A participação dos stakeholders nos sistemas de ensino superior ainda encontra diversos obstáculos nos países emergentes, mas já é um tema recorrente nos debates sobre esse setor. Por isso mesmo, esse foi o assunto discutido na terceira sessão do Seminário Internacional de Políticas de Ensino Superior nos Países em Desenvolvimento, promovido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) nos dias 21 e 22 de setembro, na sede da ABC.
Isak Froumin; Leslei Bank, que coordenou a sessão; Elizabeth Balbachevsky; e Peliwe Lolwana
Elizabeth Balbachevsky, do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (NUPPs-USP) apresentou uma definição de Freeman sobre stakeholders: são “qualquer grupo ou indivíduo que possam afetar ou serem afetados pela realização dos objetivos de uma organização”. Elizabeth definiu a universidade como uma organização matriz, que sofre um controle externo a partir da comunidade acadêmica, em que há uma conexão entre os pares.
Além disso, ao menos no caso do Brasil, há o tradicional controle do Estado sobre as universidades. Nesse sentido, a pesquisadora afirmou existir um triângulo formado pela conexão entre o Estado, no topo, a oligarquia acadêmica, em uma ponta, e o mercado na outra.
Elizabeth afirmou que a figura dos stakeholders passou a ser mais presente a partir das reformas dos anos 90 na Europa, que mudaram o ambiente acadêmico tradicional, de modo que esses agentes externos passaram a ter relevância na governança universitária.
“Stakeholders são um fonte muito importante para o ensino superior nos sistemas maduros”, afirmou. “Eu sou da USP, acho que todos os brasileiros sabem da crise que tivemos por lá no ano passado, mas se tivéssemos uma maior representação dos stakeholders, talvez pudéssemos ter evitado isso.”
Em relação aos BRICS – bloco de países emergentes formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul -, ela afirmou que os cinco integrantes têm em comum um tipo de perfil segmentado da profissão acadêmica, marcado por tensões internas, baixa coordenação acadêmica e uma forte percepção externa de “risco moral”. Além disso, tem como características centrais, atualmente, a diversificação e massificação. E outro fator em comum é, justamente, o papel limitado dos stakeholders externos, principalmente a indústria.
Nesse sentido, são vários os obstáculos, como a diversificação de perfis dos estudantes e os dilemas para uma ação coletiva por conta disso. “No Brasil, há uma alta politização e baixa representatividade. Na Índia, um baixo grau de mobilização. Além disso, há os dilemas associados à mobilização das famílias dos alunos, que não sabem como participar, e o papel central do governo como principal polo de coordenação.” Outro problema apontado por Elizabeth é a resistência de universidades e acadêmicos mais conservadores.
A dinâmica do ensino superior e a relação com os stakeholders, no entanto, também têm diferenças entre os BRICS. Na África do Sul e no Brasil, há forte influência do legado da democratização e da busca pela inclusão social. Na Índia, prevalece a diversidade e as fortes segregações políticas. Já na Rússia e na China, o Estado impera como o principal stakeholder externo. Ainda assim, há mudanças. Na China e na Índia, por exemplo, já acontecem novas parcerias com empresas de pesquisa intensiva.
África do Sul: massificação pós-apartheid
Peliwe Lolwana, do Centro de Pesquisa Educacional e Laboral da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, afirmou que o apartheid ainda é visível no sistema de ensino superior do país, historicamente muito dividido. O acesso sempre foi limitado a uma pequena elite, e a presença de brancos era majoritária. Em 1996, os africanos eram 9% no ensino superior, os de origem não ariana eram 10%, os indianos era 35% e os brancos eram 61%.
“Historicamente, temos um sistema de ensino superior profundamente dividido, em que o apartheid ainda aparece”, disse Peliwe. Nas universidades sul-africanas, o comportamento institucional era moldado pelo conceito de dependência de recursos e de distribuição de poder, valores institucionais, identidades e tradições.
Nesse contexto, as instituições eram categorizadas de acordo com a sua visão: havia as universidades vistas como uma comunidade meritocrática de acadêmicos; aquelas vistas como instrumentos para agendas políticas nacionais; e as vistas como empresas de serviço incorporadas a mercados competitivos. No pós-apartheid, a partir dos anos 90 até os anos 2000, aconteceu a reconstrução das relações sociais com uma participação massiva da sociedade, e se construiu um sistema mais claro de stakeholders internos e externos no ensino superior.
O governo criou um plano de crescimento e redistribuição de emprego (GEAR, na sigla em inglês) que reestruturou o ensino superior na África do Sul, massificando o acesso, de modo a reparar a desigualdade que existia. Assim, a educação tornou-se mais inclusiva, com aumento da presença de africanos, não arianos e indianos, como é possível observar no gráfico abaixo:
Fonte: Apresentação/ Peliwe Lolwana
Ainda assim, afirmou Peliwe, o sistema deve continuar se expandindo, e é preciso definir quem são os stakeholders que impulsionarão essa expansão. “O governo, como o stakeholder externo e o proprietário do recurso, terá de dirigir o setor com o objetivo de massificação.”
Expansão do ensino na Rússia
Isak Froumin, do Instituto de Educação da Universidade Nacional de Pesquisa Escola Superior de Economia, na Rússia, falou sobre a expansão e modernização do ensino superior no seu país após o fim da União Soviética. O nível de educação da população russa é alto – 65% têm ensino superior completo -, ficando atrás apenas da Noruega, Canadá, Estados Unidos e Israel.
Desde meados dos anos 90, o número de matrículas de estudantes no ensino superior vem crescendo consideravelmente, e as instituições privadas, antes inexistentes, passaram a ter um papel cada vez mais relevante, conforme mostra o gráfico abaixo. Outro fenômeno marcante é o crescimento da educação em tempo parcial e da educação à distância.
Fonte: Apresentação/ Isak Froumin
“A Rússia experimentou uma enorme expansão do sistema”, informou Froumin. “Antes eram 28% dos estudantes entrando no ensino superior, e agora são 84%. Como isso aconteceu em 25 anos? Instituições privadas, aumento da educação part-time e do ensino à distância.”
Froumin apresentou alguns projetos governamentais relativos a educação, como o “The Federal Universities project 2006-2012”, com o objetivo de implementar programas educacionais inovadores e alinhados com as necessidades econômicas e sociais das regiões do país.
Outro plano consiste em investir na internacionalização: instituído em maio de 2012, o “New Excellence Initiative” consiste em aumentar a competitividade internacional das universidades russas, de modo a ter ao menos cinco delas no ranking das 100 melhores universidades do mundo até 2020. “Para isso, foram alocados 30 milhões de dólares anualmente para 15 universidades para implementação de uma estratégia institucional entre 2013 e 2015”, contou Froumin. “A expectativa é que esse valor aumente em 2016-2020.”