Foi nos clubes de ciência da escola pública e do bairro Perdizes, na cidade de São Paulo, que Oswaldo Luiz Alves começou a se interessar por ciência, durante a adolescência, fazendo experimentos de Química e Biologia. Aos 20 anos, formou-se em um dos primeiros cursos técnicos de Química Industrial da América do Sul, na Escola Técnica Oswaldo Cruz, contando com bolsa de estudo da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Durante o curso, realizou um estágio no Instituto Biológico, do governo do Estado de São Paulo, onde teve seus primeiros contatos com a técnica de espectroscopia de infravermelho.
Após uma experiência de um ano trabalhando na indústria, ingressou nos cursos de bacharelado e licenciatura em Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e concluiu ambos em 1973. Durante a graduação, foi monitor do Instituto de Química da universidade e bolsista de iniciação científica. Assim que se formou, Alves, na época com 25 anos, foi contratado como docente pelo Instituto de Química da Unicamp e, simultaneamente, iniciou seu doutorado sem realizar previamente o mestrado, desenvolvendo um trabalho de pesquisa sobre aplicação da espectroscopia vibracional (Raman e infravermelha) em complexos moleculares. Em 1979, partiu para a França com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para realizar um pós-doutorado no qual trabalhou novamente com espectroscopia vibracional, inclusive utilizando um dos primeiros espectrômetros de infravermelho por transformada de Fourier. Dessa maneira, Oswaldo Alves vivenciou na própria pele o início de uma época da Química de profícuo desenvolvimento e aplicação de novas técnicas de análise, sobretudo espectroscópicas, e suas aplicações. Além disso, Alves também se deixou motivar por outro movimento, iniciado na década de 1970, que ocorria fortemente na comunidade dos químicos na Europa: o desenvolvimento e estudo de novos materiais dentro da chamada Química do Estado Sólido.
De volta ao Brasil depois de quase dois anos na França, nos quais atuou como professor convidado na Universidade de Lille, encontrou um panorama diferente do europeu. Por aqui, quase nenhum químico trabalhava ainda na área de Estado Sólido. Assim, Alves se dedicou a introduzi-la e, em 1985, fundou o Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES) no Instituto de Química da Unicamp. Desde então, o cientista tem feito relevantes contribuições à Ciência e Tecnologia de Materiais, em temas diversos como materiais vítreos para telecomunicações, técnicas de síntese de materiais bidimensionais, desenvolvimento de sistemas químicos integrados, purificação de nanotubos de carbono e interação de novos nanomateriais baseados em carbono com biossistemas.
Atualmente com 67 anos, Oswaldo Alves é professor titular da Unicamp, onde atua como coordenador científico do LQES e do Laboratório de Síntese de Nanoestruturas e Interação com Biossistemas (NanoBioss/SisNano). Em 40 anos de docência, orientou mais de 50 mestrados e doutorados. Pesquisador 1 A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ele é autor de mais de 200 artigos publicados em periódicos científicos, os quais totalizam mais de 2.400 citações, além de mais de 20 patentes depositadas, 5 concedidas e uma licenciada, esta última referente a uma tecnologia voltada à remediação de efluentes de indústrias papeleiras e têxteis. No campo da divulgação científica, atua como editor científico de dois boletins de notícias, o “LQES News” e o “Nano em Foco”.
Oswaldo Alves é membro titular da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e fellow da TWAS (The World Academy of Sciences for the advancement of science in developing countries) e da Royal Society of Chemistry. Recebeu prêmios de diversas entidades, como a Unicamp, a Associação Brasileira de Indústrias Químicas (Abiquim) e a Sociedade Brasileira de Química, da qual foi presidente de 1998 a 2000, além de fundador e primeiro diretor de sua divisão de Química de Materiais.
Segue uma entrevista com o cientista.
Boletim da SBPMat: – Como se despertou seu interesse pela ciência? O que o levou a se tornar um cientista e a trabalhar em Química do Estado Sólido/Materiais?
