A estudante Isabela Canuto Paiva, do 9º ano da Escola Estadual Chiquinho de Paiva, no município de Capela Nova (MG), a 135 km de Belo Horizonte, é o resultado de uma equação que combina humildade, incentivo familiar e talento para a Matemática. A jovem está entre os 501 alunos que ganharam medalhas de ouro pelo desempenho na 10ª Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP 2014).
O ministro de CT&I, Aldo Rebelo, discursa na premiação; ao fundo, o presidente da ABC, Jacob Palis (o segundo, da direita para a esquerda)
Além de receber os aplausos de uma calorosa plateia, formada por alunos, professores, pais e parentes orgulhosos, de todo o Brasil, que lotou o Teatro Municipal do Rio de Janeiro no dia 20 de julho, Isabela tinha muito que comemorar. Apesar de ser a sua terceira medalha na competição (em 2013, ela ganhou prata, e em 2012, ouro), ela disputou a edição de 2014 com 18.192.526 estudantes, matriculados em 46.711 escolas públicas (federais, estaduais e municipais), de 5.533 municípios (o que representa 99,41% dos municípios brasileiros). No total foram 6.501 medalhistas (501 de ouro; 1.500 de prata e 4.500 de bronze).
“Mesmo com a terceira medalha e o fato de já estar classificada para a segunda fase da OBMEP 2015, Isabela é muito humilde. Em sala de aula é sempre muito tímida, pouco fala, porém, quando escreve, suas respostas são muito detalhadas. Ela é um sucesso”, afirmou Sheila Gonçalves de Souza, professora de Matemática de Isabela, que compareceu à premiação com a diretora da Escola Estadual Chiquinho de Paiva, Marcia Moreira da Cunha.
Há uma interseção entre o conjunto de qualidades de Isabela e os resultados brilhantes da jovem na OBMEP: o incentivo dos pais, lavradores da área rural de Capela Nova, município com cerca de cinco mil habitantes. Apesar de terem parado os estudos no 4º ano do Ensino Fundamental, Celia de Paiva Canuto e José Carlos de Paiva, pais de Isabela, sempre incentivaram os três filhos a estudar.
“A mais velha, de 17 anos, já estuda administração em uma faculdade em Barbacena e também ganhou uma medalha de bronze na Olimpíada de Matemática quando estudava na Chiquinho de Paiva. O nosso mais novo, não gosta muito de estudar, está no 7º ano, já fez a Olimpíada, mas não ganhou medalha, prefere jogar bola. Falamos para os três que o estudo é a única maneira de eles terem uma vida melhor, porque não podemos pagar uma faculdade”, explicou Celia de Paiva Canuto, que trabalha com o marido na plantação própria de milho, feijão e café, cultivo que rende cerca de R$ 1,2 mil por mês à família.
Representante do estado que apresentou mais alunos com medalhas de ouro na edição 2014 da OBMEP (foram 153 para Minas Gerais), Isabela, ao ganhar medalha de ouro, também passa a ser contemplada com uma bolsa do Programa de Iniciação Científica Júnior (PIC). Custeada pelo CNPq, a bolsa contempla uma ajuda de custo de R$ 100 por mês e o direito de os alunos assistirem aulas, presenciais e/ou por videoconferência, com os melhores professores de Matemática de universidades públicas de todo o país.
Incentivo às estudantes com talento para números
Na cerimônia da 10ª edição da OBMEP, atividade do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) realizada com recursos do Ministério da Educação (MEC) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o Acadêmico César Camacho, diretor-geral do IMPA, fez uma homenagem às estudantes que se destacaram na competição. E arrancou aplausos calorosos de toda a plateia. Segundo Camacho, o número de alunas inscritas e premiadas aumenta a cada edição da olimpíada.
Nessa edição, um dos destaques foram as trigêmeas do Espírito Santo. Moradoras do distrito de Rio do Norte, pertencente a Santa Leopoldina, a 46 km de Vitória, Fábia, Fabiele e Fabíola Loterio, de 15 anos, estudavam juntas e provaram que talento feminino pode valer peso 3 em qualquer equação. A 10ª edição da OBMEP também prestou uma homenagem a 10 alunos e 10 professores que se destacaram em toda a trajetória da competição.
