Quando surgiu a primeira universidade do mundo – Bologna, na Itália, em 1088 -, a sua missão era ensinar. No século 19, a missão das universidades foi ampliada e passou a incluir, também, a pesquisa. Agora, desde o século 21, o papel das universidades é a inovação. No entanto, o Brasil tem falhado em se adaptar a essa terceira missão, conforme mostrou a mesa-redonda “Educação superior, pesquisa básica e política industrial”, realizada na 67ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que acontece de 12 a 18 de julho, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Jorge Luis Audy; Luiz Roberto Curi; a Acadêmica Regina Pekelmann Markus, secretária-geral da SBPC, que coordenou a mesa; e Luiz Davidovich
Segundo o vice-presidente da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), Jorge Luis Audy, as universidades brasileiras precisam de um ambiente de inovação. Ele deu o exemplo da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, que, em 1951, recebeu terras como doação de um ex-aluno e criou um espaço para que professores e alunos pudessem montar empresas. Foi o primeiro parque industrial do mundo e, hoje, a região do entorno é o famoso Vale do Silício, onde nasceram importantes ideias empreendedoras, como a multinacional HP.
“O novo papel da educação superior envolve a criação de ambientes de inovação em que afloram novas tecnologias que transformam a sociedade”, afirmou Audy. Ele lembrou os três grandes desafios do ensino superior, apresentados pela Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (UNESCO) em 2009: inovação, interdisciplinaridade e internacionalização. “Os três is.”
Audy informou que estamos abaixo da média mundial de inovação, ocupando a 64ª posição no ranking de países do Global Innovation Index, e temos baixos índices de distribuição do PIB per capita e de percentual de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). “Temos um patamar de inovação semelhante à dos países africanos. A Argentina, por exemplo, tem o dobro de doutores por mil habitantes em relação ao Brasil. Por mais que tenhamos casos interessantes de inovação, como a Embraer [Empresa Brasileira de Aeronáutica] e a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], do ponto de vista sistêmico, estamos bem longe do ideal.”
Resistência a mudanças
O desafio, segundo o palestrante, é transformar o conhecimento em valor agregado à sociedade. Audy destacou que inovação é a aplicação com sucesso de novas ideias, e que devemos buscar a inovação disruptiva, aquela que cria tecnologias que quebram paradigmas, mais do que a inovação apenas incremental. Ele comentou que o conservadorismo do meio acadêmico acaba atrapalhando esse processo: “Há 12, 13 anos, era comum haver uma reação muito forte da academia à criação desses ambientes e a levar as empresas para dentro das universidades. Nós somos tardios nesse processo, começamos 50 anos depois dos Estados Unidos”.
Temos resistência a transformações, apontou Audy. “Achamos que, se mudar, vai ser o fim da universidade, que a mudança pode piorá-la, que, se está indo tudo bem, não é preciso mudar nada”, afirmou. “Há também os que dizem pode mudar, deste que não altere em nada o que eu estou fazendo tão bem nos últimos anos. Mas os fatores de sucesso das ultimas décadas provavelmente não serão os mesmos das próximas.”
Audy apontou a necessidade de evoluirmos da economia tradicional para a economia do conhecimento. “Temos que formar o cientista empreendedor, não o contrário. As instituições de ensino superior devem colocar sua tradição e qualidade a serviço da renovação necessária para atender ao cumprimento de sua missão de inovar. É a busca de uma nova educação para uma nova sociedade, em sintonia com seu tempo.”
Bons exemplos brasileiros
O diretor da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Luiz Davidovich, do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), revelou que um dos maiores desafios para se criar um ambiente de inovação no Brasil é a formação de pessoal. Ele citou alguns estudos elaborados pela ABC que trazem importantes orientações sobre o tema tratado pela mesa, entre eles o “Subsídios para a reforma da educação superior”, de 2004, e o documento entregue pela Academia aos candidatos à Presidência da República, em 2014: “Por uma Política de Estado para Ciência, Tecnologia e Inovação”.
Davidovich, no entanto, fez questão de mencionar alguns casos inovadores de sucesso no país. Segundo o Acadêmico, a Universidade de São Paulo (USP) forma, atualmente, mais doutores que Berkeley, dos Estados Unidos, e houve uma evolução notável do fator de impacto das publicações brasileiras na área da física, graças a colaborações internacionais. Em matemática, tivemos um vencedor da Medalha Fields em 2014, o Acadêmico Artur Avila, e um enorme sucesso da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), que já alcança 99,41% dos municípios.
