Em uma conferência da 67ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o Acadêmico Glaucius Oliva, que presidiu o CNPq por cinco anos, falou não sobre política científica, mas sobre pesquisa e inovação em biodiversidade e fármacos. Professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo em São Carlos e coordenador dos Centros de Pesquisa em Inovação e Difusão (Cepids) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Oliva apresentou o trabalho que sua equipe vem realizando em um desses centros interdisciplinares no penúltimo dia do encontro, realizado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), de 12 a 18 de julho.
A Acadêmica Vanderlan Bolzani, que apresentou o conferencista, e Glaucius Oliva
Foi ele que apresentou e liderou a proposta de criação do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar). Os Cepids da Fapesp abordam temas complexos para projetos interdisciplinares que precisam de prazos mais alongados, apoiados no tripé da pesquisa, inovação e difusão. A ideia é buscar avanços tecnológicos que cheguem ao benefício público. Fazem parte do CIBFar o Instituto de Física da USP – São Carlos, o Departamento de Química da UFSCar, o Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), entre outros.
“O importante é que o conhecimento transborde da academia e chegue à sociedade”, afirmou. “Aqui na SBPC, foram mostrados os resultados de uma pesquisa sobre a percepção das pessoas sobre a ciência, que constatou que há uma falta de conhecimento científico em geral. É nosso papel tentar contribuir com a divulgação.”
O programa de pesquisas é abrangente. Inclui, por exemplo, a bioprospecção de compostos de fontes naturais (plantas e microrganismos), atividade bastante prejudicada por conta da regulação e legislação. “A Unesp [Universidade do Estado de São Paulo] de Araraquara levou multa de R$ 5 milhões porque estava estudando moléculas e publicando trabalhos sem ter licença”, informou Oliva. “A Natura, empresa que busca inovar e agregar valor à biodiversidade, também foi multada. Era um ambiente absolutamente adverso à inovação nessa área, mas hoje já temos mais condições de trabalho, com apoio do CNPq.”
Outra ação é a avaliação, seleção e desenvolvimento das moléculas bioativas promissoras (produtos naturais e compostos sintéticos), além de uma atividade intensa de química sintética para tornar moléculas candidatas a fármacos. Também são desenvolvidos e otimizados compostos líderes, respeitando suas propriedades fármacocinéticas e toxicológicas; bem como a validação desses modelos in vitro e in vivo.
“Essas atividades não são lineares; têm que ser feitas o mais paralelamente possível”, complementou o Acadêmico. “Competências distintas devem ser exploradas de forma conjunta para se ter alguma chance de sucesso.”
As estratégias e atividades do CIBFar perpassam por áreas como biologia molecular, química medicinal e biologia estrutural. Oliva explicou que os produtos naturais estão em alta no momento, citando um artigo publicado em uma das revistas do grupo Nature, em fevereiro de 2015, que abordava a reemergência dos produtos naturais para a descoberta de novos fármacos na era genômica. Há muitos novos fármacos, atualmente em testes clínicos, como antibióticos ou outros tipos de medicamento, que mostram a tendência de produtos naturais nessa área de pesquisa.
“Há moléculas pequenas em organismos vivos que têm a função de os defenderem de organismos externos”, explicou Oliva. “As moléculas naturais, portanto, foram selecionadas ao longo de milhões de anos para fazer isso. Os produtos naturais são uma fonte importante, porque já foram selecionados para interagir com outras moléculas biológicas. O que fazemos é sintetizar moléculas que são parecidas com eles.”
Identificar um novo fármaco não é uma atividade simples. No caso da Trypanosoma cruzi, causadora da Doença de Chagas, por exemplo, é preciso verificar se a molécula tem capacidade de passar pelo estômago e intestino até chegar no sangue, viajar por ele, atravessar vasos sanguíneos, chegar ao tecido, penetrar a membrana da célula, seu citoplasma, até atingir a enzima do agente dentro da célula. É um longo caminho, portanto.
“Às vezes, encontramos uma molécula que mata o Trypanosoma cruzi in vitro e pensamos ter achado a cura da Doença de Chagas”, ressaltou Oliva. Mas, na verdade, trata-se de uma molécula promissora, que ainda vai ter que passar por todo o processo para ver se é ativa e não é tóxica no organismo humano.
“Basicamente, temos o objetivo de encontrar um alvo – que pode ser uma proteína, microrganismo, tecido -, partindo de compostos sintéticos ou produtos naturais e usando ensaios biológicos; vamos triando e convergindo as moléculas que sejam bioativas e que possam ser otimizadas dentro desse processo cíclico”, resumiu o físico. Eles buscam identificar as moléculas e entender seu papel na planta, se estão envolvidas em redes metabólicas etc. “É uma estratégia conjugada de identificação.”
Sobre essas substâncias, há pouco conhecimento detalhado de suas atividades biológicas, menos ainda da biossíntese e de sua função, e menos ainda da sua utilidade. “Temos que ultrapassar essa etapa, já bastante explorada no Brasil, de triagem e identificação”, destacou Oliva. “Precisamos avançar no conhecimento de novos fármacos.”
Ele deu exemplos de aplicação de produtos naturais, entre eles, a avaliação dos efeitos benéficos à saúde de frutos brasileiros e vegetais para o desenvolvimento de alimentos funcionais, os chamados nutracêuticos, com capacidade de auxiliar a saúde. “Hoje, há um mercado enorme disso no mundo todo. As pessoas preferem prevenir doenças consumindo alimentos. Aqui se faz extratos de frutos liofilizados e depois testados quanto às suas atividades.”
No extrato de umbu, fruto muito comum no nordeste, foram identificados marcadores de substâncias antioxidantes e percebeu-se que esse extrato tem propriedades nutracêuticas favoráveis. Hoje, há pesquisadores avançando nesses estudos, com um protótipo de patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).
Outro exemplo são três fármacos potentes, usados para o tratamento de câncer – Taxol, Vimblastina e Colchicina. Todos eles são produtos naturais que usam a tubulina, uma proteína dentro da célula tumoral, como alvo, visando ao travamento da replicação celular. Eles se ligam de formas diferentes à tubulina e, ainda assim, têm efeitos semelhantes.
“Nada disso nós fazemos s
ozinho”, afirmou Oliva, comentando que o CIBFar busca parcerias internacionais para seus projetos. No caso da pesquisa sobre a Doença de Chagas, é feita uma cooperação com a ONG Drugs for Neglected Diseases Iniciative (DNDi), com a qual se criou o projeto Lead Optimisation Latin America (LOLA).