Em artigo publicado em seu site, o Acadêmico Simon Schwartzman fala sobre as diferenças da educação do Brasil e da Finlândia, esta que tem como base a qualidade dos professores, a flexibilidade e um currículo bem definido.
“A notícia que a Finlândia ia acabar com o ensino das disciplinas (ou “matérias”) nas escolas, que seriam substituídas por “tópicos”, ou temas, foi recebida com alvoroço por muitos que, no Brasil, resistem à ideia de que o país necessita de um currículo definido e estruturado, que estabeleça com clareza o que as crianças devem aprender em cada etapa em línguas, matemática, ciências sociais e ciências naturais. Afinal, se os finlandeses, que têm a melhor educação do mundo, vão fazer isto, pode ter coisa mais antiga e ultrapassada do que criar um currículo estruturado no Brasil? Aliás, os finlandeses não fazem só isto: a escola lá começa aos 7 anos, não fazem muitas provas e avaliações, e é proibido passar dever de casa…
Na verdade a história não é bem esta, como se pode ver por um artigo publicado pelo The Independent, na Inglaterra, que pode ser visto aqui. Não existem muitos detalhes, porque é um projeto que ainda está por ser implantado, mas o se pode ver é que a preocupação é sobretudo com a maneira de ensinar os estudantes de nível médio a partir de projetos e problemas do mundo real, sem sobrecarregar os alunos com a memorização de fatos que estão ao alcance de todos na Internet, mas nem por isto abandonando a necessidade de desenvolver as competências básicas de leitura, escrita, raciocínio matemático e entendimento dos fenômenos científicos.
A principal diferença entre Brasil e Finlândia é que eles já estão de volta, enquanto que nós ainda mal começamos a andar. Na prova internacional do PISA de 2012 em matemática, para estudantes de 15 anos ao final do ensino médio, 5% dos estudantes finlandeses tinham desempenho excepcional, de nível 6, e outros 13.6% estavam no nível 5, também de alto desempenho, sendo capazes de resolver problemas complexos com independência, e somente 10,9% estavam no nível mais baixo. Apesar disto, ela perdia para Shangai, Hong-Kong, Singapura e Coréia, todos com mais de 20% dos estudantes de alto desempenho. Em contraste, o Brasil tinha somente 0.8% nos dois níveis mais altos, 30% no nível mais baixo, e 31% abaixo do mínimo.
A qualidade da educação da Finlândia se explica, a começar, pela excepcional qualidade de seus professores, todos com cursos de pós-graduação e motivados por trabalhar em uma das carreiras mais prestigiadas do país, ao que se somam escolas em excelente condição que funcionam com grande autonomia e flexibilidade, sem abrir mão dos conteúdos que todos devem aprender. A flexibilidade aumenta no ensino médio, a partir dos 15 anos, com a preocupação em formar os estudantes para a vida do estudo e do trabalho. As escolas chinesas de alta qualidade são muito diferentes – formais, rigorosas, exigentes, fazendo uso de métodos tradicionais. Os estudantes finlandeses são certamente mais felizes, e o que perdem em alto desempenho nas avaliações talvez ganhem em criatividade e iniciativa.
O que a educação da Finlândia e dos asiáticos têm para nos ensinar? O mais importante, me parece, é não confundir o conteúdo do que deve ser aprendido com os métodos de ensino. Existe uma grande polêmica, que me parece falsa, entre os que enfatizam as informações a serem acumuladas e os que enfatizam as competências que a educação deveria desenvolver. Na verdade não existe uma coisa sem a outra. Uma educação focada na memorização de informações, sem entender que sentido têm e como podem ser revistas, reinterpretadas e expandidas, é tão oca quanto uma educação voltada para competências vazias. A educação de qualidade consiste sempre na transmissão dos conteúdos de uma cultura viva, a começar pela linguagem culta. Não se pode abrir mão dos conteúdos, e isto se faz, sobretudo, com bons professores que pensam e sabem o que ensinar nas diversas áreas do conhecimento, e com expectativas claras sobre os conhecimentos que os alunos devem adquirir ao longo de seus estudos – um currículo bem definido. Os métodos podem ser variados, dos mais tradicionais aos mais flexíveis, e dependem muito da cultura de cada país. A outra lição é que os conteúdos – começando pela alfabetização plena e incluindo o domínio de uma segunda língua – devem ser consolidados na educação fundamental – muito diferente da permissividade e falta de rigor que predomina nos primeiros anos das escolas brasileiras. É isto que permite que a educação média seja mais flexível, diversificada, baseada na pesquisa e em projetos, adaptada cada vez mais às preferências e características individuais dos estudantes, orientada para problemas e o desenvolvimento de competências não cognitivas, como a capacidade de trabalhar de forma autônoma ou em colaboração – muito diferente da marcha forçada para o Enem em que se transformou o ensino médio brasileiro.”
Simon Schwartzman é sociólogo e pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade no Rio de Janeiro. Foi presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e diretor para o Brasil do American Institutes for Research. É membro titular da Academia Brasileira de Ciências.