A candidata à vice-presidência da República pelo PSB, Marina Silva, defendeu que os governos devem dialogar de forma eficaz com a comunidade científica para tomar decisões que priorizem a preservação dos recursos naturais sem prejudicar o desenvolvimento. Ela participou na quinta-feira, 24 de julho, da 66ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) que, neste ano, acontece em Rio Branco, no Acre, cidade onde nasceu. Marina substituiu o candidato à presidência com quem está concorrendo, Eduardo Campos, que havia ido ao enterro do escritor Ariano Suassuna.
Na ocasião, Marina Silva também recebeu das mãos da presidente da SBPC e Acadêmica, Helena Nader, o documento com orientações em ciência, tecnologia e inovação (CT&I) destinado aos presidenciáveis, que foi elaborado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e subscrito pela SBPC. Antes de Silva falar sobre sua visão política, Nader, que apresentou a convidada, pediu um minuto de silêncio pelas mortes recentes de Suassuna, dos também escritores Rubem Alves e João Ubaldo Ribeiro, do político Plínio de Arruda Sampaio e do geneticista e Acadêmico Darcy Fontoura.

 

Marina Silva e Helena Nader em minuto de silêncio
Marina Silva e Helena Nader em minuto de silêncio
Marina Silva afirmou que os eixos de debate da reunião, cujo tema é “Ciência e Tecnologia em uma Amazônia sem Fronteiras”, são muito importantes e que, antes de tudo, é necessário compreender a significância da região, que corresponde a 60% do território brasileiro, comporta 11% de toda a água doce mundial e a maior biodiversidade do planeta. “É fundamental esse encontro do saber narrativo com o técnico-científico”, destacou. “Essa inovação de ter a SBPC Indígena, com os povos tradicionais, é muito importante para que se possa pensar a educação e considerar outras formas de produzir conhecimento, tecnologia e ciência.”
Ela continuou, dizendo que as populações tradicionais, portadoras do saber narrativo, não trabalham com o certo e o errado, sabem “escutar e compreender”, “ver e perceber”, e que a ciência se enriquece muito com esse encontro e diálogo. “A Amazônia suscita a diversidade cultural, social, dos ecossistemas, econômica. O grande problema aqui é a ideia de que devemos copiar os modelos homogêneos de outras regiões do país – se a cana dá certo, repetimos a cana, se é soja, repetimos a soja. É preciso diversificar: turismo, agronegócio, biotecnologia.”

A “crise civilizatória”

Marna Silva argumentou que a humanidade atravessa uma “crise civilizatória”, que é econômica, social, ambiental, política e de valores. Isso se deve a vários fatores: no aspecto ambiental, por exemplo, há uma grande perda da biodiversidade, poluição e mudanças climáticas; no social, cerca de dois bilhões de pessoas no mundo vivem em situação de pobreza; no político, a internet transformou a propagação da informação e, hoje, os indivíduos assumiram o lugar de sujeitos políticos, não mais de espectadores. Já a crise de valores se dá no campo da ética. “Sacrificam-se investimentos estratégicos de longo prazo por se pensar nas próximas eleições em vez de nas próximas gerações”, ressaltou.
A candidata afirmou que uma crise civilizatória é grave porque não pode ser enfrentada por uma pessoa ou um grupo. É preciso esforço da ciência, mas também dos saberes tradicionais, dos governos e das empresas. Marina Silva disse, ainda, que o diálogo com o novo sujeito político requer uma postura nova. “Não é mais fazer para as pessoas, mas com as pessoas; olhar de baixo para cima e não o contrário.”

O falso dilema da educação

Marina Silva atentou para a necessidade de se dialogar com as demandas desse século, e apontou que a educação deve ser prioridade de qualquer governo – do ensino infantil à pós-graduação. “Entramos no falso dilema de decidir se será priorizado o ensino básico, o fundamental ou o universitário. Essa escolha não existe; é preciso fazer ao mesmo tempo. Por isso, professores precisam de uma boa formação e a escola deve ser ressignificada, de modo que não seja mais uma porta de entrada e a mesma porta de saída, e sim uma porta de entrada e várias portas de saída.” Para isso, defendeu a destinação dos 10% do PIB para a educação e a escola em tempo integral.

Diálogo entre governo e comunidade científica

Marina Silva afirmou que o pouco mais de 1% do PIB destinado a CT&I é pouco, e frisou a necessidade de se buscar uma profunda parceria entre o governo e a comunidade científica. “Muito do conhecimento produzido por vocês fica na prateleira, não é considerado quando o governo toma as decisões sobre a hidrelétrica que vai construir, por exemplo.” Ela contou que, quando foi ministra do Meio Ambiente, entre 2003 e 2008, já havia uma demanda muito grande da comunidade científica por contribuir com soluções. “Desde 2001, os cientistas alertam para o fato de que poderíamos viver escassez de água. Treze anos se passaram e não se aprendeu nada, continuamos falando de apagão e temos uma matriz energética dependente quase que de apenas uma fonte de energia.”
Ela lembrou que, quando esteve à frente do Ministério, fazia seminários técnico-científicos com a comunidade científica e agentes públicos. “Em quatro anos, reduzimos em dois bilhões de toneladas a emissão de CO2. Os pesquisadores faziam o alerta, nós levávamos em conta e concebíamos um plano.” Marina Silva também recordou o caso do Código Florestal, em que as observações dos cientistas foram pouco consideradas. “Eu tenho o compromisso de ouvir a comunidade científica para que esta possa interferir na gestão pública.”
A convidada acrescentou que o governo deve respeitar a capacidade criativa e inventiva do pesquisador, em vez de engessá-lo com a agenda exclusiva de resultados. Ao fim, Helena Nader entregou o documento escrito pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e outro produzido pela diretoria da SBPC durante a própria reunião. Este aborda, justamente, a necessidade de uma participação real da comunidade científica no debate político, principalmente em relação ao orçamento de CT&I.
Saiba mais sobre o encontro em matéria do Jornal da Ciência.