Fã de Carl Sagan, o físico Brenno Cabella começou a se interessar pela ciência depois de assistir ao documentário Cosmos, produzida pelo cientista e divulgador da ciência. “Seu carisma e conhecimento exerceram uma enorme influência na minha vida profissional”, conta Cabella, eleito membro afiliado da ABC na Regional São Paulo, para o período 2015-2019.
A escolha profissional, no entanto, não foi um processo simples. No colégio, Cabella gostava de desenho geométrico, ciências e matemática. Tinha mais facilidade com as disciplinas da área de ciências exatas, mas gostava muito das ciências biológicas. Quando terminou o colegial, ainda tinha muitas dúvidas, e começou a fazer cursinho para tentar saná-las. “Cheguei a prestar vestibular para engenharia, fui aprovado, mas senti que não era aquilo que realmente buscava”, conta. “No final daquele ano, encontrei no manual da Fuvest o recém-criado curso de física médica pela USP [Universidade de São Paulo]. Era precisamente o que procurava, pois poderia unir conceitos da física à medicina e à biologia.”
Por volta do terceiro ano de graduação, ele decidiu fazer, por curiosidade, iniciação científica (IC). “Para minha satisfação, encontrei na pesquisa estímulo para a livre troca de ideias e espaço para explorar praticamente qualquer assunto. Depois desta experiência, dificilmente optaria por uma carreira diferente que não fosse a de pesquisador.” A IC, feita sob orientação do Prof. Ubiraci da Costa Neves, tinha como tema as transições de fase em heteropolímeros lineares, uma visão da física estatística de como um processo biológico, como o enovelamento de proteínas, ocorria. “Ali se reuniam conceitos de física, estatística e biologia”.
Cabella seguiu na pós-graduação na USP sob orientação de Neves e coorientação do Acadêmico Dráulio Barros de Araújo – dessa vez, utilizando métodos estatísticos na obtenção de mapas de ativação neuronal a partir da análise de sinais de ressonância magnética funcional. No doutorado, buscou se aprofundar no estudo de funções generalizadas e entender o significado dos parâmetros de generalização no contexto biológico. “Para tanto, passei a fazer parte do Laboratório de Modelagem em Sistemas Complexos (LMSC), coordenado pelos Profs. Alexandre Souto Martinez e José Roberto Drugowich de Felício.”
Atualmente, seu trabalho consiste em compreender a ligação entre o comportamento microscópico e macroscópico de diversos fenômenos naturais. Ele explica: “Tome como exemplo o cérebro. Os neurônios possuem uma propriedade específica de receber e transmitir impulsos elétricos; porém, quando bilhões de neurônios interagem entre si, novas propriedades emergem, como a memória e o raciocínio.” Cabella utiliza esses conceitos para obter índices de relevância clínica na área de cardiologia e neurociências.
O físico também concluiu um pós-doutorado pela Sapra Assessoria na área de probabilidade e estatística aplicadas, sob supervisão do Acadêmico Sérgio Mascarenhas. “O Prof. Sérgio é um grande entusiasta da minha carreira; um cientista por quem tenho profundo respeito e admiração”, afirma Cabella. “Sua preocupação com a função social da ciência se tornou um dos pilares da minha formação e algo que levarei para sempre em minha carreira. Continuamos trabalhando em colaboração no desenvolvimento de novas técnicas não-invasivas de monitoramento da pressão intracraniana.”
Ele também foi contemplado com uma bolsa do governo canadense para realizar pesquisa na Universidade de McMaster, no Departamento de Matemática e Estatística. Atualmente é pesquisador visitante na Universidade de Cambridge, na Inglaterra.
Na infância, contato com várias culturas
Cabella teve uma infância humilde, sem muitos luxos. Sua mãe era professora particular de matemática e seu pai, professor de tênis. No entanto, um problema na coluna o impediu de continuar com as aulas, e a única alternativa era mudar de profissão. Começou, então a fazer um curso de direito. “Quando eu tinha sete anos, meu pai prestou concurso para juiz de direito e foi aprovado”, relembra o membro afiliado.
A partir daí, a vida da família mudou bastante. “Moramos em várias cidades do interior paulista devido à nova carreira de meu pai. Apesar de ter que deixar para trás amigos e parentes, essas mudanças tiveram um lado positivo na minha formação pessoal. Além de fazer novas amizades, passei a conhecer novas culturas e costumes e, com isso, dar importância a outras formas de enxergar o mundo.”
A vida nas cidades pequenas do interior paulista possibilitou uma infância de brincadeiras na rua com carrinho de rolimã, empinando pipa e andando de bicicleta. Dentro de casa, gostava de montar kits de LEGO e brincar com jogos de estratégia e raciocínio, com sua irmã mais nova que, hoje, é advogada.
Hoje, ele se interessa pela arte de uma forma geral. “Adoro música; do jazz ao pop, do clássico ao rock”, revela. Quanto ao cinema, seu gosto vai dos blockbusters aos clássicos. “Fazia parte do Cineclube da Filô, um encontro semanal na faculdade em que eram apresentados filmes de diretores consagrados como Ingmar Bergman, Akira Kurosawa, Andrei Tarkovski, Stanley Kubrick, Orson Welles, entre outros.”
Os livros também são uma ótima companhia, diz o físico. Na adolescência, leu várias vezes “1984”, de George Orwell. “O que me fascinava era a escrita fácil e suave contrastada com o peso e a brutalidade do mundo distópico retratado pelo autor.” Outra obra que o marcou foi “Gödel, Escher, Bach”, de Douglas Hofstadter. “As analogias entre filosofia e arte foram realizadas de forma tão elegante e harmoniosa que o livro acaba sendo uma obra de arte em si.” Cabella também procura manter um estilo de vida ativo, com atividades físicas diárias.
Interesse pelo “novo”
O que mais o encanta na ciência, conta Cabella, é a descoberta do “novo”, e como esse “novo” pode causar, mesmo que a longo prazo, um impacto social positivo. “Em minha área especificamente, sendo multidisciplinar, há a confluência de diferentes pontos de vista, sejam eles da biologia, da física ou da matemática. Isso é muito enriquecedor e edificante, pois estimula uma postura humilde em relação à natureza e a realidade. Percebemos que nosso conhecimento é incompleto. O que é ótimo, pois sempre haverá algo a mais para aprender.”
Para ele, o título de membro afiliado da ABC significa um novo patamar de responsabilidade, tanto social quanto acadêmico. “É com certeza um grande orgulho para mim e para toda minha família”, comemora. “Espero que minha contribuição possa ocorrer tanto no âmbito de produção científica quanto no de divulgador da ciência.”
Cabella acrescenta que, para uma verdadeira revolução cultural, é importante que a sociedade tenha mais contato com o método científico. “Cabe ao cientista mostrar a importância do questionamento, da dúvida e do processo de aprendizado.”