Leiam, abaixo, a carta de fundação da Rede Nacional de Ciência para Educação por um grupo de pesquisadores de diferentes disciplinas, instituições e estados – incluindo os Acadêmicos Roberto Lent e Eliane Volchan – com a finalidade de agregar e fomentar pesquisas que possam ser traduzidas em benefício da educação escolar, familiar, social, ou universitária.

”À medida que as sociedades se tornam progressivamente acumuladoras de conhecimento, elas dependem cada vez mais da capacidade humana de aprender e inovar. Essa intrigante característica humana ocorre de modo natural em todos os indivíduos, é estimulada pela família e pela vida social, e é articulada institucionalmente pelos espaços escolares nos vários níveis ao longo da vida das pessoas. O modo como cada nação planeja e realiza a educação de seus cidadãos para torná-los capazes de viver em sociedade e contribuir para o seu progresso, é um tópico de interesse individual, nacional e global. O aprendizado e a inovação são essenciais para o desenvolvimento humano e social, além de fundamentais para a capacidade de uma nação competir num cenário cada vez mais globalizado com demandas em transformação contínua. Nesta perspectiva é importante que a comunidade científica se associe a outros segmentos sociais e assuma um papel mais propositivo e inovador, criando alternativas baseadas na Ciência para as demandas sociais referentes à educação.

As políticas públicas de fomento à educação dependem, obviamente, de vontade política que as transforme em políticas de Estado, e não apenas de governo, ou seja, permanentes e não ocasionais. Esse processo deve se materializar em recursos financeiros e resolver questões de infraestrutura escolar e muitas outras.

Em um país como o Brasil, com gravíssimas carências na educação, o desafio é grande, mas algumas soluções estão postas: melhores salários e valorização social para os professores, formação mais contemporânea e continuada deles, infraestrutura escolar adequada, dedicação exclusiva do professor à sua escola, turno integral dos alunos, flexibilização de currículos, inovação nos métodos de ensino, acesso livre aos livros e meios de informação digitais, criação de uma base nacional comum para a educação, e várias outras propostas.

O que nem sempre fica claro é que, na hipótese utópica de que todos os problemas materiais estivessem resolvidos no sistema educacional, ainda assim teríamos muito a inovar se conhecêssemos, com os critérios das diferentes disciplinas da Ciência, como as pessoas aprendem, como se comunicam na relação professor aluno, quais facilitadores naturais existem para a memória, como corrigir as deficiências de aprendizagem de algumas crianças, como proporcionar maior rendimento intelectual aos idosos, que benefícios esses conhecimentos proporcionariam à construção dos currículos e à reforma dos métodos pedagógicos, e muitas outras questões.

Assim, um forte impulsionador da inovação na educação é a pesquisa científica focada em como os seres humanos ensinam e aprendem. O desafio é: como usar mais efetivamente os dados das ciências para substanciar as práticas e políticas educacionais, e, por outro lado, como usar o conhecimento e a experiência adquiridos na prática educacional para levantar questões que testem e refinem a pesquisa conduzida sobre a educação.

Em vista dessa constatação, os pesquisadores abaixo subscritos propõem-se a formar a Rede Nacional de Ciência para a Educação (Rede CpE), com o objetivo principal de integrar esforços dos vários laboratórios e pesquisadores do Brasil, de qualquer especialidade, cujo trabalho poderia ser aplicado à Educação, bem como de profissionais inovadores voltados à aplicação do resultado de pesquisas científicas no processo educacional. Trata-se aqui da mesma concepção que orienta a pesquisa translacional visando aplicações na saúde, neste caso visando aplicações na educação.

Pelo menos dois grandes problemas devem ser contemplados pela Rede CpE:

 

1) O conhecimento científico sobre o ensino e a aprendizagem não é compartilhado ou integrado entre fronteiras de disciplinas, apesar de várias delas conduzirem ativamente pesquisas nesse importante tópico. Essa desconexão atrapalha um entendimento profundo e global sobre os processos educacionais, o que pode levar a interpretações prematuras e/ou inapropriadas de achados em pesquisa.

