A mesa redonda intitulada “Educação científica: promovendo ciências nas escolas e em outros espaços” reuniu o Acadêmico Vanderlei Bagnato e o professor Guilherme Marson, no 2º Encontro Regional de Membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências – Regional São Paulo. O debate foi coordenado pelo professor Valtencir Zucolotto, afiliado membro da Academia Brasileira de Ciências.
O professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e atual presidente da Comissão de Cultura e Extensão do IQ-USP, Guilherme Marson, iniciou sua fala destacando a importância das tecnologias da informação e do conhecimento para a divulgação científica. Segundo o professor, “a comunidade científica enfrenta um desafio perene de preservar e renovar conhecimento”. Marson acredita que esse problema se agrava quando há mais produção de informação do que de conhecimento.
A química como artefato cultural
A ciência tem um papel fundamental na forma de se ver o mundo. Se a química é um bom paradigma para a expansão do conhecimento, então ela é um artefato cultural, pois afeta o modo de vida da sociedade diretamente. “A comunidade científica precisa da sociedade, pois é ela que valida o uso da ciência”, argumentou o professor.
Marson deu um bom exemplo de artefato cultural produzido pela ciência e aprovado pela sociedade: a primeira pílula anticoncepcional, a Enovid. “Dentre as 89 milhões de substâncias criadas pelos químicos, esta interferiu diretamente na sexualidade e na forma como se organiza a família. Contribuiu muito para a redução demográfica no mundo e deu à mulher o poder de planejar a família e a carreira,ao menos no Ocidente”, ressaltou o pesquisador.
Química, para que te quero?
Potencializar a participação científica é um dos assuntos mais discutidos no meio acadêmico. E as soluções envolvem diversos atores e ações constantes de longo tempo. De acordo com Marson, o conhecimento precisa ser um bem público com múltiplas formas de compartilhamento, ou seja, precisa ser divulgado.
Marson citou os seguintes números, relativos à pesquisa realizada sobre a divulgação da química na mídia: entre 2008 e 2012, de 5.400 notícias dos jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo, 11% destacavam a química especificamente. Destas, um terço se referiam à química claramente de forma negativa – mais nas editorias de Cidade e Cotidiano. Outro terço tratava a química de forma claramente positiva, especificamente nos cadernos de ciência e tecnologia.
Ele destacou um marco significativo na difusão da química na mídia: o Ano Internacional da Química (AIQ), comemorado em 2011. “A Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] e a Iupac [União Internacional de Química Pura e Aplicada] tinham o objetivo de celebrar as grandes descobertas e os últimos avanços científicos e tecnológicos da química, mas o projeto resultou em algo mais. Ao todo, foram mais de 80 mil visitantes em exposições, 80 mil exemplares de material didático distribuídos, 110 encontros e criação de dois portais”, listou o palestrante.
O site do AIQ continua no ar e há também outro portal que publica centenas de conteúdos revisados e gratuitos para estudantes, além de artigos científicos. O portal Química Nova Interativa (QNint), da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), foi criado para dar continuidade à divulgação de química para a sociedade. No período de janeiro a agosto de 2014, a página teve mais de dois milhões de acessos.
Segundo Marson, existem diversas formas de estimular atividades de divulgação científica. “Financiamento e motivação não faltam, mas é preciso combiná-los com a tecnologia. Existem muitas coisas que estão ao alcance das nossas mãos e que devemos explorar. A internet é uma delas e pode contribuir muito para a popularização da ciência, pode ter um resultado impactante se o esforço for na direção certa”, declarou o professor.
Ciência para cidadania
Em continuação ao debate sobre educação científica, o Acadêmico Vanderlei Bagnato, professor de Física da Universidade de São Paulo (USP), acrescentou que o trabalho de ensino é em si uma forma de divulgação científica. Ele acredita que a ciência promove a integração entre os povos e procura criar programas que atinjam tanto crianças e jovens universitários quanto a população em geral. “Para mim, ciência não é só para cientistas, mas sim para todos os cidadãos. Quem sabe ciência passa entender o mundo ao redor”, acrescentou o professor.
