Ao apresentar o físico da UFRJ e Acadêmico Moysés Nussenzveig, o diretor da ABC Luiz Davidovich falou que o Ano Internacional da Luz seria apenas um pretexto para uma palestra rica e diversificada. E foi exatamente assim a sessão especial da nona edição da Reunião Magna: em sua conferência, Nussenzveig falou sobre a origem da vida de um ponto vista da energia, a teoria da consciência e o funcionamento do cérebro, a teoria quântica e até sobre a tecnologia das pinças ópticas.
O Ano Internacional da Luz é uma iniciativa mundial proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em dezembro de 2013, que envolve diversas instituições de todo o mundo com o objetivo de conscientizar para a importância da luz e das tecnologias ópticas para o desenvolvimento sustentável. Por isso, a ABC dedicou uma sessão especial para o tema, que foi conduzida por Nussenzveig, no evento anual mais importante da Academia.
Ele iniciou a apresentação lembrando que, em 7 de maio, há quase exatos 90 anos, o icônico cientista Albert Einstein dava uma palestra na Academia Brasileira de Ciências com o título Observações sobre a situação atual da teoria da luz, em sua passagem pelo Brasil. Ali, ele adiantou resultados preliminares que poderiam colocar fim à controversa questão da existência das partículas de luz, os fótons.
Einstein após palestra sobre o fóton na Academia Brasileira de Ciências
A conferência de Nussenzveig, no entanto, teve inspiração em uma famosa palestra de Niels Böhr intitulada “Luz e Vida”, de 1932. O físico da UFRJ começou citando o geneticista russo Theodosius Dobzhansky, ao declarar que “nada na biologia faz sentido, exceto a luz da evolução”. Bohr salientou o aspecto teleológico na biologia ao afirmar que os organismos vivos têm um programa: a preservação e geração de indivíduos. “Como diz a Bíblia, crescei e multiplicai-vos.”
O Acadêmico também citou Schrödinger, em sua obra “O que é a vida?” ao questionar até que ponto a vida é consistente com a termodinâmica, uma vez que parece contradizer a 2ª lei, pela tendência à ordem em lugar de desordem crescente. Mas lembrou que um ser vivo é um sistema longe do equilíbrio, em interação com o ambiente. Schrödinger salientou que os seres vivos não se alimentam de matéria nem de energia, mas de “negentropia”, ou seja, de ordem, e a fonte dessa ordem é o sol. Isso já havia sido observado por Boltzmann:
“A luta dos seres vivos não é por materiais nem por energia, que já existe neles sob a forma de calor. A luta é por entropia, que se torna disponível pela transição de energia do sol quente para a terra fria.”
O segredo da vida
O cientista Francis Crick, ao meio dia de 28 de fevereiro de 1953, entrou no pub The Eagle, em Cambridge, Reino Unido, e gritou: “Descobrimos o segredo da vida”. Segundo Nussenzveig, o episódio foi uma “bravata de físico”, mas a descoberta era certamente fundamental e “um dos segredos da vida”. Tratava-se do mecanismo da replicação de genes, que foi seguido pela decodificação do código genético universal. A descoberta por Monod e Jacob da regulação da transcrição dos genes teve importância comparável.
Nussenzveig apresentou a hipótese que, para ele, é a mais plausível, em relação à origem da vida de um ponto de vista energético, em “chaminés” hidrotérmicas nas profundidades do oceano. “Só em 2000 é que se descobriu um exemplo, o chamado campo hidrotérmico da cidade perdida”, contou. Acredita-se que essas chaminés, de grandes proporções,eram muito comuns na época em que surgiu a vida na Terra. Delas, escapava um fluido quente vindo de dentro da Terra. As chaminés são formadas em parte por vulcanismo, em parte por tectônica de placas – que escorregam no fundo do mar e entram em contato com a água do oceano, em temperaturas muito diferentes, o que desencadeia uma série de processos.
