A segunda sessão do X Seminário Nacional ABC na Educação Científica, realizado em Ilhéus entre 8 e 10 de outubro, intitulou-se ”Trabalhando a investigação no ensino de ciências”.

A primeira palestrante foi Lucia Helena Sasseron, que participou do evento via Skype. Ela é professora do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), onde ministra disciplinas para os cursos de pedagogia e de licenciatura em física.

Sasseron abordou o ensino por investigação do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo e emocional. ”Por que e para que ensinar ciências? Mais do que ensinar conceitos, devemos oferecer ferramentas para que o estudante possa construir seu conhecimento cientifico. Escola não é espaço de transmissão de conhecimento, é espaço de convivência.”

Seu grupo de pesquisa trabalha em um programa cujo planejamento envolve eixos estruturantes, que têm que ser trabalhados dentro e fora de sala de aula. Para a implementação desse projeto, utilizaram os indicadores de alfabetização cientifica, conceito vindo da França e dos EUA. ”É fundamental para o cidadão conhecer o processo de investigação científica, dado que ele vive numa sociedade imersa em adventos científicos, onde muitas vezes as soluções dos problemas passam pela ciência.”

Comprometida com o ensino de ciências por investigação, Sasseron explica que a implementação dessa metodologia depende apenas de um ambiente em que o aluno seja protagonista das perguntas, das questões, do pensamento. ”Em que haja interações entre os estudantes e entre estes e o professor. Em que o estudante tenha liberdade intelectual, tenha tempo para organizar e sistematizar ideias, considerar as possibilidades de agrupamentos, relações, generalizações e compreensão mais ampla do processo de construção do conhecimento”, destaca a pesquisadora.

Mas o que precisa mudar no ensino? Primeiro, segundo Lucia, o papel do professor, que não é mais o detentor único do conhecimento e sim o orientador, o promotor de ideias e discussões. O papel do aluno também muda, pois passa a ser ativo. ”Temos que transformar, inclusive, a concepção do tempo escolar, no sentido de ser mais flexível para acolher mudanças. O mesmo vale para a concepção de avaliação escolar, que deixa de ser uma nota numa prova final para ser um registro continuo dos progressos individuais”, arremata Sasseron.

 

Questões sócio científicas desenvolvem cidadania e aprendizagem de ciência

A ecóloga Dalia Melissa Conrado, professora do Laboratório de Ensino de Filosofia e História da Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) apresentou sua contribuição para o ensino de ciências. Falando sobre o ensino tradicional, Dalia o avaliou como tecnicista, acrítico, com ênfase na memorização, descontextualizado e distante do cotidiano do aluno. ”Peca pelo excesso de conceitos e pela falta de atenção ao ensino de atitudes”, afirmou a professora. Reforçando o argumento, ela ressaltou que os objetivos educacionais devem envolver três níveis de conteúdo: conceituais, procedimentais e atitudinais. ”Os conteúdos atitudinais abrangem os procedimentais, que por sua vez abrangem os conceituais.”

A passividade é uma das atitudes que a professora acha necessário modificar. ”O cidadão acha que não tem que fazer nada para ajudar a resolver os problemas socioambientais, deixa isso para o cientista. Temos que mudar a cultura, a forma como lidamos com a energia, por exemplo”, disse Dalia. Ela considera ainda que a visão tradicional da educação é cientificista. ”Ela coloca a ciência e a educação como neutras e boas, associadas a uma crença de salvacionismo tecnológico – como se a tecnologia fosse o fim, e não o meio, e que vai salvar a humanidade.”

Para superar os problemas da educação tradicional, Dalia propõe contar com contribuições da educação para ciência, tecnologia, sociedade e ambiente (CTSA), na qual ”é preciso mobilizar conhecimentos, transpor o que é aprendido para a prática cotidiana.” Ela explica que a educação CTSA busca contextualizar o ensino de ciências, buscando formar indivíduos sociopoliticamente ativos, engajados em ações individuais e coletivas comprometidas com a transformação da sociedade. ”Abrange ética, história, ciência, tecnologia e considera os conhecimentos prévios dos alunos”, explica Dalia.

A metodologia prevê o envolvimento dos alunos com questões sócio científicas relacionadas com problemas sociais controversos, que são interdisciplinares e complexos em função da realidade social contemporânea. Dalia deu alguns exemplos de temas, como agroecologia, conservação ambiental, créditos de carbono, conservação de recursos hídricos, organismos geneticamente modificados, saúde humana e uso de antibióticos, intoxicação alimentar, tecnologia militar e segurança, racismo. ”São temas que estimulam o interesse, o engajamento e desenvolvem a capacidade de argumentação dos estudantes”, observou a professora.

Sobre as formas de avaliação, Dalia citou a avaliação inicial, referente aos conteúdos prévios relacionados aos objetivos de aprendizagem, mas acrescentou a avaliação processual, que seria um acompanhamento diário das equipes, a avaliação mútua e a auto avaliação. ”A avaliação final deve considerar todas essas instâncias, com foco no alcance dos objetivos de aprendizagem. É importante, também, a avaliação de argumentos.”

Ela remeteu-se a algumas plataformas on line que podem ajudar muito a formação de professores nessa linha. Uma delas é a ComPratica, uma comunidade virtual de práticas voltada para a interação entre professores, pesquisadores e estudantes do ensino superior. ”É um espaço em que são compartilhadas ferramentas de desenvolvimento profissional, úteis para a diminuição da lacuna pesquisa-prática no ensino de ciências”, esclareceu Dalia.

A ComPratica deu origem à CoPPEC – Colaboração em Pesquisa e Prática em Educação Científica -, parte integrante da plataforma Bio em Rede. ”Essa plataforma é destinada à pesquisa colaborativa e disseminação de inovações educacionais sobre temas variados do ensino de ciências e biologia. É interessante para professores do ensino fundamental e médio, graduandos e pós-graduandos, licenciandos e pesquisadores, para construção colaborativa de conhecimento.”

Finalizando, Dalia comentou os resultados do trabalho com questões sócio científicas observado por ela. ”As atividades provocam um aumento da participação ativa do estudante nos processos de tomada de decisão, promove o aprendizado interdisciplinar de conteúdos, estimula a ação sociopolítica… Enfim, contribui significativamente para a formação integral do cidadão.”