Novamente, as estudantes marcaram presença entre os dez alunos homenageados. A lista dos dez inclui a veterana Tábata Amaral, de São Paulo; Thais Silva do Nascimento, de Mato Grosso; Marta de Oliveira, de Alagoas, e Marli dos Reis Cantarino, de São Paulo. E ainda um destaque para carioca que recebeu uma medalha especial para homenagear alunos que já ganharam seis ou sete vezes a OBMEP. A heptacampeã Luíze DUrso atualmente cursa Matemática na PUC-Rio, onde passou em primeiro lugar. Ela também faz algumas matérias do Mestrado no IMPA.
Combate à soma de preconceitos
Em entrevista ao Jornal da Ciência, o professor Camacho foi enfático ao afirmar que é preciso combater o preconceito e estimular que as estudantes tenham bom desempenho em ciências exatas para que possam seguir os estudos no ensino superior em áreas como engenharia, onde ainda há a predominância de alunos do sexo masculino.
“Existe um preconceito que é surdo. Um preconceito que não é visível e existe contra as meninas em geral, que vai desde as coisas pequenas imperceptíveis. Por exemplo, alguns anos atrás foi lançada uma boneca Barbie nos EUA, que repetia “Odeio matemática”. Mas o boneco do homem aranha não fala isso”, comentou.
Segundo o diretor-geral do IMPA, a OBMEP tem mostrado que há um desempenho geral, nas escolas, muito bom, tanto com relação a meninas e meninos. “Infelizmente, ainda há o preconceito até mesmo por parte de professores. Existe uma série de outros experimentos que têm sido feitos no mundo que mostram isso. Um deles, recentemente reconhecido, foi feito em Israel, em que a mesma prova era aplicada para meninos e meninas, mas os professores não sabiam identificar pelo nome o gênero do aluno. Porém, quando sabiam que era uma menina, a nota de matemática era menor. Então esses preconceitos escondidos que fazem parte do dia a dia se refletem nesse fato de que as meninas ainda são minoria nas ciências exatas, nas engenharias, o que é completamente absurdo. Deveria ser meio a meio. E ainda assim, vemos na história da Matemática mulheres extraordinárias, com contribuições até melhores do que a de muitos homens”, completou.
Camacho comentou que não é raro ouvir das alunas ganhadoras de medalhas e participantes da OBMEP, que, se não fosse a competição, elas jamais sairiam de suas cidades. “Isso acontece porque as famílias costumam criá-las para casar e ter filhos. Enquanto o menino é estimulado a ser cada vez melhor e partir para luta. A OBMEP está deixando claro para as famílias que tanto menina quanto menino são um tesouro quando demonstram uma habilidade especial. No caso, o talento para a matemática. As famílias precisam se dar conta disso e estimular esses jovens a procurar um horizonte maior”, detalhou.
Matemática para inclusão social
Em dez anos de OBMEP, a conclusão do IMPA é que a competição atua também como um instrumento de inclusão social. Camacho disse que os estudantes premiados se distribuem entre 800 a 1000 municípios. “Isso mostra que o talento para Matemática se espalha em todo o país de maneira uniforme e em boa parte em cidades bem pequenas”, dest
acou.
acou.
O diretor-geral do IMPA ressaltou ainda que, por meio de enquetes feitas anualmente com todos os medalhistas, a ambição primária desses jovens é de estudar em uma universidade, ou seja continuar estudos. Porém, existe uma parcela que não realiza esse sonho por falta de condições financeiras.
“Muitos jovens são arrimos de família e sair para uma universidade significa ir para uma cidade grande, onde terão que se manter com despesas que nenhuma bolsa cobre. Atentos as isso, estamos pleiteando ao Governo bolsas de manutenção para os estudantes. Já temos um aporte da Fundação TIM, que dou, já este ano, 50 bolsas de R$ 1,2 mil para que estudantes carentes tenham a oportunidade de ir à universidade. É a OBMEP indo fundo no seu caráter social, sabemos que atingimos estudantes com excepcional talento para Matemática, mas que vivem em áreas de pobreza extrema”.
A cerimônia contou ainda com a participação do ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aldo Rebelo; do ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro; do secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação do Rio de Janeiro, Gustavo Tutuca; do secretário de Estado de Educação do Rio de Janeiro, Antonio José Vieira de Paiva Neto; do presidente da Academia Brasileira de Ciências, Jacob Palis; do vice-presidente da Sociedade para o Progresso da Ciência, Ildeu de Castro Moreira; do diretor-adjunto do IMPA, Claudio Landim, e de Artur Ávila, pesquisador do IMPA e ganhador da Medalha Fields em 2014, considerada a “Nobel de Matemática”. Ao lado de César Camacho, eles entregaram as medalhas aos alunos que foram ouro em Matemática.