Nussenzveig continuou, explicando que as paredes dessas chaminés têm uma microestrutura formada por microporos que têm tamanhos típicos de uma célula. As paredes têm ferro, enxofre e outros elementos que servem como catalisadores, e esse sistema funciona como um reator químico de fluxo, alimentado por gradientes tanto térmicos como eletroquímicos. Dentro desses poros, se acumulam hidrogênio e gás carbônico, que reagem quimicamente e produzem acetil-fosfato – análogo do ATP, que é precursor do mundo do RNA (o ácido ribonucleico, responsável pela síntese de proteínas da célula). “Tudo isso é muito recente”, comentou.
Outra contribuição importante para explicar a origem química da vida foi um trabalho publicado há cerca de dois meses no periódico Nature Chemistry. Precursores de todos os tijolos usados na construção da química da vida, os ácidos nucleicos (RNA), aminoácidos (proteínas) e lipídios (membranas) poderiam ter surgido ao mesmo tempo, a partir de ácido cianídrico depositado por cometas, com auxílio de radiação ultravioleta. “Os mais antigos fósseis de procariontes datam de 3,8 bilhões de anos atrás, data provável do surgimento da vida”, explica o Acadêmico.
Os fósseis de procariontes eram de cianobactérias e de Archaea que, antes, eram classificados como bactérias, mas hoje são reconhecidos como um domínio separado da vida. Bactérias e Archaea continuam sendo a forma dominante de vida da Terra em termos de biomassa, ou seja, são os seres vivos “mais bem sucedidos até hoje”, segundo Nussenzveig. As conclusões dessas análises são que deve ter havido um ancestral comum, conhecido como LUCA (last universal common ancestor), dotado de duas características universais: o código genético e a produção de energia por quimiosmose.
Os procariontes dominaram a vida na Terra por cerca de 2 bilhões de anos. Então, surgiram os eucariontes (cujas células contêm núcleos), considerado o evento mais importante na evolução da vida complexa. “Foi um encontro possivelmente único entre bactérias e Archaea, em que a bactéria engoliu a Archaea e acabou se estabelecendo entre as duas uma relação endossimbiótica, em que uma está dentro da outra, e isso deu origem às mitocôndrias, usinas de energia das células eucarióticas.” As mitocôndrias preservam muitas características da Archaea originária. Com elas, passou a haver uma fonte independente de energia dentro das células. Isso permitiu uma grande expansão do genoma e da complexidade da vida.
Outra exemplo de endosimbiose foi com as cianobactérias, capazes de gerar energia a partir da luz solar, e que deram origem aos cloroplastos das plantas verdes. “A luz do sol tem relação central com a vida”, destacou Nussenzveig. Há 2,5 bilhões de anos, cia
nobactérias começaram a oxigenar a atmosfera, dando origem à respiração celular. Toda a vida na Terra é mantida pela luz solar. A fotossíntese produz os nutrientes dos quais nos alimentamos e geram oxigênio que volta para atmosfera – é a maior fonte de oxigênio, atualmente. A respiração celular usa esses nutrientes e, a partir deles, produz o ATP, o combustível gerador da energia dos seres vivos.
nobactérias começaram a oxigenar a atmosfera, dando origem à respiração celular. Toda a vida na Terra é mantida pela luz solar. A fotossíntese produz os nutrientes dos quais nos alimentamos e geram oxigênio que volta para atmosfera – é a maior fonte de oxigênio, atualmente. A respiração celular usa esses nutrientes e, a partir deles, produz o ATP, o combustível gerador da energia dos seres vivos.
Luz a serviço da tecnologia
Com papel central na origem da vida, hoje, a luz é uma arma importante da biologia. É a base da tecnologia utilizada nas pinças ópticas. Nesta ferramenta, usa-se a força de gradiente de um feixe de laser para captura e manipulação de células. “Essa técnica evita dano a células, então é possível manipular células in vivo medindo forças e deslocamentos com precisão”, ressaltou o físico. Ao terminar sua palestra, Nussenzveig citou a frase de Bohr: “A vida será sempre sentida como maravilhosa, mas o que muda é o balanço entre essa sensação e a coragem para tentar compreendê-la” – o que se aplica também à luz.