O ensino em engenharia precisa ser reformulado. Entre as mudanças necessárias, incluem-se a modernização do currículo, reduzindo a carga horária, e uma maior “humanização” dos estudantes. Essas foram algumas conclusões de uma mesa-redonda sobre o tema, que aconteceu na 67ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em São Carlos, de 12 a 18 de julho.
O coordenador da mesa, José Roberto Cardoso, da Universidade de São Paulo (USP), fez uma introdução histórica sobre os cursos de engenharia, informando que, até a década de 60, eles eram essencialmente práticos e, a partir daí, começaram a aparecer os “cientistas de engenharia”, com doutorado. “A década de 70, a meu ver, foi o auge da engenharia, o equilíbrio entre a teoria e a prática, mas com a aposentadoria dos mais velhos, a engenharia acabou predominando como ciência.”
Ele comentou que isso causou alguns problemas – nos Estados Unidos sentiu-se o primeiro impacto, justamente porque o perfil de engenheiro não estava adequado. “Nos anos 2000, começou uma mudança nesse cenário, e a prática na engenharia passou a ter uma importância muito grande.”

José Roberto Cardoso, Helio Waldman, Carlos Ribeiro e Irineu Gianesi

A inserção da engenharia em um contexto abrangente
Helio Waldman, que foi reitor da Universidade Federal do ABC (UFABC) até 2014, lembrou que esse debate sobre a educação em engenharia já vem acontecendo fora da universidade, no Brasil e no mundo, e deve continuar no âmbito acadêmico. Para Waldman, uma das maiores dificuldades nessa discussão é não se saber ao certo de quantos engenheiros o Brasil precisa. “Não tem um padrão. Esse número depende das obras sendo feitas em infraestrutura, investimentos de novos produtos e serviços, e isso depende do crescimento da economia que, no Brasil, é muito cíclico.”
Waldman comentou que, na UFABC, eles tiveram uma oportunidade rara – a de repensar a educação em engenharia no contexto de repensar o próprio ensino superior. “Um dos grandes problemas que encontramos foi o distanciamento entre os cursos de engenharia e o restante da universidade – as ciências naturais, sociais, econômicas. Isso faz com que a engenharia se torne disfuncional no mundo moderno.”
Não é por acaso que a engenharia está na universidade, afirmou o palestrante. Cada vez mais conhecimento é produzido nessas instituições, e cada vez mais, o papel da engenharia é incorporar esse conhecimento em novos serviços e produtos. Então, é preciso uma articulação maior com a pesquisa, pois, sem ela, a engenharia se torna disfuncional.
“Eu me formei nos anos 60 no ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica] e achei que estava saindo preparado para tudo, mas não estava”, contou. “Vi que o conhecimento não era algo pronto, mas dinâmico e volátil. O engenheiro era usado quase como uma máquina. Éramos preparados para sermos instrumentalizados, e não para pensar e gerar novas soluções. Hoje, a informação está no bolso, no celular, então não é preciso colocá-la na cabeça, mas é importante saber o que fazer com ela, para poder focar nos problemas novos e gerar soluções novas.” Waldman disse ser uma proposta muito diferente da de 50 anos atrás, então, a inserção do engenheiro deve ser outra. No entanto, o ensino continua quase igual desde aquela época, por isso precisa mudar.
O engenheiro do século 21 deve ser capaz de atuar de forma interdisciplinar e de se comunicar com pessoas de direito, economia, saúde e outras áreas. “Sem essa interdisciplinaridade, não será possível atacar de forma eficaz esses novos problemas. Deve haver uma parceria que envolva indústria, governo, universidade e sociedade”, afirmou Waldman.
A experiência do ITA
O coordenador do curso de computação do ITA, Carlos Ribeiro, contou algumas experiências inovadoras da renomada instituição em relação à educação em engenharia. Segundo Ribeiro, o fato de o ITA ser uma escola ultratradicional tem aspectos positivos – como a manutenção de um ensino de qualidade – e negativos – como a resistência à mudança. “Todos nós queremos o superengenheiro: generalista e especialista, quando necessário; líder; empreendedor e inovador, no sentido geral, não apenas empresarial; com iniciativa; espírito para trabalho em equipe etc.”
