Daphne Bavelier, pesquisadora na Universidade Rockester (EUA), estuda formas de aumentar a plasticidade do cérebro para o aprendizado. Durante a terceira sessão do Simpósio Internacional sobre Ciência para Educação, realizado nos dias 5 e 6 de julho, no Rio de Janeiro, ela falou sobre sua atual pesquisa, que tem como base os videogames como exemplos de ferramentas de aprendizagem.
O evento fez parte do Congresso Mundial de Neurociência da Organização Internacional de Pesquisa do Cérebro (IBRO, na sigla em inglês), que teve como um dos organizadores o Acadêmico Roberto Lent e contou com o apoio do Instituto Ayrton Senna, organização sem fins lucrativos que trabalha para ampliar as oportunidades de crianças e jovens por meio da educação. .
Jogos de ação, alguns com zumbis e, a maioria, com bastante violência. A cientista descobriu que esses tipos de games têm um efeito poderoso e positivo em muitos aspectos de nosso comportamento.
Ficar muito tempo em frente à televisão deixa a visão pior? Segundo o estudo de Bavelier, pessoas que não jogam muito jogos de ação e que não gastam horas olhando para um televisor têm visão normal, o que é chamado de visão normal-para-corretiva. Já aquelas que se permitem jogar de cinco a 15 horas por semana têm uma visão melhor.
“Crianças, jovens e adultos que jogam por longas horas são capazes de resolver pequenos detalhes no contexto de desordem, e isso significa que são eficientes em ler uma bula sem o auxílio de óculos”, explicou.
“Eles também têm capacidade de perceber diferentes tons de cinza e têm melhor sensibilidade ao contraste. Imagine que você está dirigindo na neblina. Isso faz a diferença entre você ver o carro na sua frente e evitar um acidente, ou acidentar-se. Então estamos de fato aproveitando esse trabalho para desenvolver jogos para pacientes com baixa visão, para ter um impacto no treinamento dos seus cérebros para ver melhor. Claramente, quando se trata de videogames de ação, tempo na frente da tela não torna sua vista pior.”
Outro dado resultante da pesquisa de Bavelier mostra que videogames não levam a uma perda de atenção como acreditamos. O nível de atenção determina a velocidade com que se resolve um conflito, e pessoas que jogam vários jogos de ação solucionam um determinado problema de forma mais rápida.
“Da mesma maneira que vemos os efeitos dos videogames no comportamento das pessoas, podemos usar imagens cerebrais para olhar o impacto de videogames no cérebro”, relatou. “Já achamos muitas mudanças, como nas conexões cerebrais que controlam a atenção. Existe o córtex parietal, que é conhecido por controlar a orientação da atenção; há o lobo frontal, que controla como nós sustentamos nossa atenção; e há ainda uma outra parte do cérebro que controla como alocamos e regulamos nossa atenção para resolver conflitos. Quando fazemos imagens do cérebro, descobrimos que as três redes são muito mais eficientes nas pessoas que jogam videogames.”

Multitarefas
O ensino de música e outras técnicas, como a meditação, têm um grande impacto na educação. Os videogames mostraram ser importantes como ferramenta para o aprendizado, como na mudança de tarefa, no controle cognitivo, na habilidade espacial. Outras características que os jogadores de videogames de ação apresentaram foram o autodomínio, a autoconfiança, o desejo de aprender, a motivação e a excitação.
Jogar levou ao melhor controle da visão, à melhor seleção de tarefas relevantes e fez com que as pessoas tivessem uma percepção e um controle motor visual superior daquelas que não jogam. Mas o sistema de tecnologia é muito amplo; os videogames não são as únicas ferramentas tecnológicas que podem ser usadas para a aprendizagem.
“Compramos a ideia de que temos que ser multitarefas, mas em nosso estudo, pessoas que usaram várias mídias ao mesmo tempo tiveram um desempenho pior na tarefa que selecionamos”, disse. “Isso revela que não podemos comparar o efeito de ser uma pessoa multitarefa e o efeito de ser um jogador de videogames. Há diferenças nos aspectos de cognição, percepção e atenção de cada um desses indivíduos.
Apesar dos pontos positivos dos jogos de ação, a cientista alerta: a tecnologia não é uma “boa babá”. Faz parte do papel dos pais conversarem com os filhos, educarem e observarem os tipos de jogos que as crianças e jovens estão jogando.
“Quando pensamos sobre o efeito dos videogames no cérebro, percebemos que é muito similar ao efeito do vinho na saúde. Há alguns usos ruins do vinho, assim como há usos ruins dos videogames. Mas quando consumidos em doses razoáveis, e na idade certa, vinho pode ser muito bom para a saúde. Há de fato moléculas especificas que têm sido identificadas no vinho tinto que levam a uma maior expectativa de vida”, comparou.
Continuando a analogia, a pesquisadora afirmou que os videogames de ação têm “ingredientes” que são realmente poderosos para a plasticidade do cérebro, aprendizado, atenção e visão, mas que é preciso trabalhar para entender o que são esses “ingredientes ativos”. Aprimorar esses elementos é fundamental para produzir melhores videogames, seja para a educação ou para a reabilitação de pacientes.
“Os jogos atuais de entretenimento ainda não são bons para a educação, mas estamos observando os componentes deles para a pesquisa”, declarou. “Estamos começando a entender quais são os elementos nos jogos que promovem efeitos positivos nos cérebros das pessoas. Esse trabalho é um desafio que requer que neurocientistas, pessoas que trabalham na indústria de software de entretenimento e editores se juntem para pesquisar e criar jogos que tragam sensações e sejam realmente bons para alavancar o aprendizado. Creio que estamos na trilha certa”.