Pesquisa de ponta. Laboratório da Acadêmica Débora Foguel desenvolve análises bioquímicas e necessita de infraestrutura sofisticada. Com os cortes, teve que começar a adaptação. Foto: Barbara Lopes/ O Globo
As pesquisas científicas no Brasil vêm sofrendo com o reajuste fiscal do governo em 2015, a ponto de estudiosos já fazerem previsões de um futuro nada promissor nesse campo. Os cortes no Orçamento, que já vinham atingindo diferentes programas de financiamento acadêmico, vitimaram também um dos principais editais de pesquisa nacional: a Chamada Universal, que está sob o guarda-chuva do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Na última edição do edital, em 2014, foram R$ 200 milhões para 5.535 pesquisas. A verba subsidiou equipamentos, insumos e até pagamento de professores visitantes, entre outros itens necessários para o desenvolvimento da ciência no país. Pesquisas de combate à malária, contra distúrbios na audição e sobre melhor uso das bacias hidrográficas são alguns exemplos de estudos contemplados pela Chamada Universal. Este ano, por falta de verbas, o programa foi interrompido.
– Não havia sentido em criar uma nova dívida. Por isso, para 2015, não teremos a Chamada Universal. Estamos priorizando o pagamento da edição do ano passado – afirma Luiz Alberto de Freitas Barbosa, diretor de Gestão e Tecnologia da Informação do CNPq. – Quando a gente se vê diante de uma realidade como esta, tem que fazer escolhas. Este é o principal edital da ciência brasileira devido à sua abrangência. Queremos ele para 2016.
Mas a expectativa para o ano que vem não é das melhores. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação é o único que foi alvo de cortes nas despesas discricionárias, que podem ser gerenciadas de forma flexível pelo governo. Eram R$ 3,5 bilhões propostos para este ano e, segundo o Projeto de Lei Orçamentária Anual, para 2016 serão R$ 2,1 bilhões. Um corte de R$ 1,4 bilhão, segundo o documento em análise no Congresso.
Destruição do esforço de dez anos
A interrupção de editais atinge diferentes órgãos. As agências estaduais, conhecidas como fundações de amparo (FAP), e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) também modificaram regras e a frequência no lançamento de financiamentos. O impacto disso, segundo pesquisadores, é a descontinuidade de pesquisas que já estavam em andamento e um freio na inovação e na tecnologia nacional.
– As histórias de sucesso na superação de crises mostram que não investir em inovação é um erro – afirma Fernando Rochinha, diretor de Tecnologia e Inovação da Coppe-UFRJ – O aluno da graduação precisa ver o sucesso dos estudantes da pós-graduação para ter um estímulo. A nossa capacidade de captar novos alunos foi descontinuada. É a destruição de um esforço de dez anos.
Alguns programas ainda constam na lista da Capes, mas estão com atividades suspensas. Em tese, a Bolsa Sanduíche, com a qual estudantes de doutorado fazem parte de sua pesquisa em outro país, opera em fluxo contínuo. Mas seu sistema está fechado, sem aceitar inscrições. Ao longo do ano passado, foram distribuídas 1.387 bolsas.
Outro programa da agência que sofreu cortes foi a Universidade Aberta do Brasil, de ensino a distância, para formação de professores. Eram esperados R$ 800 milhões, mas o programa vai operar até o final do ano com R$ 417 milhões. As atuais bolsas estão sendo pagas, mas nenhuma das 45 mil novas vagas previstas no último edital foi preenchida.
Além disso, o convênio Centros Associados, que promove intercâmbio entre cientistas brasileiros e argentinos, ainda não teve, segundo pesquisadores, a verba liberada para a ida de estudiosos daqui ao país vizinho.
A manutenção das bolsas já concedidas ou prometidas é o principal esforço das agências diante dos cortes. Em entrevista ao GLOBO, o presidente da Capes, o Acadêmico Carlos Nobre, preferiu não tratar de programas específicos, mas disse que a situação não é tão preocupante:
– Temos menos dinheiro, mas não muito menos. Conservamos a estrutura de todos os programas. Além disso, 100% das mais de 98 mil bolsas já concedidas continuam. Da verba de custeio, mantivemos quase 50%. O esqueleto da pós-graduação está mantido.
A também Acadêmica e professora de Bioquímica Débora Foguel, da UFRJ, coordena uma equipe que investiga a causa de doenças como o mal de Parkinson e o de Alzheimer. A pesquisa foi viabilizada graças a um edital pago por várias agências, como Capes e Fundação de Amparo a Pesquisa do Rio (Faperj). Atualmente, porém, o mesmo edital está atrasado e, com isso, a professora não pode requisitar mais recursos.
– Além da falta de insumos e de recursos para manutenção de equipamentos, se os cortes perdurarem, muitos equipamentos se tornarão obsoletos, e muitos alunos perderão ou não terão acesso a bolsas. Essa combinação perigosa gerará impactos negativos nas pesquisas – afirma Débora.