A Academia Brasileira de Ciências (ABC), o Conselho Nacional de Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) consideram que o Brasil reúne condições ímpares para utilizar eficientemente ciência, tecnologia e inovação em um projeto de desenvolvimento ousado e transformador, que contribua para reduzir as iniquidades, melhorando o nível de vida da população e colocando o país em lugar de destaque no cenário internacional.
Nesse sentido, a ABC apresenta esta proposta, para que o desenvolvimento sustentável e socialmente justo do Brasil incorpore decidida e definitivamente ciência, tecnologia e inovação como política de Estado.
Leia abaixo o sumário da proposta e, ao final, acesse o documento na íntegra.
POR UMA POLÍTICA DE ESTADO PARA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO: CONTRIBUIÇÕES DA ABC PARA OS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DO BRASIL
O Brasil na fronteira da produção do conhecimento
1. O Brasil precisa investir 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa, como ocorre em países desenvolvidos. Para que isso ocorra, deve ser adotado pelo Governo Federal um procedimento análogo ao das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa, que aplicam 1% a 2% da arrecadação estadual em pesquisa.
2. O Brasil deve pautar a ciência e a tecnologia mundial no que se refere às suas questões fundamentais e estratégicas, tornando-se o destino preferencial de profissionais que buscam capacitar-se nessas áreas.
3. O notável avanço da ciência brasileira precisa ser sustentado como Política de Estado, sobretudo a ciência básica, acelerando vigorosamente, em qualidade e quantidade, a produção científica e a formação de pesquisadores, estabelecendo prioridade para as áreas mais estratégicas e/ou carentes no País, além de aperfeiçoar mecanismos de formação e fixação de cientistas nas regiões do País que mais carecem de sólida competência em ciência e tecnologia.
4. A cooperação em ciência e tecnologia, nacional e internacional, é vital e estratégica para o desenvolvimento
brasileiro e para a consolidação da inserção da comunidade científica na agenda mundial. Além dos países mais avançados cientificamente, é importante intensificar a cooperação com a China e a Índia, as nações da América Latina e da África, para permitir o avanço do conhecimento e a aceleração dos processos de inclusão social e geração de renda.
5. As formas em vigor de apoio à ciência e tecnologia, como os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), o Edital Universal e o Programa de Infraestrutura (PROINFRA) no âmbito federal, ou os Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), no domínio estadual, são fundamentais para o avanço na produção de conhecimento, e devem ser continuadas e aprimoradas.
6. É muito importante que o investimento na formação de recursos humanos em todos os níveis e a capilarização dos programas de pós-gradução por todo pais devam ser continuados e potencializados.
7. Também é importante a criação de condições favoráveis para o aproveitamento dos jovens beneficiados pelo programa Ciência sem Fronteiras que retornam ao pais.
8. Os investimentos em infraestrutura precisam ser substancialmente ampliados, com a expansão qualificada do sistema universitário, institutos de pesquisa e laboratórios, inclusive de grande porte, e de escolas e programas de formação de técnicos para operá-los, bem como criando modalidades de apoio à pesquisa com duração de até dez anos para projetos de natureza mais ousada e/ou abrangente.
9. É necessário acelerar mecanismos para efetivar de imediato importações de insumos e equipamentos para a pesquisa.
10. Os institutos de pesquisa do governo federal devem ser fortalecidos e ampliados, nos temas estratégicos, com ações concertadas, observando as políticas nacionais em seus respectivos setores e tendo seu orçamento e suas ações condizentes com suas missões. Os processos de avaliação precisam ser repensados, de forma a contemplar abordagens integradas e possibilitar o desenvolvimento de suas atividades com qualidade e participação no diálogo internacional.
11. Tais institutos, além de serem fortalecidos, devem ser redefinidos em seus focos de estudo, bem como em seus objetivos, fontes de financiamento e, especialmente, forma de gestão, no modelo de “Organizações Sociais”, como é o caso de algumas instituições cientificas no país e no exterior, em conformidade com as circunstâncias da área onde vão atuar e dos desafios que enfrentarão. É relevante que a nova forma de gestão possa ser estendida, inclusive, para centros de pesquisa de excelência, vinculados a Instituição do Ensino Superios (IES).