Há quatro anos, o ITA iniciou um acordo com o Massachusetts Institute of Technology (MIT) que acabou não decolando, mas que teve um lado bom. A equipe do MIT destrinchou o ITA, fazendo uma análise completa e apontando o que era bom e ruim. Concluíram que os alunos de graduação eram excelentes, engenhosos e motivados para enfrentar os desafios do mundo real. No entanto, a motivação principal para pesquisa parecia se limitar a publicações, e indicaram a necessidade de se desenvolver uma cultura de inovação em educação e pesquisa.
“A meta de formar engenheiros de concepção sempre existiu”, ressaltou Ribeiro. “Não queremos que eles sejam apenas engenheiros de manutenção, projetistas, mas indivíduos capazes de conceber algo a partir de uma ideia.” No entanto, como na maioria das escolas, o ITA tem muitas aulas expositivas – seis a oito disciplinas por semestre; muitas de fundamentação teórica. As regras de aprovação e desligamento são muito rígidas, mas, na prática, têm que ser flexibilizadas por serem quase inviáveis no mundo atual. “Como compatibilizar esse modelo com as mudanças?”, questionou.
As diretrizes do Ministério da Educação já destacam a necessidade de formação generalista, humanista, crítica e reflexiva. Por isso, o ITA tem buscado desenvolver trabalhos de integração que façam com que os alunos incorporem no aprendizado os valores humanos que um engenheiro deve ter, unindo três conceitos de R. Miller: desirability (o que é desejável para a sociedade), feasibility (o que a visão estereotipada do engenheiro usualmente faz) e viability (a viabilidade).
No ITA, informou Ribeiro, os alunos não ficam parados, desenvolvem projetos, definindo eles mesmos os objetivos, para que sintam-se motivados. Há esse estímulo tanto no nível teórico – por exemplo, alguns dos estudantes participam de Olimpíada Internacional de Matemática – quanto no nível prático. Uma ação institucional sendo conduzida no instituto é D-Lab, uma ação de empreendedorismo social, com cursos já incluídos na grade curricular desde 2014, inspirada no MIT.
A ação consiste em desenvolver soluções tecnológicas através do diálogo, do design de projetos e da disseminação – os três Ds. “Eles desenvolvem a solução de forma cooperativa com os indivíduos interessados na solução do problema, e o foco é o público de baixa renda.” Em relação ao diálogo, disse Ribeiro, é uma experiência de comunicação excepcional, porque dificilmente o aluno de engenharia vai ter a possibilidade de entrar em contato com pessoas de outro estrato social. Os projetos devem ter solução rápida, simples, efetiva e barata.
Os desafios na formação do engenheiro
Irineu Gianesi, diretor dos cursos de engenharia do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), falou sobre os desafios para um novo ensino de engenharia. A instituição privada e sem fins lucrati
vos iniciou a graduação em 1999, com cursos de período integral, e tem a experiência de criar algo do zero. Desde a sua fundação, o Insper sempre esteve no topo da avaliação do MEC.
Gianesi enfatizou que, na formação do engenheiro, é preciso desenvolver as competências desejadas pelo mercado para além da competência técnica. Ele apontou alguns desafios, como formar engenheiros para fazer efetivamente engenharia, pois apenas quatro em cada dez trabalham na área. Além disso, é importante formar engenheiros inovadores, capazes de ver a engenharia como processo, e atrair mais mulheres para o ramo, promovendo a diversidade.
De acordo com estudos, os engenheiros e escolas de engenharia estão sendo avaliados abaixo da média em quesitos como liderança, conhecimentos gerais, comunicação e espírito empreendedor. Um parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) de 2001 já chamava a atenção para um novo tipo de educação, que rejeita a mera acumulação de conteúdos como garantia para a formação de um bom profissional. “Engenharia não é acúmulo de conhecimentos, não basta ir fazendo disciplinas e quando, concluir, pronto, virou um engenheiro”, declarou Gianesi. “Engenharia é um processo que inclui identificar necessidades de produtos e serviços até que eles gerem impacto e melhorem a vida das pessoas.”
No Insper, os objetivos de aprendizagem partem de um design centrado no usuário, com foco em empreendedorismo, conhecimento técnico, habilidades interpessoais, conhecimento do contexto (social, político, ambiental, ético) e “aprender a aprender”, porque, por maior que seja a carga horária do curso, o aluno não vai assimilar tudo, então tem que saber aprender sozinho. Ele citou uma iniciativa do instituto: o Insper FAB Lab, uma plataforma aberta de criação que tem como objetivo reunir pessoas de diversas áreas para que elas, de maneira colaborativa, materializem ideias por meio do uso da fabricação digital.