ele, foi o esforço coletivo que levou o IQ a adquirir a excelência. “Não se deu sem percalços, mas foi um caminho ao qual contribuíram muitos e eu creio haver também contribuído. O Instituto hoje ocupa uma posição única no Brasil, pois biologia, bioquímica e todas as químicas convivem harmonicamente na mesma instituição. A longa convivência com sistemas nacionais e internacionais de ensino superior de ciência e tecnologia me credencia para afirmar que o IQ da USP está hoje entre as melhores instituições de ensino e pesquisa desse País”, comentou.
Dentre outras atribuições na área científica, Chaimovich presidiu a Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (SBBq), foi vice-presidente do International Council for Science e presidente da InterAmerican Network of Academies of Science (IANAS).
“A minha motivação ainda é o prazer da descoberta e do ensino e poder contribuir para que a ciência seja, de fato, transformadora”, declarou em seu discurso de aceitação do título.
Resistência
O presidente do CNPq falou também sobre a crise financeira, que tem afetado as instituições científicas nacionais. “É de lamentar que o CNPq e o MCT, incumbidos de financiar a pesquisa das universidades e a formação de novos pesquisadores, tenham sofrido diminuição substantiva de seus orçamentos por causa do necessário ajuste fiscal”.
Conforme observou, em tempos de crise como esse, as melhores instituições são as que tendem a sofrer mais, e mais depressa – se não oferecerem resistência. “As dificuldades que o País atravessa requerem que a USP e outros centros de ensino e pesquisa, que têm consciência de sua qualidade, bem como de seu papel no desenvolvimento e autonomia da nação, evitem, a todo custo, ceder à pressão dessas dificuldades. Somente posições firmes e coletivas, frente às incertezas e as dificuldades, poderão evitar que as melhores instituições sejam destruídas”, recomendou.
Segundo disse ele, “as distorções não surpreendem e nem causam desânimo, pois são próprias de países em desenvolvimento, em que os recursos são escassos e as decisões nem sempre são lógicas” e que essas decisões ressaltam a necessidade de vigilância e diálogo permanente. “Essa vigilância e diálogo devem ser mantidos pelas lideranças universitárias, com energia e perseverança, sem perder de vista que o desenvolvimento de uma estrutura científica dinâmica e atualizada é um processo lento e compete com outras prioridades sociais também válidas”, observou.
Chaimovich destacou ainda que a liderança firme, bem como o intercâmbio com o setor privado, é a saída para as incertezas e os conflitos transitórios. “Para além da excelência científica, o instituto também tem, cada vez mais, a obrigação de manter um intercâmbio com as empresas como contribuição para o desenvolvimento industrial e para o ajuste de seus programas às necessidades e oportunidades do mercado de trabalho”. O cientista citou os exemplos dos países industrializados, em que grande parte dos investimentos em C&T vem do setor privado, que estão investindo no desenvolvimento de parques de ciência, polos tecnológicos e institutos de pesquisa, entre as estratégias para intensificar essa cooperação.
O 4º. Andar
O cientista Walter Colli, professor titular aposentado da Universidade de São Paulo (USP), onde ainda atua como professor colaborador sênior, foi homenageado pelo seu mentor, Isaías Raw. “Colli era um jovem de família modesta com importante capacidade intelectual, que, ao final, acabou coordenando o Instituto de Química, hoje uma referência no mundo”, descreveu o cientista que lhe deu aulas de bioquímica ainda no primeiro ano de sua graduação. Livre-docente pelo Instituto de Química da USP (1971), Colli começou sua carreira em 1957, quando Raw o convidou para trabalhar no laboratório de Bioquímica, localizado no 4º andar da Faculdade de Medicina da USP
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“Meu discurso se cruza com as palavras de Raw. Temos o hábito de nos remeter. E nos remetemos ao passado, ao 4º. andar”, comentou. “Queríamos transformar as estruturas verticais que estruturam as universidades pelo sistema anglo-saxão dos colleges”, contou, destacando o período em que aconteceu a reforma universitária que, ao mesmo tempo em que viu ser implantada a modernização das instituições, também presenciou o isolamento e o exílio daqueles que a propuseram. “Dedico a Isaías esse título, que tanto lutou pelo Instituto e nunca pertenceu a ele”, disse, sem conter a emoção, sobre o criador do Centro de Biotecnologia do Instituto Butantan.
Colli é filho de um escriturário que trabalhava na fábrica do irmão. Da infância pobre à homenagem desta segunda-feira, o cientista coleciona méritos e reconhecimentos. Suas contribuições incluem importantes avanços no conhecimento sobre o Trypanosoma cruzi, protozoário causador da doença de Chagas, e sua interação com o organismo humano.
Colli é Doutor Honoris Causa pela Universidade de Buenos Aires e membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento (TWAS). É membro da Ordem do Mérito Científico do Brasil nas classes Comendador (1995) e Grã Cruz (2000). Em 2014 foi agraciado, pelo CNPq, com o prêmio Almirante Álvaro Alberto de Ciência e Tecnologia. O professor, que é também diretor-tesoureiro da SBPC, contou que, nos 45 anos de carreira na Universidade, nunca faltou ao trabalho. “Frequento o IQ todos os dias, sem faltar, por todos esses 45 anos. E nunca tive vontade de não vir”, contou o professor.
Abrir caminhos
Nas palavras de Fernando Galembeck, professor da Unicamp que proferiu o discurso de homenagem a José Manuel Riveros Nigra, “o sonho de todo físico-químico é ter uma reação com seu nome”. E Riveros tem: a “riveros reaction”, conceito amplamente aplicado nos estudos de íons e moléculas de fase de gás. “Ele sempre conseguiu fazer pesquisa com instrumentação de ponta, chutava com os dois pés: fazia teoria e experimentação ao mesmo tempo, abrindo caminhos para os estudos da físico-química”, descreveu.
Galembeck ressaltou ainda o empenho do professor como formador, que continua a ministrar os cursos básicos com o mesmo entusiasmo que tinha no final da década de 1960. “Riveros participou da formação de duas gerações de estudantes, sempre como um professor que procura engajar os alunos”, comentou.
Nascido no Paraguai, em 1940, Riveros graduou-se em Química pela Universidade da Califórnia, em 1962, e obteve seu doutorado pela Universidade de Harvard, em 1966. Atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo e assessor da Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron, e da Sociedade Brasileira de Espectrometria de Massa. Com mais de uma centena de artigos publicados, é também membro do corpo editorial de periódicos internacionais como o International Journal Of Mass Spectrometry e o Mass Spectrometry Reviews.
Para ele, o objetivo da pesquisa é a criação daquilo que nunca foi. E a essa característica, atribui a sensação de que poderia ter feito mais. “Tenho a tendência a buscar coisas novas sempre, ao invés de resultados que não surpreendem”, disse.
O professor emérito comentou que se questiona com frequência se ele e todo o IQ-USP têm condições de oferecer os desafios suficientes para desenvolver a capacidade intelectual dos alunos que a Universidade recebe. “Ainda tenho dúvidas se conseguimos realizar esse objetivo. Mas, se de alguma forma, contribuí para a formação desses estudantes, essa é para mim a maior gratificação”.
Conforme afirmou, é possível fazer ciência de primeira linha no Brasil, o que pode ser comprovado pelo grande número de ex-alunos que hoje são profissionais muito bem sucedidos, tanto na academia quanto em outros setores. “Devemos insistir na vontade de educar novas gerações, especialmente num momento em que o País se depara com uma certa perda de rumo”, concluiu.