12. A interação da ciência com o setor empresarial deve ser ampliada através da criação de novos institutos, com a função de produzir e transferir conhecimentos para o setor empresarial, visando a geração de conhecimento voltado para a inovação tecnológica de nível internacional. Esses institutos devem ser capazes de realizar grandes projetos mobilizadores que possam fazer surgir novos setores na economia nacional ou incrementar setores já existentes.
13. Precisam ser criados mecanismos de estímulo para que essas novas instituições absorvam os novos doutores que estão sendo titulados tanto no Brasil como no exterior, bem como para que esses novos profissionais se fixem em regiões mais periféricas em relação aos centros mais desenvolvidos do País.
14. Um amplo programa de longa duração de “brain gain” precisa ser promovido para trazer cérebros, sobretudo jovens talentos, tendo em vista nosso vigoroso avanço científico atual e, especialmente, remuneração e condições de trabalho competitivas. Ao mesmo tempo, devem ser criados programas e incentivos que evitem a evasão de lideranças cientificas e de jovens talentos nacionais para outros países.
15. Os concursos para professores e pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa precisam ser remodelados e ter caráter nacional e/ou mundial, admitindo-se mecanismos de absorção de cientistas estrangeiros qualificados, permitindo, em particular, o uso de língua estrangeira aceita amplamente, como o inglês, desde que os participantes se comprometam a aprender a língua portuguesa após o concurso.
16. É preciso finalizar a tramitação no Congresso Nacional do Código Nacional de CT&I (PL-2177/11), que avançou em 2014 com a aprovação, já em segundo turno e por unanimidade na Câmara, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 290/13, que dá sustentação constitucional ao mencionado Projeto de Lei (PL).
17. É necessário que o RDC (Regime Diferenciado de Compras) específico para CT&I, a cargo do Executivo (MCTI), seja também aprovado para que o conjunto, PEC+PL+RDC, possa alcançar os objetivos pretendidos pelo denominado Código Nacional de CT&I.
18. Deve ser fortalecido o papel do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia como órgão assessor da Presidência.
O setor industrial: agregaçào de valor à produção e àexportação
19. A transição para uma economia que contemple valor agregado e alta intensidade tecnológica deve alterar
o perfil da exportação brasileira, hoje predominantemente de matérias-prima.
20. O aumento de escala em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I) deve combinar investimento privado e financiamento do Estado, com diversificação de instrumentos de apoio, desoneração das atividades de pesquisa nas empresas, adequação da legislação para empresas nacionais de pequeno, médio e grande porte, com vistas a fortalecer, iniciativas existentes, no momento escassas, e criar novas frentes.
21. O poder de compra do Estado deve ser usado para incentivar o desenvolvimento de novas indústrias com perfil inovador, encorajando a inovação nas empresas, permitindo a instalação de centros de pesquisas empresariais e estimulando a colaboração entre elas e os institutos de pesquisas e as IES.
22. As vantagens diferenciais do Brasil, como o uso sustentável da biodiversidade e o desenvolvimento de fontes renováveis de energia, devem ser o alvo de políticas públicas para a promoção de atividades que gerem novos produtos e processos.
23. A oferta de energias alternativas deve ser ampliada, de modo a contemplar um leque variado e crescente de fontes.
24. O financiamento público para inovação no setor industrial deve ser condicionado à criação de centros de pesquisas e inovação nas empresas, incorporando pesquisadores nacionais nas iniciativas de P&D. Adicionalmente, deve ser estimulada a interação com universidades e institutos de pesquisa. Os fundos setoriais devem ser ampliados e ter seus recursos plenamente utilizados, com gestão compatível com as leis que lhes deram origem. Novos fundos devem apoiar esforços importantes na área de educação, incluindo educação em ciências e cursos em nível de graduação e pós-graduação inovadores nas áreas estratégicas.
25. O Brasil não contempla as doações de empresas para ciência, tecnologia e inovação como nos países avançados. É imperiosa a criação de incentivos fiscais, como já é feito na área cultural, que estimulem as doações para C,T&I.
26. É necessária a readequação da legislação da propriedade intelectual para o século XXI, de modo a incluir, entre outros, novos produtos, componentes e processos, em particular, oriundos da biodiversidade brasileira.
A bioeconomia e a conservação e o uso sustentável dos biomasnacionais
27. O mar territorial brasileiro precisa ser conhecido do ponto de vista físico, geológico, químico, biológico, social e de segurança nacional, e monitorados continuamente.
