Da esquerda para a direita: Ésper Abrão Cavalheiro; Isak Froumin; Creso Sá e Pundy Pillay
Enquanto alguns países tiveram êxitos em seu crescimento apostando em pesquisa científica e desenvolvimento, mesmo em momentos de crise, os emergentes Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS, na sigla em inglês) ainda passam por dificuldades para alavancar o setor de P&D em suas universidades.
A análise dessas dificuldades, com atenção especial sobre o Brasil, foi o tema do quarto painel de debate do evento Políticas do Ensino Superior nos Países em Desenvolvimento, realizado nos dias 21 e 22 de setembro na Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Contexto dos países
O professor Pundy Pillay, da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, destacou as dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores nos países emergentes, como quadros políticos complexos em países com grandes territórios e muito populosos – em especial nos casos de China e Índia.
Sobre a China, o professor mencionou a economia de transição pela qual o país passa, o que atrasou o desenvolvimento de algumas áreas durante a década de 90.
Já no caso da África do Sul, um dos fatores que atrasaram a pesquisa científica foi o regime do apartheid. Em sua palestra, no painel dedicado ao país africano, a professora Maria Helena de Magalhães Castro (UFRJ) falou que, durante o apartheid, as universidades que se recusassem a implementar a segregação étnica sofriam retaliações do governo e as instituições voltadas para estudantes negros eram estritamente controladas pelo governo, o que as estagnou por muitos anos. “Em outras palavras, autonomia institucional e liberdade acadêmica eram permitidas se não entrassem em conflito com o Estado”, criticou a professora.
De acordo com o relatório da UNESCO (Organização das Nações Unidas para educação, ciência e cultura) sobre educação publicado em 2010, o orçamento sul-africano destinado a pesquisa científica e desenvolvimento (GERD, na sigla em inglês) aumentou de U$ 200 milhões em 2002 para U$ 4 bilhões em 2007.
Na Índia, o número de pesquisadores é o menor do bloco: são cerca de 136 cientistas e cinco patentes para cada milhão de habitantes, em um país com mais de um bilhão de pessoas. Lá, o GERD cresceu de aproximadamente U$ 13 bilhões para U$ 24 bilhões entre 2002 e 2007. “O ensino superior na Índia é, relativamente, o mais fraco dos BRICS”, afirma Pillay. “As universidades de lá preocupam-se, quase exclusivamente, em ensinar e as pesquisas são realizadas em espaços separados”, explica.
Na Rússia, embora a pesquisa científica se concentre quase exclusivamente na Universidade Estadual de Moscou, este é o país dos BRICS com maior número de pesquisadores. São mais de 3 mil para cada milhão de habitantes, mais que o dobro do segundo colocado, a China (com uma população 10 vezes maior).
O orçamento russo para pesquisa e desenvolvimento cresceu de aproximadamente U$ 16 bilhões para U$ 23,5 bilhões entre 2002 e 2007. Na China, o GERD saltou de aproximadamente U$ 39,2 bilhões para U$ 102 bilhões no mesmo período.
Segundo o professor Isak Froumin, da Escola Superior de Economia, na Rússia, as mudanças sociais e econômicas no país a partir da década de 1990 aconteceram, primeiramente, pelo colapso da União Soviética, mas também graças à modernização do ensino superior com maior autonomia das instituições, conexão entre universidade e indústria e a criação de uma agenda de pesquisa.
Estrutura e desafios da pesquisa científica no Brasil
O professor Creso Sá, da Universidade de Toronto, no Canadá, apresentou um panorama sobre as condições da pesquisa científica desenvolvida no Brasil.
De acordo com o docente, a pesquisa no Brasil começou tarde, por volta da década de 1960. A única capital que foge à regra é São Paulo, cuja Universidade de Direito do Largo São Francisco foi a primeira fundada no Brasil, ainda durante o império de Dom Pedro I. Uma prova deste atraso nacional é a criação, pelos governos estaduais e federal, de seus próprios órgãos voltados para pesquisa e desenvolvimento.
Mas esse quadro tende a mudar. Na primeira década do século 21, o número de doutores no Brasil para cada 100 mil universitários dobrou e, na América Latina, o país lidera os rankings de patentes e de qualidade no ensino superior.
O orçamento brasileiro voltado para pesquisa científica dobrou de 13 milhões em 2002 para aproximadamente 20 milhões em 2007, segundo relatório da UNESCO divulgado em 2010.
O Brasil, assim como outros países dos BRICS, conta com o apoio da iniciativa privada para a pesquisa científica, o que corresponde a um valor de U$ 7 bilhões, segundo matéria publicada pela revista norte-americana Nature.
Além do investimento em dinheiro, o setor privado oferece outras formas de incentivo à pesquisa, como parques tecnológicos e as “incubadoras de empresas” – apoio a pequenos negócios frutos de pesquisas acadêmicas.
Mas a pesquisa no Brasil ainda enfrenta alguns problemas sérios para o seu desenvolvimento. A baixa qualidade na educação básica; o investimento público e privado, muitas vezes feito de forma inadequada e insuficiente; os baixos recursos humanos; a falta de coordenação na implementação dos resultados conseguidos com as pesquisas e a incompreensão dos setores público e privado sobre a importância na pesquisa para o desenvolvimento do país.
Em um momento de crise global, o Brasil vai no sentido contrário ao de investir na pesquisa científica, apesar do arrocho econômico. “Em vez de investir em ciência e na sua própria indústria, o Brasil prefere importar esses valores”, diz o professor Creso Sá. Talvez ainda demore algum tempo para que o país aumente sua relevância global na produção do conhecimento.