”No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho”. Referindo-se ao poema de Carlos Drummond de Andrade, a professora de ciências e biologia em São Gonçalo Rita de Cássia contou que os obstáculos para fazer uma pós-graduação em Ensino de Ciências envolveram o acúmulo do trabalho nas escolas com as atividades do curso e as responsabilidades familiares. Mas ela conseguiu driblar as pedras, com comprometimento e força de vontade. ”Agradeço por todas as dificuldades que enfrentei. Não fosse por elas, eu não teria saído do lugar”, disse ela, citando Chico Xavier.

Rita era uma entre os 144 professores de ciências e biologia do ensino básico que participaram da jornada de apresentação de pôsteres que encerrou a 20ª edição do curso de Especialização em Ensino de Ciências do Programa de Educação, Gestão e Difusão em Biociências do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Peged-IBqM-UFRJ). Na ocasião, a turma de 2013 apresentou seus trabalhos finais, construídos sob a orientação dos tutores da Fundação Centro de Ciências e Educação a Distância do Estado Rio de Janeiro (Cecierj), em parceria Secretaria de Estado de Educação do Estado do Rio de Janeiro (Seeduc).

Criado e coordenado pela professora Denise Lannes, doutora em ciências pelo próprio IbqM sob orientação do Acadêmico Leopoldo de Meis, nos primeiros 19 anos de existência o curso de pós-graduação presencial qualificou 113 professores, até 2013. De lá para cá, com a parceria com o Cecierj e a Seeduc e a transformação em curso semi-presencial, a turma avaliada na ocasião teve 238 inscritos e chegou ao final com 144 formandos. A nova turma, constituída em 2014, tem 334 participantes.

Em sua fala no auditório lotado, o diretor do Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ, Mario Alberto Cardoso da Silva Neto, parabenizou Denise Lannes (na foto abaixo) e sua equipe pela iniciativa transformadora. ”Hoje vivemos uma revolução em ciência e tecnologia, cada um de nós carrega no bolso – no seu pendrive ou no celular – uma biblioteca. Mas isso não chega ao nosso dia a dia: aqui, do lado de fora dos nossos muros, vemos uma imensa carência de inclusão social e de aproximação com vários setores da sociedade. A Denise é uma guerreira, que se dedica há anos para conduzir e ampliar essa iniciativa, que é um orgulho para o nosso Departamento.”

Emocionada, Denise Lannes (na foto acima) ressaltou o trabalho de equipe, nomeando os coordenadores, tutores e docentes do curso. ”Nos empenhamos em não dar ao aluno apenas o que ele quer, porque ele só quer o que conhece. Temos que ir além, facilitando o acesso aos códigos de poder da sociedade em que vivemos, de modo a ajudá-lo a se sentir confiante na sua capacidade e ganhar mobilidade social.”

Para Lannes, o que caracteriza mais fortemente o sucesso do trabalho dessa equipe é o fato de que todos os envolvidos realmente acreditam que a profissão de professor é uma das mais sofisticadas e complexas que existe. ”E precisamos difundir essa percepção na sociedade.” Ela destacou que a palavra-chave do trabalho é ‘colaboração’ e citou Goethe: ”Seja qual for o seu sonho, comece. Ousadia tem genialidade, poder e magia.”

Grupo de tutores e orientadores do 20º Curso de Especialização em Ensino de Ciências
do Peged/IBqM/UFRJ em parceria com o Cecierj e a Seeduc

E alguns alunos relataram suas vivências. Luciane de Fátima Carvalho, professora em Duque de Caxias, disse que retomou os estudos insegura de sua capacidade de ter disciplina, determinação e tempo para fazer um curso semi-presencial. E que não imaginava o que estava por vir. ”Num curso a distância fiz amigos, construímos um aprendizado coletivo nos fóruns, contei com a dedicação e comprometimento de minha tutora, paciente com as minhas inúmeras limitações. Apesar de mal remunerados e responsabilizados pelo fracasso da educação básica no país, grande parte de nós ainda resiste e continua apaixonada pelo trabalho de professor. Por isso estamos aqui.”

Para Leandra de Souza Lopes, professora em Bangu, a palavra que definiu sua vivência no curso foi ‘acolhimento’. ”Falamos e fomos ouvidos. Fomos acolhidos com todas as nossas dificuldades de adequação a um curso a distância, como o tempo afastado da universidade, a falta de intimidade com a tecnologia, as dificuldades de conexão com a internet, o acúmulo de trabalho, a insatisfação com a baixa remuneração e outras coisas mais.” Ela relatou que muitas vezes é questionada sobre os motivos que a mantém no magistério, uma carreira desvalorizada social e financeiramente no Brasil, lidando com alunos em sua maioria desinteressados. ”E foi nisso que esse curso mais me acrescentou, pois me fez descobrir que eu posso desejar mais, que eu posso superar os obstáculos, que sou capaz de fazer a diferença, apesar de todos os problemas da profissão.”

Com problemas de saúde e morando em Cantagalo, próximo a Friburgo, a professora de biologia Flávia Mulin Rozalino contou que queria voltar a estudar a tempos, mas não conseguia. A possibilidade de fazer o curso semi-presencial reabriu as portas da formação continuada para ela, que credita a esta vivência uma evolução das suas práticas pedagógicas e o alargamento de seus horizontes. ”Diminuiu a distância entre o falar e o fazer, entre o sonho e a realização. Tornei-me uma profissional melhor, com ferramentas mais eficazes, com uma visão mais crítica e engajada, buscando escolas que ‘deem asas’.” Flávia concluiu seu depoimento citando Cecília Meireles: “A vida só é possível reinventada.”