“Se não fosse o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), fundado em 1950, não teríamos os recursos humanos que desenvolveriam os aviões da Embraer”, afirmou Davidovich. “Se não fossem os químicos, físicos e matemáticos, não haveria os progressos da área de petróleo. E o Brasil foi construído em concreto graças à Escola Politécnica da USP.”
Os problemas que prejudicam a formação de recursos humanos
Ainda assim, o físico alertou que os gastos com o ensino superior são insatisfatórios – a metade do que é investido pelos Estados Unidos. Além disso, o gasto por aluno do ensino básico é extremamente baixo. De forma geral, o gasto anual por estudante em todos os níveis de educação no Brasil é menor do que em países como México e Chile, por exemplo.
Outro problema apontado por Davidovich é a enorme quantidade de instituições de ensino superior privadas no país, que não têm a qualidade do ensino devidamente controlada. “Há muitas universidades particulares ruins no Brasil. Na rede privada, o número de doutores é muito baixo.”
Os problemas na formação de recursos humanos se refletem nos empregos. Enquanto cerca de 11% dos estudantes ingressam nos cursos de engenharias, apenas 6% se formam. Além disso, menos de 15% dos pesquisadores nas empresas têm doutorado – na Coréia do Sul são 39%.
Outro problema no ensino superior brasileiro é a falta de flexibilidade dos currículos. Instituições dos Estados Unidos e China, por exemplo, permitem aos estudantes escolher áreas de estudo. “Aqui, temos um sistema rígido, engessado”, criticou Davidovich. Ele defendeu a diversificação das instituições e ciclos de curta duração – cerca de dois ou três anos -, evitando a especialização prematura. “Um estudante de engenharia da UFRJ cursa nove disciplinas por semestre! Ninguém aprende desse jeito. Há poucas possibilidades de eletiva e nenhum tempo para estudar.”
O diretor da ABC informou que a carga horária mínima prevista pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) é entre 3.600
e 4.000 horas, mas as universidades públicas chegam ao número impressionante de 4.500 horas. “No Massachusetts Institute of Technology (MIT), os cursos de engenharia têm carga de 2.800 horas, incluindo eletivas em humanidades. E não acredito que os engenheiros lá formados sejam piores que os nossos.”
Os preocupantes números do ensino superior
Luiz Roberto Curi, conselheiro do CNE, apresentou alguns números relativos ao ensino superior no Brasil. 73% do total de 32.049 cursos estão concentrados em instituições privadas, e 86,6% são cursos presenciais. No entanto, os cursos de ensino à distância vêm crescendo rapidamente nos últimos anos: enquanto hoje eles correspondem a 13,4% do total de cursos, há pouco mais de dez anos, eram apenas 3,6%.
Curi apontou, no entanto, que a educação à distância se expande em lugares como São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, onde a oferta de cursos presenciais já é muito extensa. “Por uma questão de mercado, não há essa expansão para o norte, centro-oeste.” Ele comentou, ainda, que, uma vez que as instituições privadas são tantas, elas devem participar do processo de inovação.
A maior parte dos cursos está concentrada na região sudeste – 46%. “Não vemos crescer o número de matrículas no norte”, alertou Curi. A região engloba apenas 8% do total. No nordeste, esse índice é de 20%, no sul é de 17% e no centro-oeste, 9%. Há uma concentração das matrículas de ensino superior nas universidades: 53,4%. Isso se deve, em parte, porque estas instituições são dotadas de maior autonomia. As faculdades correspondem a 29,2%.
Um número preocupante é a quantidade de jovens de 18 a 24 anos no ensino superior, incluindo os que já concluíram, de apenas 17%. Na Bolívia, são 21%; na Venezuela, 26%; na Colômbia, 33%; na Argentina, 40%; na Europa, 62%; e nos Estados Unidos, 80%.
Já em relação aos jovens de 15 a 17 anos, 50% estão fora do ensino médio. “São 8 milhões de jovens que nem trabalham, nem estudam, a geração nem-nem”, informou o sociólogo. Além disso, 400 mil professores da educação básica pública não têm formação superior adequada à Lei de Diretrizes e Bases de 1996. Outro problema que merece atenção é o fato de 66% do total de 5.564 municípios brasileiros não terem nenhum tipo de oferta de educação superior.
Além disso, o Brasil tem 40 milhões de trabalhadores com escolaridade inferior a quatro anos. Um dado relacionado a esse é o da produtividade do trabalhador brasileiro – equivalente a 1/3 da produtividade do coreano, 1/4 do alemão e 1/5 do norte-americano. Ou seja, os desafios para se criar um ambiente de inovação no ensino superior são muitos e requerem o engajamento de todos os setores – academia, empresas e sociedade.