Oswaldo Luiz Alves: – Lá se vão muitos anos. Antes de entrarmos para a Universidade participamos muito dos clubes de ciência de nossa escola pública e do nosso bairro na cidade de São Paulo (Perdizes). No clube de ciências do bairro tínhamos um pequeno laboratório com materiais doados por um dos bisnetos do cientista Vital Brazil, onde fizemos muitas experiências de Química e Biologia. Logo em seguida veio um estágio realizado no Instituto Biológico, este mais formal, como requisito do curso técnico de Química Industrial, onde trabalhamos com espectroscopia no infravermelho e polarografia (eletrodo gotejante de mercúrio) aplicadas à determinação de pesticidas. Quando entramos na Unicamp, em 1969, depois de uma experiência na indústria (Bayer do Brasil), para nós já estava claro que continuaríamos os estudos após a graduação, o que nos fez logo engajarmos em pesquisas com compostos de terras-raras, através de uma Bolsa de Iniciação Científica da Fapesp, já pensando em nos tornar professor universitário e pesquisador. Fizemos o doutoramento direto (isto não era muito comum nos anos 70) trabalhando com as espectroscopias Raman-laser e no infravermelho e cálculos teóricos de campos de força moleculares. Em 1979, fomos para a França realizar o pós-doc no Laboratoire de Spectrochimie Infrarouge et Raman do CNRS (CNPq Francês) para trabalhar com espectroscopia Raman com resolução espacial, efeito SERS e CARS e comissionar um dos primeiros espectrômetros infravermelhos que operavam com transformada de Fourier. Nesta época ocorria na Europa e, principalmente na França (Bordeaux, Rennes e Orsay), uma fortíssima atividade em Química do Estado Sólido, dentro da perspectiva de materiais. Deixamo-nos contaminar!
Ao retornar ao Brasil vimos a oportunidade de fundar o Laboratório de Química do Estado Sólido – LQES (1985), com muita dificuldade, pois a quase totalidade da Química brasileira trabalhava em solução. Em função disso migramos para a comunidade de Física onde permanecemos por cerca de 10 anos, chegando, inclusive, a coordenar atividades ligadas aos materiais nas célebres reuniões da Sociedade Brasileira de Física (SBF) em Caxambu. De lá para cá, sempre estivemos envolvidos com Química do Estado Sólido e Materiais participando do Projeto Fibras Ópticas (Telebras) onde trabalhamos com vidros dopados com quantum dots para telecomunicações, vidros para óptica não linear e, no LQES, em atividades ligadas aos materiais bidimensionais (lamelares), nanocompósitos envolvendo polímeros condutores, sistemas químicos integrados, vitrocerâmicas e vidros porosos, nanopartículas de sílica com funcionalizações complexas, nanotubos de carbono, óxido de grafeno e carbon dots. Nestes três últimos temas nossos esforços estão voltados para o estudo da interação destes novos carbonos com biossistemas dentro da perspectiva da avaliação dos riscos das nanotecnologias (regulação).
Boletim da SBPMat: – Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais?
Oswaldo Luiz Alves: – Sempre é
muito difícil fazer estas avaliações, entretanto acredito que alguns pontos podem ser elencados.
muito difícil fazer estas avaliações, entretanto acredito que alguns pontos podem ser elencados.
Em termos da pesquisa científica, nossas principais contribuições foram as pesquisas com vidros dopados com quantum dots e vidros para óptica não linear, o desenvolvimento de técnicas de síntese de vários materiais bidimensionais e sua química de intercalação, o desenvolvimento de sistemas químicos integrados (vidro-polímero condutor, vidro-semicondutores), purificação de nanotubos de carbono (efeito dos debris oxidados) e interação de novos carbonos com biossistemas (efeito “corona” protêico e agregação) e nanopartículas de sílica com funcionalização antagônica para “drug-delivery”.
