Leia o artigo do Acadêmico Wanderley de Souza, publicado no Monitor Mercantil, sobre a preocupante situação financeira do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade Industrial e Tecnologia, do qual é diretor.
“Não há dúvidas quanto à necessidade de um ajuste fiscal neste momento crítico pelo qual passa o país em consequência de equívocos estratégicos, omissões, desorganização do sistema político, corrupção etc. Nitidamente, o presente ajuste, até o momento, vem sendo feito nas chamadas despesas discricionárias, onde o Poder Executivo aplica a tesoura com mais facilidade e quase sempre sem considerar questões de mérito, importância estratégica da instituição ou do programa/projeto penalizado etc.
Nestes últimos ajustes não se levou em conta a natureza da fonte de recursos que foram cortados. Um exemplo (entre outros que poderia mencionar) que deixa clara a falta de análise mais aprofundada por parte dos que têm a tesoura é o que vem acontecendo com o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade Industrial e Tecnologia (Inmetro), instituição que, segundo o Ibope, é conhecida por 81% dos brasileiros sendo que, destes, 88% nela confiam.
Acontece que praticamente toda a manutenção das atividades do Inmetro, bem como a sua atualização crescente em áreas de ponta, como a nanotecnologia e a biotecnologia, decorrem da utilização de recursos que a instituição arrecada ao prestar serviços diversos inerentes à sua missão.
Entre estas destacamos: (a) deter os padrões nacionais de medidas no mais alto nível de acurácia e que são reconhecidos internacionalmente, apoiando a indústria nacional para que seus produtos satisfaçam as exigências cada vez maiores do mercado internacional, (b) elaborar regulamentos que são poderosos instrumentos de políticas inovadoras e de proteção do cidadão, (c) atuar no sentido de impedir que produtos de baixa qualidade sejam comercializados no país evitando riscos para a sociedade e protegendo a indústria brasileira contra produtos importados de baixa qualidade, (d) apoiar o processo de inovação tecnológica colocando à disposição da indústria brasileira uma excelente infraestrutura laboratorial e de pesquisadores, (e) realizar pesquisas científicas e tecnológicas em áreas de fronteira e estratégicas, procurando atuar na interface entre o setor acadêmico e o setor industrial, entre outras.
Aparentemente, as autoridades da Fazenda e do Planejamento não entendem a lógica da origem dos recursos do Inmetro. Estes se originam, majoritariamente, da conhecida Rede Brasileira de Metrologia Legal e Qualidade, onde instituições estaduais localizadas em todos os estados da federação atuam por delegação do Inmetro prestando serviços técnicos e de fiscalização em várias áreas. Os recursos oriundos destes serviços vão para o Tesouro Nacional e precisam ser devolvidos ao Inmetro para que parte significativa retorne às instituições estaduais visando à manutenção do sistema.
No seu conjunto, o Inmetro arrecadou, em 2014, cerca de R$ 784 milhões e recebeu de volta R$ 680 milhões, o que corresponde a um valor médio mensal de R$ 56 milhões e que representa cerca de 85% do total arrecadado. Para 2015 está prevista uma arrecadação de R$ 840 milhões e a disponibilização para a instituição de apenas R$ 492 milhões, o que corresponde a cerca de 58% dos recursos arrecadados.
Tal decisão leva de imediato a duas consequências. Primeira, a instituição está sendo desestruturada ao dispensar cerca de 1,5 mil profissionais (bolsistas e terceirizados) atuando em todo o país, sendo que cerca de 400 destes são técnicos e pesquisadores de alto nível que atuavam em projetos de desenvolvimento científico e tecnológico.
Segunda, com a redução de pessoal é bem provável que ocorra uma diminuição na atividade de fiscalização o que levará, por um lado, à redução na arrecadação e, por outro, à proliferação de produtos de baixa qualidade circulando no país.
Uma medida inteligente seria pactuar com a instituição que um certo percentual, entre 85% e 90% do que fosse arrecadado, retornasse automaticamente para a instituição. Com esta atitude, certamente ocorreria um fortalecimento do Inmetro bem como mais recursos seriam disponibilizados para o tesouro nacional.”
Wanderley de Souza é professor titular da UFRJ, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina e diretor do Inmetro.