Uma das principais conclusões dos dois dias de debate do Seminário Internacional Sociedade e Natureza foi a de que é preciso falar mais em ciência integrada, transpassando todas as disciplinas. O evento foi realizado na Academia Brasileira de Ciências (ABC), em parceria com o Conselho Internacional para a Ciência (ICSU, na sigla em inglês) e o Conselho Internacional de Ciências Sociais (ISSC), entre os dias 30 de setembro e 1º de outubro.
”Para fazer a diferença em relação a problemas reais, precisamos envolver as ciências da engenharia, saúde, humanidades”, ressaltou a secretária-geral do ISSC, Heide Hackmann. ”Estamos mudando para um novo paradigma, e os desafios globais estão convergindo – não faz mais sentido, por exemplo, separar desigualdade de pobreza e de conflitos; está tudo interligado.”
O evento mostrou que as ciências sociais e naturais andam juntas, e que essa união é útil para fazer emergir um novo entendimento acerca das políticas científicas. Segundo Heckmann, é preciso mobilizar os atores ativos de ramos do conhecimento diversos para gerar uma inovação institucional. ”Não podemos mais falar em ‘ciência e sociedade’, e sim ‘ciência com a sociedade’.” Ou seja, não se trata apenas de envolver a indústria e os governos, mas também os próprios cidadãos, pois estes também são stakeholders – partes interessadas – na solução dos problemas globais.
O presidente do Comitê Científico da América Latina e Caribe do ICSU, José Luis Morán-Lopez, lamentou que, apesar da importância da colaboração interdisciplinar ser reconhecida, ela é pouco desenvolvida na região. ”Na universidade, a educação é mais especializada, sendo que os alunos deveriam aprender um pouco sobre sociologia, história, literatura – mesmo aqueles das ciências naturais.”
Segundo Lopez, estabelecer essa colaboração depende de informação científica. ”Na minha visão, o processo de reconhecer os problemas que queremos solucionar, para prosseguir com a captação de recursos e, então, a chamada para propostas, requer um grupo interdisciplinar, em que um entenda o outro. É um novo jeito de fazer pesquisa.”
Heide Heckmann completou que é preciso estarmos abertos a novas maneiras de ver o mundo e a fazer perguntas nunca feitas antes, mas que é difícil trabalhar de forma integrada: ”As ciências naturais e sociais acusam umas às outras de serem ingênuas, e os dois lados estão certos. Quando se fala da comunidade de cientistas sociais, trata-se de uma comunidade fragmentada. Os cientistas não podem ser forçados a colaborar”. Ela afirmou que os jovens da próxima geração podem ser capacidade de solucionar essa barreira, mas não há um espaço seguro e confiável para tal – é necessário criar um ambiente de inovação radical, especialmente nas universidades.
O diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e Acadêmico, Jerson Lima, afirmou que a dificuldade de mudanças para avançar tanto na ciência quanto na educação, de modo a enfrentar os problemas globais, reside, em parte, na falta de comunicação com a sociedade e com o governo. ”Repórteres entrevistam cientistas e, muitas vezes, não sabem nem ao menos o que é um vírus, e eles são jornalistas. Imagina como é explicar isso para pessoas comuns?” A secretária-geral do ISSC concordou, acrescentando que é essencial que todos entendam os efeitos das mudanças climáticas em suas vidas diárias.
Jerson Lima da Silva enfatizou que apenas com investimentos na educação e nas pesquisas científicas é possível enfrentar os desafios debatidos durante o seminário, além de fazer com que a expressiva produção científica do Brasil tenha, de fato, aplicações reais. ”O problema é que talvez os tomadores de decisão não acreditem na ciência.”
O físico da UFRJ e Acadêmico, Carlos Aragão, concordou que é preciso que pessoas de diferentes áreas – químicos, biólogos, economistas – ”conversem em uma mesma língua”, especialmente para lidar com o fato de que, atualmente, a informação cresce exponencialmente: ”É impossível estar a par de todo o conteúdo que é produzido, estamos falando de 600 papers por dia”.
Aragão lembrou que qualquer problema que a população enfrenta, seja de escassez de água, de demanda de energia ou de segurança alimentar, envolve aspectos naturais e sociais. ”Estou convencido de que a sociedade existe porque a natureza está lá, e não o contrário. Então, ou a sociedade vai preservar a natureza e a si própria, ou vai enfrentar o desastre.