Criamos o Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES), laboratório pioneiro em pesquisas em Química do Estado Sólido no Brasil, onde atuamos até hoje como Coordenador Científico. Outra contribuição que acreditamos merece destaque foi a nossa atuação como Coordenador do “Programa de Química para Materiais Eletrônicos da Finep” (final dos anos 80). Muitos dos mais importantes grupos de pesquisa em Materiais que atuaram, ou ainda atuam no Brasil em alto nível, em vários estados, receberam financiamentos deste exitoso programa. Merece ser mencionada nossa participação como fundador e primeiro Diretor da Divisão de Química de Materiais da Sociedade Brasileira de Química. Coordenamos o projeto Fapesp que financiou a construção da primeira linha de EXAFS (XAS), inclusive com participação direta nos programas de formação de usuários em uma técnica espectroscópica que nunca tinha sido utilizada no Brasil. Atualmente estamos atuando como Coordenador Científico do Laboratório de Síntese de Nanoestruturas e Interação com Biossistemas (NanoBioss/SisNano).
Em 2014 completamos 40 anos de docência no Instituto de Química da Unicamp onde formamos mais de 50 alunos (mestrado e doutorado) muitos dos quais hoje são lideres de pesquisa destacados no cenário nacional e internacional e que exercem suas atividades em vários estados brasileiros.
Atuamos como editor científico de dois boletins de notícias. O primeiro é o LQES News, quinzenal, veiculado há 14 anos, com linha editorial ligada aos desenvolvimentos da ciência, tecnologia e inovação (geral) e nanotecnologias. O segundo é o Boletim NANO em Foco, editado em parceria com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, mensal, veiculado há 7 anos, com uma linha editorial ligada aos produtos comerciais, riscos e regulação das nanotecnologias. Além disso, publicamos, também em parceria com a ABDI, a “Cartilha sobre Nanotecnologia” (duas edições) destinada à introdução das nanotecnologias para o grande público.
Os diversos sistemas e materiais estudados e desenvolvidos no LQES permitiram o depósito de 27 patentes de processo e aplicação, inclusive algumas internacionais, e um licenciamento de uma tecnologia inovadora para o setor produtivo. Além disso, participamos, como consultor, de dois processos relacionados com o Programa de Subvenção Econômica para Empresas (Nanotecnologia) da Finep, que levaram ao desenvolvimento de 8 produtos comerciais.
Ao longo destes muitos anos, tivemos a participação em várias atividades relacionadas com a política científica brasileira. Dentre elas destacamos: Coordenador dos CAs (Química) do CNPq e Fapesp. Membro do Conselho Deliberativo do CNPq (2 mandatos) e do Conselho Consultivo da Nanotecnologia (MCTI/SisNano) em todas as suas composições. Atuamos, até o momento, como consultor para a área das nanotecnologias da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Prestamos consultoria ao Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo para a área de nanotecnologia. Fazemos parte do conselho cientifico da APAE de São Paulo.
Boletim da SBPMat: – Deixe uma mensagem para nossos leitores que estão iniciando suas carreiras de cientistas.
Oswaldo Luiz Alves: – Primeiramente, gostaria de dizer que a carreira científica é fascinante, sobretudo nos tempos em que vivemos, onde as quebras de paradigmas ocorrem amiúde. Outro aspecto, não menos fascinante, é o conviver com a inter, multi e transdisciplinaridade que, ao mesmo tempo em que ampliam nossos conhecimentos apontam para nossas limitações. Nestas relações fica claro que o conhecimento sólido e aprofundado de conceitos, técnicas e ferramentas é fundamental. Trata-se de um processo que passa por uma atitude de abertura e pela aquisição de uma “língua franca” que possibilitam a interação de diferentes especialistas e expertises, na resolução de problemas, muito bem identificados, de ciência, tecnologia e inovação. Assim, sempre que possível, devemos procurar um equilíbrio entre atitudes de pesquisa paper oriented e knowledge oriented e, sobretudo, não nos esquecermos de fazer uma segunda leitura de nossos resultados de pesquisa buscando, assim, examinar sua possível conexão com as necessidades do cidadão brasileiro e do desenvolvimento nacional.