Bagnato é doutor em Física pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e atua como coordenador da Agência USP de Inovação, onde, entre outras atividades, desenvolve projetos de ensino e difusão científica. A missão e os objetivos da Agência envolvem a promoção da utilização do conhecimento científico, tecnológico e cultural produzido na USP em prol do desenvolvimento socioeconômico, assim como a identificação o estímulo e a implementação de parcerias com os setores empresariais, governamentais e não governamentais na busca de resultados para a sociedade.
O compromisso de Bagnato com a difusão científica envolve um canal de televisão comunitário que fica 24 horas no ar e visitas às escolas de São Carlos e da Região Metropolitana, que atingem por ano cerca de dez mil alunos. Além disso, a criação da exposição “Semana da Ótica”, feita anualmente no shopping de São Carlos, se tornou tão relevante para a cidade que virou lei estadual. “Divulgação científica tem que ser feita com motivação, paixão e deve ser permanente, ininterrupta” destacou o Acadêmico.
Educação a distância: solução para ensino em grande escala
Por muitos anos, Bagnato se mostrou contrário ao ensino a distância. Mas hoje, o professor admite ser fã dessa inovação educacional. Ao todo, o professor tem três cursos montados. Bagnato percebeu que essa é a única maneira de “educar povos diferentes em lugares distantes e com menor custo”. Por isso, tornou-se colaborador do Veduca, plataforma online brasileira que tem em seu registro mais de 45 mil alunos e oferece monitores e exame presencial por curso, emissão de certificado de compatibilidade de conhecimento. Atualmente, os cursos básicos de Física I e Física II ministrados por Bagnato, contam com 36 mil estudantes matriculados.
Os cursos são um conjunto de vídeo aulas de formato dinâmico e focadas no estudante. Os tópicos têm curta duração – aproximadamente dez minutos. O aprendizado se adequa ao ritmo do aluno, com testes no final de cada tópico. O curso também se aproxima da sala de aula através de fóruns – interação entre alunos – e chats – aulas ao viv
o e atividades complementares.
o e atividades complementares.
O Veduca é um empreendimento da iniciativa privada que conta com parcerias com a USP, a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além de universidades estrangeiras. É considerado o melhor exemplo brasileiro de MOOC, do inglês “Massive Open Online Course”, cursos online massivos com conteúdo totalmente aberto, sendo possível para qualquer pessoa acessá-los de graça, em qualquer lugar. “O jornal norte-americano New York Times considerou o ano de 2012 como o Ano do MOOC, após a criação e explosão desses cursos pelo mundo, com mais de dois milhões de alunos aprendendo dessa forma inovadora”, ressaltou o Acadêmico.
“Aventuras na Ciência”
Um recurso pedagógico para o desenvolvimento de ciências nas escolas – e também uma forma de divulgação científica – é o kit “Aventuras na Ciência”, organizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Unicamp e USP. O projeto nasceu da convicção de um grupo de cientistas que acreditam que o estímulo à curiosidade através da experimentação é a melhor forma de se despertar o interesse de crianças e jovens pelo fazer científico.
Cada kit vem acompanhado de um folheto que descreve os resultados nele contidos e conta um pouco da história dos cientistas que os descobriram. Inclui ainda um manual de instruções sobre como realizar os experimentos propostos e perguntas sobre os resultados. “Os kits estimulam a experimentação e tem importante papel na aprendizagem ativa, se bem utilizados pelo professor. Podem ser usados como instrumentos em escolas que não possuem laboratórios”, destacou Bagnato.
“Tudo o que se faz em divulgação científica é criar espectadores. É bom ter exposições, é bom existirem sites.Mas para criar cientistas temos que deixar a criança descobrir o que é a atividade científica. Não adianta criar simulação de experimentos. É preciso colocar a mão na massa”, declara o professor.