Uma Ciência para a Educação que promova enfoques integrativos e interdisciplinares, para sinergisticamente abordar as várias complexidades acerca do ensino e da aprendizagem, é a inspiração para trazer a pesquisa sobre o ensinar e o aprender para um mais alto nível de esforço, comprometimento e resultado. Isso irá estimular a habilidade de equipes de pesquisadores em criar plataformas comuns de conceituação, experimentação e outros estudos empíricos que catalizem novas formas de pensar e investigar para compreender algumas complexidades sobre o ensino e a aprendizagem que por muito tempo têm permanecido obscuras.

2) Se por ora há uma aceitação implícita de que o conhecimento sobre como as pessoas ensinam e aprendem deva ser a base para determinar como devemos ensinar e educar, a realidade é que pesquisadores, elaboradores de políticas educacionais, gestores e educadores raramente têm oportunidade de examinar e discutir os problemas acerca da aplicação de práticas educacionais baseadas em evidências.

Uma Ciência para a Educação que combine evidências científicas sobre como as pessoas ensinam e aprendem com conhecimento e experiência de educadores, gestores e elaboradores de políticas será a inspiração para inovar na educação, pela criação de novas alianças estratégicas de pessoas-chaves para avançar nos objetivos educacionais e em suas diversas alternativas.

Como resposta a esses desafios, a Rede Nacional de Ciência para a Educação irá perseguir os seguintes objetivos:

 

– Estimular e realizar novas pesquisas científicas a partir de evidências empíricas trazidas por educadores, de modo a encontrar suas bases factuais.

– Fomentar experimentos em sala de aula que busquem testar hipóteses pedagógicas rigorosamente, via desenhos experimentais semelhantes a ensaios clínicos, com o objetivo de otimizar o aprendizado escolar.

– Promover a aproximação entre os pesquisadores e laboratórios, membros da rede, de forma a fomentar projetos em comum, de preferência interdisciplinares.

– Promover encontros periódicos – nacionais e internacionais – para realizar debates de alto nível entre pesquisadores, gestores, elaboradores de políticas educacionais e educadores, sobre pesquisas recentes em aprendizagem e suas implicações práticas.

– Sensibilizar os ministérios, agências de fomento, e organizações do terceiro setor para a importância de dirigirem sua atenção e recursos de modo a estimular a pesquisa translacional para a educação.

– Elaborar um levantamento censitário dos grupos de pesquisa existentes no país, cuja temática e produção científica têm potencialidade para serem aplicados na educação, para dispor de uma base de dados sobre a massa crítica brasileira e sua produção nas diversas disciplinas.

– Elaborar documentos em diversas mídias sobre os dados científicos debatidos e suas possíveis aplicações, e torná-los disponíveis para amplo acesso.

– Fomentar a abertura de disciplinas científicas que contribuam para o processo ensino-aprendizagem, nas licenciaturas e demais cursos de formação de professores (graduação e pós-graduação).

– Divulgar suas atividades por meio de sítio na internet, das redes sociais e outras mídias de comunicação digital ou impressa.

Rio de Janeiro, 24 de novembro de 2014

 

Alfred Sholl Franco, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Aniela Improta França, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Antonio Carlos Roque da Silva Filho, Universidade de São Paulo

Antonio Pereira Junior, Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Augusto Buchweitz, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Cecilia Hedin Pereira, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Charbel Nino El-Hani, Universidade Federal da Bahia

Claudio Da Cunha, Universidade Federal do Paraná

Daniela Marti Barros, Universidade Federal do Rio Grande

Edson Amaro Jr, Universidade de São Paulo

Eduardo F. Mortimer, Universidade Federal de Minas Gerais

Eliane Volchan, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Fernanda Freire Tovar-Moll, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Fernando Louzada, Universidade Federal do Paraná

Guilherme Brockington, Universidade de São Paulo

Hamilton Haddad Jr, Universidade de São Paulo

João Batista Teixeira da Rocha, Universidade Federal de Santa Maria

José A. Valente, Universidade de Campinas

Lilian Cristine Hübner, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Mailce Borges Mota, Universidade Federal de Santa Catarina

Marcos Vinicius Baldo, Universidade de São Paulo

Marcus Maia, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Marilia Zaluar Guimarães, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Marina Leite Puglisi, Universidade Federal de São Paulo

Martin Pablo Cammarota, Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Miriam Struchiner, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Mozart Ramos, Instituto Ayrton Senna

Roberto Lent, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Sidarta Tollendal Ribeiro, Universidade Federal do Rio Grande do Norte