28. A Amazônia precisa ser incluída na agenda nacional. A Amazônia requer ações do governo brasileiro com vistas ao seu conhecimento e à redução do fosso que a separa dos demais biomas brasileiros.
29. A diversidade sociobiológica existente na Amazônia, no mar, na Mata Atlântica, no Pantanal, nos pampas, na caatinga e no cerrado brasileiro precisa ser diagnosticada. Para isso a carência de pessoal qualificado precisa ser superada. A redução dos conflitos nesses biomas deve calcar-se no desenvolvimento de novos produtos e processos capazes de gerar renda e promover a inclusão social.
30. Estratégias robustas para a interlocução simétrica com as comunidades e populações, que tradicionalmente habitam os ambientes designados como áreas de proteção, precisam ser desenvolvidas e empregadas para reduzir disputas, garantir a sua participação e colaboração e dar celeridade aos processos de conservação desses ambientes.
31. O uso das tecnologias espaciais de última geração no monitoramento dos grandes biomas nacionais deve ser ampliado. Para isso, a capacitação de pessoal para a produção e uso dessas tecnologias deve ser estimulada e apoiada.
32. Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento, que forneçam a base para o futuro da bioeconomia no país, precisam ser ampliados e devem ser priorizadas ações multidisciplinares para permitir que a pesquisa biológica na fronteira do conhecimento, assim como a física, a química, a engenharia, as ciências da computação e a matemática, suportem a bioeconomia.
33. Os processos de regulamentação que facilitem a transição de bioinvenções do laboratório de pesquisa para o mercado precisam ser desenvolvidos e/ou reformulados, de modo que reduzam as barreiras, aumentem a velocidade e previsibilidade de processos, reduzindo os custos e ao mesmo tempo protegendo a saúde humana e ambiental.
34. As oportunidades para o desenvolvimento de parcerias público-privadas e colaborações pré-competitivas, onde concorrentes somem recursos, conhecimentos e competências precisam ser identificadas e apoiadas.
Por uma Política de Estado para Ciência, Tecnologia e Inovação:
contribuições da ABC para os candidatos à Presidência do Brasil
O Brasil precisa de uma revolução na educação
35. A valorização e a qualificação do professor de educação básica são condições fundamentais para o desenvolvimento do País. Para isso,
36. Os salários dos professores do ensino básico devem ser comparáveis aos de outras profissões graduadas
e prestigiosas, tendo por meta equiparar a remuneração àquelas dos Colégios Federais,
37. O processo de capacitação de professores deve ser responsabilidade do Estado brasileiro e continuamente
avaliado. O papel das instituições públicas de ensino superior na formação e aperfeiçoamento de professores para os níveis fundamental e médio deve ser fortalecido e incluir tanto programas de formação presencial como à distância, inclusive qualificação em nível de pós-graduação.
38. A educação pública de qualidade precisa iniciar-se já na pré-infância.
39. Deve ser estimulada e fortalecida a formação de técnicos de nível médio em todas as áreas, em todas as regiões do país, qualificados em escolas de alto nível, para atender à pesquisa, às indústrias e ao terceiro setor.
40. O MEC e o MCTI devem criar mecanismos de apoio financeiro adicional às IES, com base no respectivo
desempenho em atividades de excelência em ciência, tecnologia e inovação, bem como promover a valorização
pelas agências de fomento das contrapartidas institucionais, exigindo-se, nos editais e contratos, a garantia de apoio adequado e sustentável aos projetos por elas apoiados, inclusive com a disponibilização de pessoal técnico e administrativo e de infraestrutura, garantindo a governança dos projetos.
41. É imperioso que algumas universidades públicas com tradição em pesquisa possam servir como referenciais
do sistema de ensino superior. Esta condição somente pode ser alcançada com sistemas de gestão e financiamento compatíveis com as mais destacadas instituições internacionais. A escolha de seus dirigentes deve ser baseada em novos mecanismos, como por exemplo, em “comitês de busca”, compostos por profissionais de competência reconhecida no setor, que valorizem a liderança acadêmica. Essas universidades devem estabelecer contratos de gestão com o MEC, envolvendo planos de metas bem definidos, cujo cumprimento deve ter reflexos sobre o financiamento da instituição.